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Artrite idiopática juvenil: etiologia, diagnóstico e tratamento

A Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) é uma doença crônica caracterizada por inflamação persistente das articulações. É a doença reumática crônica mais comum em crianças. Não existem estudos  epidemiológicos no Brasil, mas estima-se que seja tão frequente como na Europa e Estados Unidos, onde os dados mostram uma incidência entre 2 a 20/100.000 casos/ano e prevalência em torno de 16 a 150/100.000.

Em análise global de todos os subtipos, o gênero feminino se mostrou mais acometido que o masculino, mas ao analisar os subtipos não houve diferença de acometimento por gênero na artrite sistêmica. Na artrite relacionada à entesite, o sexo masculino predominou.

Etiologia 

Estudos sobre gêmeos e famílias sugerem um substancial papel dos fatores genéticos no desenvolvimento da doença.

A AIJ apresenta uma característica genética complexa na qual múltiplos genes podem afetar a susceptibilidade. Possíveis gatilhos não genéticos incluem infecções virais e bacterianas, respostas imunológicas aumentadas a infecções bacterianas ou micobacterianas, proteínas de choque térmico, níveis anormais de hormônios reprodutivos e trauma articular. 

Fisiopatologia 

A AIJ é uma doença autoimune associada a alterações tanto humorais quanto de imunidade mediada por células. Os linfócitos T têm um papel central, liberando citocinas pró-inflamatórias que favorecem a resposta do tipo 1, ligada ao  linfócito T auxiliar. Ocorre também ativação de células B, formação de complexos imunes e ativação do complemento que favorecem a inflamação. A herança de alelos específicos para produção de citocinas pode predispor à regulação positiva de redes inflamatórias, resultando em doença sistêmica ou doença articular mais grave.  

Todas essas anormalidades imunológicas causam sinovite inflamatória, caracterizada patologicamente por hipertrofia e hiperplasia das vilosidades com hiperemia e edema do tecido sinovial. Hiperplasia vascular endotelial é proeminente e é caracterizada por infiltração de células mononucleares  e plasmócitos com predominância de linfócitos T Doença avançada e não controlada leva à formação de pannus e erosão progressiva da cartilagem articular e osso contíguo.  

Diagnóstico 

A artrite é definida por inchaço intra-articular ou pela presença de ≥2  dos seguintes sinais:

  • limitação na amplitude de movimento (ADM),
  • sensibilidade ou dor ao movimento e calor.

Os sintomas iniciais podem ser sutis ou agudos e, muitas vezes, incluem rigidez matinal com claudicação ou gelificação após inatividade. Fatigabilidade fácil e má qualidade do sono podem estar presentes. As articulações envolvidas costumam estar inchadas, quentes ao toque e desconfortáveis ​​ao movimento ou palpação com arco de movimento reduzido, mas geralmente não são eritematosas.

A duração da artrite, superior a seis semanas, permite defini-la como artrite crônica, como é o caso da AIJ, separando-a de artrites agudas (menos de seis semanas de duração), como geralmente é observado nas artrites associadas a infecções. 

Os pacientes com artrite crônica devem ser referenciados a um reumatologista que fará o diagnóstico diferencial entre AIJ e outras doenças que cursam com sintomas articulares, tais  como as doenças difusas do tecido conjuntivo, dores de origem mecânica, infecciosa, neoplásica e síndromes de amplificação dolorosa.

É importante estabelecer precocemente o diagnóstico, pois o tratamento adequado melhora o prognóstico e diminui as chances de dano articular e prejuízo da função. 

O exame musculoesquelético permite detectar a presença de artrite ativa, artrite inativa, mas com limitação de movimento, representando sequela articular e artrite inativa e sem sequelas.

As manifestações extra articulares dependem do subtipo de AIJ e incluem principalmente:

  • psoríase;
  • uveíte anterior;
  • febre;
  • erupção cutânea;
  • serosite;
  • esplenomegalia;
  • e linfadenopatia generalizada.  

Subtipos

A classificação dos subtipos vai depender da quantidade de articulações envolvidas, da presença de outros sinais clínicos e da alteração de alguns exames laboratoriais.  

1 - AIJ sistêmica 

O subtipo de início sistêmico é o mais grave e possui características que lembram as doenças auto-inflamatórias, com grande participação do sistema de imunidade inata. No início da doença, predomina a febre e outras manifestações sistêmicas e, em cerca de 10% dos pacientes, a artrite terá início tardio, surgindo após algumas semanas ou meses das manifestações sistêmicas.

