Insuficiência cardíaca: estratégias de reabilitação cardiopulmonar
A insuficiência cardíaca (IC) é uma condição crônica e progressiva onde o músculo cardíaco é incapaz de bombear sangue adequadamente para suprir as necessidades do corpo. A IC tem uma prevalência significativa na população afetando cerca de 26 milhões.
Nos países desenvolvidos, sua incidência aumenta com a idade, sendo mais comum em idosos, e está associada a altas taxas de hospitalização e mortalidade. A fisiopatologia da IC envolve uma complexa interação entre fatores hemodinâmicos, neuro-hormonais e celulares.
Inicialmente, o coração tenta compensar a insuficiência com a ativação mecanismos como a hipertrofia ventricular e a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona. No entanto, essas adaptações acabam por deteriorar ainda mais a função cardíaca, levando a sintomas como dispneia, fadiga, edema pulmonar e intolerância ao esforço.
O impacto da IC na vida dos pacientes é significativo, afetando tanto a qualidade de vida quanto a funcionalidade. A limitação física imposta pela doença resulta em uma redução drástica da capacidade de realizar atividades diárias, muitas vezes desencadeando sintomas depressivos e de ansiedade.
Além disso, a necessidade de múltiplas hospitalizações e cuidados contínuos impõe um peso financeiro significativo sobre os pacientes e seus familiares. Assim, a IC é uma condição que demanda uma abordagem multidisciplinar para manejo e suporte, visando melhorar os desfechos clínicos e a qualidade de vida dos pacientes.
As evidências sobre os benefícios do exercício físico para a preservação e restauração de uma boa saúde são fundamentadas em meta-análises de estudos clínicos randomizados, em que foram demonstradas reduções significativas na morbimortalidade cardiovascular global e nas taxas de hospitalização.
Abordagem da reabilitação cardiopulmonar
Inicialmente, o paciente com IC deverá ser avaliado corretamente considerando:
- história clínica (sintomas atuais, história de doença cardíaca prévia, fatores de risco cardiovascular, histórico familiar, etc);
- exame físico (sinais vitais, presença de edemas, estertores pulmonares, hepatomegalia, etc);
- exames laboratoriais (hemograma, eletrólitos, função renal, função hepática, glicemia, marcadores cardíacos - como troponina, etc)
- eletrocardiograma (presença de arritmias, sinais de isquemia, sobrecarga ventricular), ausculta cardíaca;
- ecocardiograma (avaliação da estrutura e função cardíaca, fração de ejeção, avaliar a presença de disfunção diastólica);
- e, conforme a necessidade, outros exames complementares.
A estratificação de risco do paciente e a avaliação da capacidade funcional (normalmente avaliada através do teste de caminhada de seis minutos) e o impacto da doença na qualidade de vida deverão compor a avaliação inicial do paciente com IC. Ainda, é importante avaliar a gravidade da IC através da sintomatologia segundo a
New York Heart Association
(NYHA) que classifica em 4 classes:
- I) assintomático nas atividades habituais;
- 2) assintomático em repouso, sintomas desencadeados por esforços habituais;
- 3) assintomático em repouso, sintomas presentes em esforços menores que os usuais
- e; 4) sintomas (fadiga, palpitações e dispneia) em repouso ou aos mínimos esforços.
Além disso, é importante observar outros sinais e sintomas clássicos de descompensação, como: edema periférico e pulmonar, estase jugular, ascite, intolerância ao esforço, além das medicações em uso. Também é necessário realizar a ausculta pulmonar para investigar as alterações relacionadas a congestão pulmonar.
Para melhor prescrição do treinamento, poderá ser feito teste de força muscular com dinamometria, teste de caminhada de seis minutos e avaliação das pressões respiratórias máximas. Para a avaliação da qualidade de vida sugere-se o
Questionário de
Minnesota
.
Diante disso, os objetivos terapêuticos são reduzir a presença de sinais e sintomas diante da condição do paciente e melhorar a qualidade de vida e tolerância ao esforço.
Estratégias de exercícios na reabilitação cardiopulmonar
A IC com fração de ejeção reduzida é uma síndrome multissistêmica complexa caracterizada por disfunção cardíaca que prejudica o débito cardíaco, levando à perfusão tecidual inadequada e que pode desencadear mecanismos fisiopatológicos centrais e periféricos.
Essas alterações podem incluir disfunções vasculares, disfunções da musculatura esquelética, comprometimento da capacidade metabólica e intolerância ao esforço, catabolismo proteico e perda da força e capacidade funcional. Esses fatores levam a um pior prognóstico.
Diversas modalidades terapêuticas podem contribuir na melhora da percepção de saúde, qualidade de vida e tolerância ao esforço nessa população de pacientes. O treinamento aeróbico tem efeitos benéficos em pacientes com IC como medida não-farmacológica na melhora dos mecanismos fisiopatológicos, clínicos e no prognóstico desses pacientes. Este tipo de exercício simula atividades cotidianas e contribui na percepção de saúde.
