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Hipoglicemia neonatal: avaliação e manejo na emergência

A hipoglicemia é o distúrbio metabólico mais comum em recém-nascidos e uma das poucas causas evitáveis de lesão cerebral. Pode ser classificada em 2 grupos: transitória (duração de algumas horas até 3 dias) e persistente (duração maior que 3 dias).  

No entanto, em situações como RN PIG, com cardiopatia congênita, baixa aceitação alimentar, policitemia, sepse e filho de mãe diabética ou com pré-eclâmpsia, a hipoglicemia neonatal transitória pode persistir por algumas semanas, sendo confundida com a hipoglicemia neonatal persistente.  

Cerca de 50% dos episódios de hipoglicemia neonatal são transitórios e assintomáticos, 15% transitórios sintomáticos, 35% associados a outras doenças e apenas 2% são persistentes ou recorrentes.  

Causas e fatores de risco da hipoglicemia neonatal
 

Há várias causas de hipoglicemia em recém-nascidos. Os bebês prematuros e com restrição de crescimento correm um risco maior devido à diminuição dos depósitos de glicogênio em comparação com os bebês bem crescidos e a termo. Recém-nascidos pré-termo tardios e recém-nascidos de termo precoce (idade gestacional [IG] 37-38 semanas) têm um risco um pouco maior, provavelmente devido ao mesmo mecanismo.  

A hipoglicemia persistente ou recorrente está frequentemente associada ao hiperinsulinismo. Ela ocorre mais comumente em bebês de mães diabéticas, especialmente naqueles que necessitam de tratamento com insulina. O alto fluxo contínuo de glicose da mãe através da placenta induz o pâncreas fetal a produzir insulina em excesso. A infusão de glicose é interrompida no nascimento, e as concentrações persistentemente altas de insulina aumentam o risco de hipoglicemia  

O hiperinsulinismo congênito (HC) é a causa mais comum de hipoglicemia neonatal persistente, acometendo 1 em cada 30.000 a 50.000 nascidos vivos. Trata-se de situação de alta morbimortalidade, com significativo risco de convulsões hipoglicêmicas. A hipoglicemia pode iniciar no período neonatal ou no decorrer do primeiro ano de vida.  

No hiperinsulinismo neonatal transitório, o excesso de secreção de insulina se resolve espontaneamente alguns dias depois do nascimento podendo, mais raramente, durar até 6 meses. Já a forma persistente se caracteriza pela liberação desregulada de insulina das células β pancreáticas. O diagnóstico depende da combinação de achados clínicos e marcadores bioquímicos consistentes com secreção inadequada de insulina no momento da hipoglicemia. 

Existem muitos fatores de risco para hipoglicemia neonatal, destacamos abaixo os principais. 

Fatores de risco
 

  • Diabetes gestacional:
    recém-nascidos de mães com diabetes, especialmente aquelas que não estão bem controladas, têm maior risco de hipoglicemia devido à exposição excessiva à glicose no útero. 
  • Desnutrição materna:
    mães que não recebem nutrição adequada durante a gestação podem ter bebês com reservas de glicose insuficientes. 
  • Uso de medicamentos:
    uso de betabloqueadores, beta-agonistas, tocolíticos ou antidiabéticos orais pela gestante 
  • Prematuridade:
    neonatos prematuros têm menor capacidade de armazenar glicose, aumentando o risco de hipoglicemia. 
  • Baixo peso ao nascer:
    bebês com peso inferior a 2500 g estão em maior risco, especialmente se são pequenos para a idade gestacional. 
  • Asfixia perinatal:
    a falta de oxigênio ao nascimento pode afetar a regulação da glicose. 
  • Infecções:
    condições infecciosas podem levar a um aumento do consumo de glicose pelo organismo. 
  • Intervenções neonatais:
    procedimentos médicos invasivos ou estresse durante a internação podem contribuir para a hipoglicemia. 
  • Alimentação:
    a ausência de aleitamento materno precoce ou alimentação inadequada nos primeiros dias de vida é um fator de risco significativo. 