Este subtipo apresenta maiores possibilidades de complicações fatais, como a síndrome de ativação macrofágica (SAM), que ocorre em 10% destes pacientes.

O tratamento é diferente e deve ser instituído rapidamente.

Clinicamente se caracteriza por febre geralmente persistente, organomegalia, disfunção do sistema nervoso central, sintomas hemorrágicos e, laboratorialmente, por queda da velocidade de hemossedimentação, citopenia, hipofibrinogenemia e aumento da ferritina, enzimas hepáticas, desidrogenase lática, D-dímeros, triglicerídeos, prolongamento do tempo de protrombina e do tempo parcial da tromboplastina. Observa-se aumento de citocinas pró-inflamatórias como IL-6 e TNF.

A SAM é uma complicação que evolui rapidamente, e o paciente pode não apresentar os critérios diagnósticos no início. É importante que o paciente seja acompanhado com exames frequentes para que o tratamento correto seja realizado a tempo, pois trata-se de uma complicação grave que pode ser fatal em 6-8% dos casos.  

2- AIJ oligoarticular 

A AIJ oligoarticular se caracteriza pela presença de artrite em até quatro articulações, nos  primeiros seis meses de doença. Se após este período o número de articulações acometidas  ultrapassar cinco, será denominada como AIJ oligoarticular estendida; se permanecer com menos de cinco articulações, será denominada de AIJ oligoarticular persistente.

A AIJ oligoarticular é o subtipo mais comum e benigno, compreendendo 50% dos casos de AIJ, tendo predomínio em crianças pré-escolares e no gênero feminino 

A principal complicação extra articular deste subtipo de AIJ é a Uveíte Anterior Crônica (UAC), uma condição assintomática, que pode levar à cegueira se não diagnosticada e tratada  adequadamente.  

3 - AIJ poliarticular com fator reumatoide positivo 

A AIJ poliarticular é definida pela presença de artrite em cinco ou mais articulações, nos primeiros seis meses da doença. Os casos que cursam com AIJ poliarticular e fator reumatoide  (FR) positivo têm as mesmas características clínicas, laboratoriais e associações genéticas da  artrite reumatoide de adultos. Para classificação desse subtipo de AIJ se faz necessário que o fator reumatoide tenha resultado positivo em duas análises, com intervalo mínimo de três meses  

4- AIJ poliarticular com fator reumatoide negativo 

A AIJ poliarticular com FR negativo acomete cinco ou mais articulações e pode evoluir como uma forma exacerbada e mais grave da AIJ oligoarticular, inclusive com risco de UAC.  

5- Artrite relacionada a entesite 

A artrite relacionada a entesite é o subtipo que tem forte associação com o antígeno HLA B27 e pode evoluir como uma espondiloartrite. O diagnóstico é feito na presença de artrite associada a entesite ou, na falta de um deles, seria necessário detectar mais dois dos seguintes  critérios: 

  • HLA B27 positivo; 
  • Dor lombo-sacra inflamatória ou dor à digitopressão de sacroilíacas; 
  • Início da artrite no gênero masculino; 
  • Pacientes com mais de seis anos; 
  • Uveíte anterior aguda; 
  • Parente de primeiro grau com doença associada ao HLA-B27 tais como: espondilite anquilosante, artrite relacionada a entesite, doença intestinal inflamatória com sacroiliíte, artrite reativa, uveíte anterior aguda. 

 6-Artrite Psoriásica 

A artrite psoriásica é rara e pode ser diagnosticada na presença de artrite e psoríase, mas também na ausência de psoríase, se o paciente tiver além da artrite, duas das três outras características que costumam estar presentes na artrite psoriásica: dactilite, alterações ungueais típicas da psoríase e um parente de primeiro grau com psoríase.  

7 -Artrite Indiferenciada 

O termo “artrite indiferenciada” é reservado para os pacientes com quadros incompletos que não preenchem os critérios de inclusão para nenhum dos seis subtipos descritos acima, assim como para aqueles que apresentam características de mais de um dos subtipos. 

