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Hipertensão portal: etiologia, sintomas e tratamento

A hipertensão portal é definida por uma pressão na veia porta maior ou igual que 5 mmHg. Entretanto, aumentos entre 5 e 9 mmHg são considerados subclínicos, e ele só é considerado significativo quando supera 10 mmHg. É com esses níveis que há aumento de risco de complicações, especialmente formação de varizes esofágicas. Para além desta definição hemodinâmica, a hipertensão portal é o evento comum final de uma série de danos no fígado e na sua vasculatura, gerando diversas consequências negativas para a pessoa.

Como veremos, existem diferentes causas para essa condição, e a cirrose é a principal delas no nosso meio. A cirrose é responsável por 1,5% das mortes anuais (dados norte-americanos), e a maior parte da morbidade da cirrose é mediada pelo aumento da pressão portal. Na Ásia e África, a esquistossomose tem um papel maior, sendo a causa mais frequente de hipertensão portal em alguns paises. Em suma, sua importância se dá pelo aumento do risco de hospitalização, sangramento, transplante hepático e morte.

Nesta nossa postagem, iremos ver aspectos fisiopatológicos, etiológicos, de diagnóstico e manejo desta condição. Outras postagens nossas são relevantes para este tema e você pode encontrá-las aqui:

Patogênese e etiologias

Conforme apresentado esquemáticamente na
Figura 1
, a veia porta é formada da junção da veia mesentérica superior com a veia esplênica. Ela é responsável por cerca de dois terços da nutrição do fígado. Os nutrientes absorvidos do trato digestivo chegam ao sangue da circulação esplâncnica, que é drenado até a veia cava, passa pelos sinusóides hepáticos e é direcionado para as veias hepáticas e, por fim, na veia cava inferior e circulação sistêmica.

Neste processo, o fígado executa uma série de eventos metabólicos. Um ponto interessante de ressaltar é que a pressão portal normal é maior que a pressão na veia hepática, o que determina o fluxo do sangue (da veia portal para a hepática). Ou seja, hipertensão portal não envolve a inversão da pressão usual do sistema, mas, sim, um aumento a níveis patológicos.

Figura 1.
Anatomia esquemática, etiologias e consequências da hipertensão portal. Nos quadros à esquerda estão as principais etiologias de hipertensão portal em cada um dos níveis de acometimento - algumas etiologias podem apresentar mais de um local de acometimento. Em vermelho, as consequências do aumento de pressão na veia porta.

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Quanto às etiologias, aumento na resistência em qualquer ponto deste sistema (antes, dentro e após o fígado) pode levar a hipertensão portal, como podemos observar na
Figura 1
.

O ponto mais comum de acometimento é dentro do fígado, seja por cirrose (sinusoidal), seja por esquistossomose (pré-sinusoidal). Tromboses de veia esplênica (pré-hepática), de veias hepáticas (síndrome de Budd-Chiari - pós-hepática), insuficiência cardíaca direita e pericardite constritiva (pós-hepática) são outras etiologias relevantes.

Deve-se destacar que aumento de fluxo, por si só, pode levar a aumento da pressão portal, como ocorre em mal-formações artériovenosas. Além disso, as alterações que ocorrem na cirrose também levam a vasodilatação e consequente aumento de fluxo e agravamento da hipertensão portal.

Quadro clínico e diagnóstico

O quadro clínico dos pacientes com hipertensão portal é extremamente variável. Sabemos que até 10 mmHg de pressão na veia porta não são esperadas manifestações clínicas, uma vez que a pressão na veia porta
per se
não gera sintomas (fase assintomática). Porém, com a progressão e persistência do quadro, são esperados sintomas variados:

  • Hemorragia digestiva por sangramento variceal:
    melena e/ou hematêmese surgem do sangramento de varizes esôfago-gástricas que surgem nos pontos que a circulação sistêmica e portal se encontram.
  • Ascite:
    o acúmulo de líquido na cavidade abdominal tende a se instalar lentamente e é percebido pelo paciente como uma sensação de peso vaga, desconforto leve e distanção abdominal; em casos avançados pode haver dispneia, saciedade precoce. Hidrotórax hepático ocorre quando o acúmulo de líquido se dá no tórax (usualmente à direita), podendo ocorrer com ou sem ascite associada.
  • Peritonite bacteriana espontânea:
    a translocação de bactérias do trato digestivo para a ascite leva a um quadro de desconforto abdominal, piora ou surgimento de encefalopatia, febre e dano renal.
  • Síndrome hepatorrenal:
    acredita-se ser mediada pela vasodilatação arterial, que leva a maior retenção hidrossalina e progressiva perda de função renal por hipoperfusão renal.
  • Hiperesplenismo:
    com o aumento da pressão no sistema porta há aumento da pressão na veia esplênica e aumento de volume do baço. Assim há hiperesplenismo, com plaquetopenia, leucopenia e anemia em graus variados. A ausência de esplenomegalia em exames de imagem deve levar a revisão do diagnóstico de hipertensão portal.