Avaliação da hipoglicemia neonatal
 

Bebês com hipoglicemia frequentemente são assintomáticos. Sinais e sintomas de quando presentes tendem a ser inespecíficos e de gravidade variada, incluindo tremores, irritabilidade, hipotonia, má sucção ou alimentação, taquipneia, cianose, hipotermia e convulsões. Esses sinais também podem ser característicos de outras situações patológicas (p. ex., infecções, anemia, distúrbio eletrolítico, acidose metabólica, cardiopatia). 

Recém-nascidos assintomáticos também podem apresentar hipoglicemia, especialmente aqueles em risco, como os filhos de mães diabéticas ou prematuros. Por isso, a triagem de glicose capilar é indicada nas primeiras horas de vida para a população com risco de hipoglicemia: diabetes gestacional, RNPT, PIG, GIG e crianças em tratamento de infecções no período neonatal. 

Procedimentos diagnósticos e critérios para intervenção
 

A glicemia capilar, realizada com glicosímetro, é o método mais utilizado para triagem. Se o valor estiver abaixo do limiar recomendado (geralmente <45 mg/dL após as primeiras 4-6 horas de vida), a confirmação por glicemia plasmática é necessária. 

A Pediatric Endocrine Society recomenda que neonatos com glicemia plasmática menores que 60 mg/dL, após 48 horas de vida, devam ser investigados (final do período de transição). Alguns autores, consideram a persistência por mais de 7 dias de hipoglicemia e/ou a necessidade de mais de 10 mg/kg/minuto de TIG (taxa de infusão de glicose) como indicativos de hipoglicemia persistente e devendo-se proceder investigação etiológica detalhada que foge ao escopo desse artigo.  

Os critérios da SBP (2022) sugerem intervenção quando: 

  • primeiras 24 horas
    : glicemia <25 mg/dL, mesmo em assintomáticos. 
  • após 24 horas
    : glicemia <45 mg/dL. 

Em recém-nascidos com sintomas, qualquer valor abaixo de 45 mg/dL requer intervenção imediata. 

Manejo na emergência
 

Intervenções iniciais e estabilização glicêmica
 

O objetivo geral do tratamento para a hipoglicemia neonatal é normalizar a concentração de glicose no sangue, fornecendo combustível cerebral adequado e diminuindo o risco de danos neurológicos. O tratamento da hipoglicemia assintomática consiste no aumento da frequência de alimentação, apoiando o aleitamento materno. Infelizmente, a hipoglicemia é mais comum nas primeiras 48 horas, momento em que o vínculo mãe-filho está sendo estabelecido, em que o volume do leite materno ainda é baixo e o seu conteúdo é mais alto em proteínas e consideravelmente mais baixo em carboidratos e gordura do que no leite maduro.  

Um bebê hipoglicêmico também pode exigir um incentivo maior para mamar e um diagnóstico de hipoglicemia pode causar ansiedade para as mães, o que pode resultar em dificuldades para amamentar precocemente. Na impossibilidade do leite materno, podem-se usar fórmulas lácteas artificiais.  

O gel de dextrose a 40% (200 mg/kg) massageado na mucosa bucal antes da alimentação demonstrou ser eficaz na melhora das concentrações de glicose no sangue em bebês prematuros e a termo hipoglicêmicos tardios nas primeiras 48 horas após o nascimento. Em combinação com a amamentação, fornece uma alternativa atraente e não invasiva à fórmula infantil e está cada vez mais sendo usado como tratamento de primeira linha para a hipoglicemia neonatal.  

Se a alimentação por via oral ou por sonda oro/nasogástrica não melhorar a concentração de glicose, normalmente é necessária a internação na unidade de terapia intensiva neonatal para tratamento com dextrose, EV. A definição de uma concentração de glicose plasmática na qual a intervenção é indicada precisa ser adaptada à situação clínica e às características particulares de um determinado bebê 

Em neonatos assintomáticos com glicemia moderadamente baixa, a oferta precoce de leite materno ou fórmula pode corrigir o déficit glicêmico. 

O tratamento inicial de emergência da hipoglicemia é feito com a administração EV de 2 a 4 mL/kg de glicose a 10% (200 a 400 mg/kg), seguido de infusão contínua de solução glicosada com TIG de 5 a 8 mg/kg/minuto (80 a 100 mL/kg/dia). O monitoramento frequente da glicemia é extremamente importante para ajuste da TIG, que deve permitir glicemias estáveis e em níveis normais para a idade. TIG acima de 15 a 20 mg/kg/minuto podem ser necessários nos casos de hiperinsulinismo. Concentrações de glicose acima de 15 a 20% requerem um acesso venoso central. 