Exames complementares 

Os exames laboratoriais para o diagnóstico de AIJ incluem basicamente o hemograma e testes que avaliam a presença de inflamação, como a determinação da velocidade de hemossedimentação (VHS) e a dosagem de proteína C reativa (PCR).  Os testes imunológicos como a determinação de fator reumatoide (FR) e a detecção do HLA B27 ajudam na separação de subtipos de AIJ e na identificação de fator antinuclear (FAN), na avaliação do risco de uveíte.

Outros exames serão necessários para seguimento clínico e acompanhamento laboratorial após início do tratamento.  Os exames de imagem podem confirmar a presença de artrite, mas geralmente não são necessários. 

Tratamento 

Não-farmacológico  

A criança deve frequentar a escola regularmente e praticar esportes com frequência. Além disso, é importante orientá-la sobre a manutenção de uma dieta saudável para prevenir a obesidade induzida por glicocorticoides e a inatividade, bem como a osteoporose. Portanto, também é fundamental instruí-la sobre a necessidade diária de cálcio e vitamina D.

Fisioterapia e terapia ocupacional podem ser necessárias durante alguma fase do tratamento. O atendimento odontológico também pode ser necessário, principalmente nos casos de envolvimento das articulações temporomandibulares. Atualmente, com as novas modalidades de tratamento, raramente serão necessárias cirurgias ortopédicas.  

Farmacológico 

Os objetivos do tratamento são: alcançar a remissão da doença, prevenir ou interromper danos nas articulações e promover o crescimento e desenvolvimento normais. Todas as crianças com AIJ precisam de planos de tratamento individualizados, e o manejo é adaptado de acordo com o subtipo e gravidade da doença, presença de mau prognóstico e indicadores e resposta aos medicamentos. O manejo também requer monitoramento de potenciais toxicidades dos medicamentos, e essa discussão deve ser feita com a família.  

Os medicamentos são selecionados de acordo com o subtipo de AIJ. 

Cada tipo de artrite tem um fluxograma sugerido de tratamento que será melhor conduzido por um reumatologista.  

  • AINE:
    os AINE não modificam o curso da doença e são usados como medicação sintomática. Os AINE aprovados e mais comumente usados em pediatria são o naproxeno e o ibuprofeno. No SUS, apenas o ibuprofeno é disponível em formulação líquida, sendo indicado para crianças de baixa idade. É opcional a associação de inibidor de bomba de prótons como o omeprazol para  reduzir efeitos adversos gástricos. Não se recomenda usar AINE como monoterapia por mais de 2 meses. 
  • Glicocorticóides:
    a administração de glicocorticoide por via sistêmica, em altas doses, sob a forma de pulsoterapia endovenosa ou oral, deve ser reservada apenas para o manejo das manifestações extra articulares da artrite sistêmica (febre alta que não responde aos AINE, anemia grave, miocardite ou pericardite) e complicações como a Síndrome de Ativação Macrofágica (SAM). Apesar do rápido efeito anti-inflamatório e imunossupressor, glicocorticoides não devem ser mantidos por longos períodos devido aos graves efeitos adversos. Os glicocorticóides também podem ser utilizados para reduzir sintomas com infiltração local.   
  • Medicamentos modificadores do curso da doença (MMCD): 
    antes do início do uso dos imunomoduladores, deve-se excluir infecções graves como hepatites, HIV e tuberculose (ativa e latente), com o objetivo de adequado planejamento terapêutico e tratamento desses agravos, caso possível, antes  de iniciar o mesmo. A cobertura vacinal deve ser atualizada, antes do início do tratamento, para crianças e adultos. Podem ser utilizados MMCD de origem sintética (MMCDs) ou biológica (MMCDb), em geral, inicia-se com um MMCDs e, em casos de falha terapêutica ou resposta incompleta, recomenda-se o uso de MMCDb. Duas exceções são a AIJ sistêmica com manifestações sistêmicas ativas e a artrite relacionada a entesite com sacroiliíte, nas quais os biológicos poderão ser prescritos antes dos sintéticos, respeitando as faixas etárias indicadas na informação técnica do medicamento.   

Conclusão

A AIJ é uma síndrome com diversos subtipos. Após o diagnóstico sindrômico, é crucial que o paciente seja acompanhado por um médico reumatologista. Esse especialista poderá conduzir o caso de forma adequada, ajustando as medicações conforme o tipo de artrite e monitorando atentamente os possíveis eventos adversos.

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