O exercício aeróbio pode ser realizado em diferentes intensidades (alta intensidade: 75-85% da frequência cardíaca de reserva - FCR, intensidade moderada: 65-75% da FCR e baixa intensidade: 55-65% da FCR). Recentemente, pacientes com IC com fração de ejeção reduzida submetidos a 12 semanas (3x/semana) de treinamento aeróbico de alta intensidade em cicloergômetro (cada sessão com duração aproximada de 45-50min) apresentaram melhora em parâmetros ecocardiográficos, nos níveis de peptídeo natriurético tipo B (NT-pro BNP), qualidade de vida e capacidade funcional.
O comprometimento musculoesquelético de pacientes com IC e fração de ejeção reduzida acarreta alterações na musculatura diafragmática levando a fraqueza muscular ventilatória. Nesses casos, o treinamento muscular inspiratório (TMI) surge como alternativa terapêutica com efeitos promissores nessa população. Há a necessidade de se melhor definir os protocolos para o TMI.
Em pacientes submetidos ao TMI com intensidade de até 70% da pressão inspiratória máxima (PImax) por 8 semanas (3x/semana), com um volume de treino de aproximadamente 21 min (7 séries: 2 min de treino + 1 min de descanso), foram observados efeitos positivos. Esses pacientes foram comparados a pacientes que treinaram sem carga. Os efeitos positivos incluíram melhorias no controle autonômico cardiovascular, rigidez arterial, força muscular inspiratória e do quadríceps, resistência muscular respiratória, espessura do diafragma, capacidade funcional, fragilidade, dispneia, fadiga e na qualidade de vida dos pacientes que realizaram o TMI de alta intensidade.
Em pacientes com IC em uso de marcapasso, um grupo treinou com 30% e outro grupo com 50% de intensidade a partir da PImax (7 dias/semana por 8 semanas). Foi demonstrado que as duas intensidades de treinamento foram capazes de melhorar de forma semelhante a força muscular inspiratória, força muscular periférica, capacidade de exercício, qualidade de vida, sensação de dispneia e fadiga. Ambas as intensidades mostraram-se seguras e eficazes.
Outra forma de exercício que pode ser usada é o treinamento combinado (força muscular + aeróbio). Um recente estudo demonstrou o efeito de um protocolo de treinamento combinado em comparação com o treinamento aeróbio em um grupo controle. Esse estudo foi realizado em um grupo de 75 pacientes com IC após intervenção coronariana percutânea (ICP).
O estudo demonstrou que as duas modalidades de treinamento apresentaram efeitos positivos na capacidade funcional e nos níveis de NT-pro BNP demonstrando ser seguro e eficaz em pacientes com IC pós ICP. Em pacientes com IC grave e séria limitação funcional, a estimulação elétrica de baixa frequência (uma modalidade de estimulação elétrica neuromuscular - EENM), surge como um método adjuvante ao exercício e um método preliminar alternativo para esses pacientes com dificuldade de adesão a um programa regular de exercícios.
A despolarização axonal de motoneurônios promove a contração involuntária das fibras musculares, e recente meta-análise sobre EENM em pacientes com IC demonstrou melhorias no consumo máximo de oxigênio, capacidade funcional, força muscular, função vascular e mediadores inflamatórios.
Como medida alternativa, alguns pacientes se beneficiam do uso de ventilação não invasiva em associação ao protocolo de treinamento convencional. Isso é válido tanto para pacientes com IC quanto para aqueles com disfunção pulmonar. Essa abordagem resulta em redução do esforço ventilatório e aumento da perfusão periférica.
Leia mais:Reabilitação cardiopulmonar: papel do fisioterapeuta, benefícios e protocolos de tratamento
Monitoramento e ajuste do programa
O monitoramento do paciente durante a sessão de reabilitação preconiza os sinais vitais e sintomas do paciente. Para maior segurança e controle da atividade física nos pacientes com IC agudizados, controles hemodinâmicos devem ser realizados rigorosamente, como da frequência cardíaca, pressão arterial, saturação de oxigênio, a escala de percepção de esforço de Borg e a ausculta pulmonar.
Sempre devem ser observados, questionados e adotados como critérios de interrupção da sessão:
- queda da pressão arterial;
- arritmias;
- queda da saturação de oxigênio;
- sinais e sintomas de pré-síncope;
- entre outros.
Alguns pacientes podem se beneficiar da utilização de oxigênio suplementar. Outra possibilidade abordada na atualização de 2021 sobre Tópicos Emergentes da Diretriz Brasileira de IC é para o uso de
Wearables
como ferramentas auxiliares no manejo diagnóstico, terapêutico e de reabilitação em pacientes com insuficiência cardíaca crônica ou aguda. Diversos estudos observacionais mostram o benefício do uso desses dispositivos nesse tipo de paciente.
O fisioterapeuta deve estar atento aos sinais e sintomas do paciente, além de educá-lo para identificar e monitorar esses sintomas, facilitando o retorno às atividades cotidianas.
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