Algumas maifestações são dependentes da etiologia do quadro. Nos pacientes com cirrose há manifestações da falência hepática associada, como ginecomastia, icterícia, hiperemia palmar e aranhas vasculares. Além disso, os episódios de hemorragia digestiva tendem a ser menos tolerados, há maior risco de encefalopatia hepática e ascite. Por outro lado, o hiperesplenismo é mais marcado em causas pré-sinusoidais, tipicamente a esquistossomose.

Na maioria dos pacientes se faz
diagnóstico de hipertensão portal
pela presença de uma causa presumível para hipertensão portal (cirrose, esquistossomose, doença cardíaca) associada com manifestações clínicas. Isso se dá usualmente com a complementação do exame clínico com avaliações complementares como endoscopia digestiva alta mostrando varizes esofágicas, ultrassonografia de abdomên com doppler mostrando alterações no fluxo de sangue para o fígado ou esplenomegalia e paracentese com avaliação do gradiente de albumina no soro e na ascite.

Entretanto, em casos de dúvida diagnóstica ou quando não foi possível determinar a etiologia da hipertensão portal, lança-se mão da medida do gradiente de pressão venosa hepática. Isso é realizado através de cateterização da veia cava inferior e das veias hepáticas.

Com um cateter com transdutor de pressão e balonete para oclusão (como o cateter de Swan-Ganz) são realizadas medidas da pressão da veia hepática e da pressão de oclusão (que reflete a pressão no sistema porta). Assim, é possível calcular o gradiente de pressão venosa hepática e inferir se o aumento pressórico é pré-sinusoidal (seja pré-hepático ou intrahepático), sinusoidal ou pós-sinusoidal (intrahepático ou pós-hepático).

Tratamento

O primeiro passo do tratamento da hipertensão portal é identificar a sua causa e, se possível, ofertar tratamento da etiologia. Para citar alguns exemplos, isso pode incluir antivirais nas hepatites virais B e C, abstinência de álcool, antiparasitários em pacientes com esquistossomose, anticoagulação em pacientes com síndromde Budd-Chiari. Outras intervenções dependem das complicações que o paciente estiver apresentando.

Como medidas gerais para todos os pacientes, deve-se lembrar da vacinação para hepatite B, hábitos alimentares saudáveis, realização de atividades física e abstinência ao álcool. Rastreamento de varizes esofágicas deve ser realizado no momento do diagnóstico do quadro e, se ausentes, a cada 3-5 anos.

Pacientes com
sangramento digestivo
, para além do manejo agudo, devem receber beta-bloqueadores (não seletivos) e/ou fazer ligadura das varizes para prevenção. Em casos recorrentes pode-se utilizar TIPS (do inglês -
transjugular intrahepatic portosystemic shunt
) para reduzir o risco de recorrência. Essa intervenção reduz a pressão no sistema porta criando comunicação adicional entre estes dois sistemas venosos por dentro do parênquima hepático. Seu principal problema é o aumento do risco de encefalopatia hepática. Para a
ascite
o primeiro passo é tratamento com diuréticos, restrição salina e paracenteses. Em casos de recorrência frequente, pode-se considerar uso de TIPS. Naquelas pessoas com ascite que desenvolvem
peritonite bacteriana espontânea
deve-se realizar tratamento com antibióticos. Já na
encefalopatia hepática,
o principal tratamento é manter evacuações constantes para reduzir a produção de amonia e outros compostos nitrogenados no trato digestivo.

Por fim, em casos avançados, com múltiplas manifestações ou com manifestações de difícil controle, o tratamento definitivo para a maioria das etiologias de hipertensão portal é o transplante hepático. O escore de
MELD
(do inglês
Model for End-Stage Liver Disease
) costuma ser utilizado nesta decisão e para organização da fila de transplantes.

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