Em situações em que o acesso EV não está disponível, na urgência, o resgate glicêmico com glucagon administrado por via intramuscular ou subcutânea (0,03 mg/kg/dose) eleva a glicose plasmática, em poucos minutos pela indução da glicogenólise, gliconeogênese e lipólise Enquanto o glucagon atua, deve-se providenciar acesso venoso. 

O quadro 2 resume a avaliação e o tratamento em emergência.  

Tratamento contínuo e monitoramento
 

Após a estabilização, o monitoramento contínuo dos níveis glicêmicos é essencial. A velocidade de infusão de glicose pode ser aumentada em casos de resposta inadequada. A glicose plasmática deve ser monitorada a cada 30-60 minutos inicialmente, e após a estabilização, a cada 4-6 horas. 

Em casos de hipoglicemia persistente ou refratária, é necessário investigar possíveis causas subjacentes, como hiperinsulinismo congênito ou distúrbios metabólicos. Terapias adicionais podem incluir diazóxido para suprimir a secreção excessiva de insulina, ou a consideração de corticosteroides e glucagon em casos específicos. 

Prevenção e monitoramento a longo prazo
 

Estratégias de prevenção em populações de risco
 

A prevenção da hipoglicemia neonatal depende do reconhecimento precoce dos fatores de risco. O aleitamento precoce e frequente, idealmente dentro da primeira hora de vida, é a melhor estratégia para estabilizar os níveis de glicose. Em casos de bebês que não conseguem se alimentar adequadamente, a oferta de colostro ou fórmula pode ser considerada. 

Para neonatos de risco, como filhos de mães diabéticas, recomenda-se monitorar a glicemia capilar nas primeiras 2-3 horas de vida e posteriormente, de acordo com as diretrizes, até que se obtenham valores normais consistentes. 

Recém-nascidos PIG e pré-termos tardios devem ser alimentados a cada 2 ou 3 horas e deveriam ser rastreados antes de cada mamada nas primeiras 24 horas. Após 24 horas só necessitaria continuar o screening aqueles que mantivessem uma glicemia inferior a 50mg/dL. As medidas de glicemia devem continuar por 12 horas de vida nos recém-nascidos de mãe diabética e naqueles grandes para a idade gestacional (GIG). Os recém-nascidos pré-termo tardios (PT TARDIO) e os pequenos para a idade gestacional (PIG) necessitam monitorização da glicemia até 24 horas pós nascimento. A alta destes recém-nascidos só deve ocorrer após estabilização da glicemia.

Quando não for possível manter a glicemia maior que 45mg/dL após 24 horas usando infusão de glicose endovenosa considere a possibilidade do diagnóstico de Hipoglicemia Hiperinsulinêmica, a qual é a causa mais comum de hipoglicemia severa e persistente no período neonatal.  

Monitoramento contínuo e cuidados de seguimento
 

O seguimento adequado inclui a monitorização regular da glicemia e o acompanhamento do desenvolvimento neuropsicomotor. Em neonatos que tiveram episódios prolongados ou graves de hipoglicemia, recomenda-se o seguimento neurológico, com a realização de exames, como ressonância magnética, se necessário, para descartar lesões cerebrais. 

Para bebês que apresentaram hipoglicemia persistente ou refratária, o acompanhamento com endocrinologistas pediátricos é fundamental para a investigação de causas subjacentes e para ajustar o tratamento de longo prazo, se necessário. 

Conclusão
 

A hipoglicemia neonatal é uma complicação metabólica que requer identificação e manejo rápidos para evitar complicações graves, como danos neurológicos. A avaliação cuidadosa dos fatores de risco e dos sintomas clínicos, aliada ao tratamento precoce e monitoramento contínuo, pode garantir um prognóstico favorável.  

A prevenção é possível com o manejo apropriado em populações de risco, e o seguimento contínuo é essencial para assegurar o desenvolvimento adequado do recém-nascido. 

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