Leucostase: epidemiologia, quadro clínico e tratamento
Definições
Leucostase ocorre na totalidade das vezes em pacientes com hiperleucocitose por neoplasias hematológicas. A definição dessas duas situações é fundamental para compreendermos esse assunto.
Hiperleucocitose
é definida pela presença de mais de 100 mil leucócitos/mm3. Trata-se de um ponto de corte arbitrário, mas útil para regras gerais. Ainda assim, como veremos a seguir, as consequencias deste aumento expressivo de glóbulos brancos depende da natureza da neoplasia hematológica associada. Apenas a título de exemplificação, pacientes com leucemias mielóide agudas já pondem ter sintomas graves com 50 mil leucócitos/mm3, enquanto nas leucemias linfocíticas crônicas podemos ter pacientes com 500 mil leucócitos/mm3 assintomáticos.
Já a
leucostase
é definida pela evidência morfológica intravascular de acúmulo de blastos a maior parte ou a totalidade da luz do vaso, com ou sem a presença de fibrina. Essa definição histológica é pouco útil na clínica e, portanto, costuma-se usar uma definição diagnóstica operacional, que é
a presença de sintomas neurológicos ou respiratórios compatíveis em um paciente com hiperleucocitose
por neoplasia hematológica.
Epidemiologia e aspectos fisiopatológicos
A hiperleucocitose tem uma prevalência que vai de 5-30% das leucemias, sendo mais frequente das leucemias leucotíticas agudas. Ela está associada com outras complicações além da leucostase, como coagulação intravascular disseminada e lise tumoral espontânea. Também há implicação prognóstica na hiperleucocitose: tanto nas leucemias agudas (mielocíticas ou linfocíticas), pior é o prognóstico quanto maior for a contagem de leucócitos. Uma discussão interessante e ainda em aberto é se este pior prognóstico indica apenas uma maior carga tumoral ou se tratam-se de processos patológicos diferentes.
Como já vimos, a leucostase é, de certa forma, consequência da hiperleucocitose. O efeito patofisiológico básico nos tecidos é obstrução vascular levando a hipoxemia. Entretanto, é interessante observar que não é apenas a contagem de células o determinante para seu aparecimento. Ela depende também de aspectos morfofuncionais da células.
Além do número de células, a sua capacidade de se deformar, seu tamanho e a interação com o endotélio são determinantes para o surgimento de sintomas. Ou seja, ela é mais comum nas leucemias agudas mielocíticas (que tem células maiores) e com menores contagens celulares (por volta de 100 mil células/mm3) quando comparado com as leucemias linfocíticas agudas(por volta de 400 mil células/mm3). Neste aspecto, células mais indiferenciadas das leucemias agudas também aumentam o risco quando comparado com as leucemias crônicas.
Quadro clínico
A leucostase pode afetas diversos órgãos e sistemas, mas os mais comumente envolvidos são
sistema nervoso central e pulmão
. Sintomas de confusão, delirium e alterações no nível de consciência, tontura, zumbido, cefaleia, visão turva e sintomas motores todos podem indicar leucostase.
No exame físico, déficits motores podem ser encontrados, assim como hemorragia retiniana. Nos exames de imagem, pode haver sangramentos intracranianos. Já os sintomas pulmonares são dispneia, taquipneia e esforço ventilatório, hipoxemia acompanhados ou não de crepitantes no exame físico. Na radiografia ou na tomografia de tórax se identifica infiltrado intersticial ou alveolar bilateral. Na avaliação dos sintomas ventilatórios, deve-se estar atento a hipoxemia espúria que pode surgir na coleta de gasometria, uma vez que se a amostra não for processada imediatamente (ou armazenada sob refrigeração), os leucócitos da amostra tendem a consumir o oxigênio rapidamente dentro do frasco de coleta.
De forma semelhante, as plaquetas devem ser contadas manualmente, uma vez que os citômetros de fluxo tendem a hiperestimar sua contagem nestas situações em função do tamanho dos leucócitos.
Existe uma proposta de gradação do quadro clínico laboratorial para predição da probabilidade de leucostase em pacientes com hiperleucocitose que está apresentado na
Tabela 1
. Além disso, pacientes com alta probabilidade têm também maior risco de morte imediata.
Tabela 1.
Probabilidade de leucostase de acordo com sintomas. Adaptado da referência 2.
Por fim, outras manifestações possíveis são isquemia de membros periféricos, trombose em sítios atípicos (renal), trombose venosa porfunda,
apendicite aguda
, dano renal agudo e mesmo priapismo (mais comum em crianças), entre outras. Em suma, como já vimos na definição do quadro,
deve-se estar bastante atento a esses sintomas em pacientes com hiperleucocitose
e, no surgimento dos mesmos, iniciar tratamento rapidamente.
Tratamento
O tratamento da hiperleucocitose envolve hidratação, minimização do risco de lise tumoral com uso de alopurinol e início do tratamento de indução. Apesar disso, deve-se monitorar de forma atenta o quadro clínico e laboratorial, pois lise tumoral e coagulação intravascular disseminada tendem a piorar ou serem desencadeadas com a quimioterapia.
Pacientes com subtipo de leucemia definido e com tratamento estabelecido devem inciar a indução; em casos ainda indiferenciados, hidroxiureia é a opção. Além disso, alguns autores sugerem que em casos extremos se realize leucoaférese (ver a seguir) de forma preventiva em pacientes de alto risco.
O tratamento da leucostase deve ser considerado uma emergência médica e idealmente o manejo deve ser realizado em contexto de terapia intensiva. Além das medidas para hiperleucocitose, na leucostase a leucoaférese para citorredução é considerada tratamento de primeira linha. Radioterapia no sistema nervoso central para controle dos sintomas e dexametasona são usadas por alguns centros como terapias adicionais.
A leucoaférese é um procedimento de retirada de leucócitos da circulação; em uma comparação grosseira, seria a hemodiálise de leucócitos. Com ela, é possível reduzir rapidamente as contagens celulares e controlar os sintomas. Ela é realizada pela circulação da volemia (usualmente 2 vezes - 10 litros aproximadamente) por um equipamento que retira seletivamente glóbulos brancos; usualmente se retira 600 mL de volume. O melhor parâmetro de avaliação deste procedimento é a melhora sintomática do paciente, mas leucograma pré e pós-procedimento também são úteis.
O alvo laboratorial é reduzir o leucograma para menos de 100 mil células/mm3. Uma sessão reduz em 20-50% a contagem total de leucócitos, e a maioria dos paciente responde com uma sessão, mas até 45% dos pacientes precisam 2 ou 3 sessões. As principais complicações da leucoaférese são perda volêmica e de hemácias ou plaquetas, além do risco inerente a obtenção do acesso venoso central para o procedimento.
Quanto às transfusões, sempre que possível, tende-se a postergá-las para após a aférese, para minimizar o risco de exacerbar o quadro de leucostase. Pelo mesmo motivo, se a situação clínica permitir, deve-se suspender o uso de diuréticos. Pela gravidade e dramaticidade dos quadros, não existem ensaios clínicos randomizados avaliando sua eficácia, mas dados observacionais indicam que ela controla o risco de morte imediato pelo quadro, sem afetar o prognóstico da doença de base.
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