O MAIOR ECOSSISTEMA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE DO BRASIL

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Manejo não-farmacológico do DM tipo 2

O Diabetes Melito tipo 2 (DM2) é uma doença crônica altamente prevalente caracterizada por graus variáveis de resistência e deficiência insulínica, resultando em hiperglicemia e dano macro e microvascular. É causa líder de mortalidade, morbidade e incapacidade.1 

O tratamento deve focar na definição de alvos terapêuticos individualizados e na busca pelo melhor controle de doença possível, considerando os riscos e benefícios de cada modalidade de tratamento, processo a ser conduzido com empatia e respeito às demandas do paciente. 

O manejo não-farmacológico - centrado essencialmente em perda de peso, alimentação e prática de atividade física - é frequentemente a primeira etapa do tratamento dos pacientes diabéticos e deve acompanhá-los durante todo o curso de doença, com acompanhamento realizado pelo médico de família.   

1- Definição do alvo terapêutico individualizado 

Ainda que a hemoglobina glicada (HbA1c) tenha valores bem definidos para o diagnóstico de DM2, o valor a ser atingido como expressão de adequação do tratamento e de bom controle de doença é variável de acordo com as características de cada paciente. 

Em linhas gerais:  

Pacientes
mais jovens e / ou com maior expectativa de vida
exigem um controle
mais rigoroso
de doença, com
alvos de HbA1c mais baixos, entre 6,5 e 7%
  

Pacientes
idosos e / ou com menor expectativa de vida
necessitam de um controle
menos rigoroso
da doença, com
alvos de HbA1c mais altos, entre 7 e 8%
 

2- Tratamento não-farmacológico como estratégia isolada  

Pacientes com diagnóstico recente de diabetes e hemoglobina glicada próximo ao alvo, são candidatos à revisão e instituição de medidas de tratamento não-farmacológico como tratamento inicial, em especial pacientes altamente motivados e com fatores claros e modificáveis para hiperglicemia, como alto consumo de açúcar livre, por exemplo.

As medidas devem ser instituídas por 3 a 6 meses, com posterior reavaliação da adesão e dos resultados para rediscussão do tratamento, se necessário.

As principais medidas não-farmacológicas incluem educação do paciente, perda de peso, orientações de dieta e atividade física e cessação do tabagismo. O acompanhamento das medidas instituídas pode ser feito individualmente ou em grupo e de forma presencial ou por telemedicina.

Ver estratégias para aumentar a adesão do paciente às medidas não-farmacológicas, abaixo. 

3 - Modalidades de tratamento não-farmacológico - educação do paciente, perda de peso, dieta e atividade física 

Educação do paciente
 

Pacientes com diabetes devem ser orientados a cada consulta sobre o status de doença crônica, com necessidade de cuidados, realização de exercícios e, por vezes, uso de medicações a longo prazo.  

No caso do diabetes, as orientações sobre a observação dos alimentos e o julgamento para realização de escolhas, os cuidados com os pés, a adesão ao tratamento farmacológico e outros componentes de autocuidado são fundamentais para o bom controle da doença e a prevenção de complicações a médio e longo prazo.  

Perda de peso

Dar ênfase para perda de peso em pacientes diabéticos com sobrepeso (IMC entre 25 e 29,9 kg/m²) ou obesidade (IMC ≥30 kg/m²). A perda de peso (e consequente melhora no controle glicêmico) está associada à correção parcial das duas principais alterações metabólicas do diabetes tipo 2: resistência à insulina e redução na secreção de insulina.   

Para a maioria dos pacientes diabéticos, as recomendações comportamentais, de dieta e atividade física devem ter como objetivo mínimo a perda de 5% do peso corporal (e sua manutenção), com melhora do controle do diabetes e do risco cardiovascular.   

Reduções de peso podem ajudar no controle da esteatohepatite não-alcoólica (NASH), apneia do sono e de outras comorbidades do diabetes. Para pacientes com dificuldade de perda de peso, estimular a manutenção (evitando o ganho de peso).    

Dieta

A alimentação é um dos alicerces do tratamento não-farmacológico de pacientes diabéticos. Os objetivos da orientação nutricional incluem: 

  • Promover padrões saudáveis de alimentação, enfatizando o consumo de alimentos ricos em nutrientes 
  • Incentivar modificações alimentares sustentáveis a longo prazo, aumentando a adesão 
  • Alcançar e manter o objetivo de peso corporal, de acordo com parâmetros individualizados de controle glicêmico, lipídico e de pressão arterial 
  • Retardar ou prevenir complicações associadas à diabetes 
  • Recomendar orientações alimentares de acordo com preferências pessoais e culturais, acesso à alimentação saudável (em geral de maior custo financeiro), nível de educação em saúde, disposição e barreiras para alterações comportamentais 
  • Manter o prazer da alimentação, com reforço positivo em boas escolhas alimentares e orientando apenas restrições necessárias e acordadas 
  • Foco em promover a autonomia do paciente na avaliação de suas escolhas alimentares 

Sempre que possível, o paciente deve ser acompanhado por nutricionista para orientações alimentares individualizadas e acompanhamento do tratamento com manutenção dos benefícios a longo prazo.  

Recomendações alimentares a serem fornecidas na consulta médica são: 

  • Estimular o consumo de: 
    • Alimentos ricos em fibras (> 14 gramas de fibras por 1000 kcal) e minimamente processados, como vegetais sem amido. Exemplos: cenoura, beterraba, vegetais verdes folhosos, crucíferos (brócolis, repolho e agrião), cebola, alho, alho poró, frutas, grãos integrais e laticínios 
    • Alimentos da dieta mediterrânea, incluindo legumes e frutas frescas, gorduras saudáveis, especialmente azeite de oliva e azeitonas, nozes, amêndoas e sementes como de girassol e de abóbora, ervas e especiarias como orégano, alecrim, hortelã e canela, frutos do mar, cereais integrais 
    • Alimentos ricos em ômega-3, como peixes, nozes, castanhas 
  • Substituir o consumo de bebidas com adição de açúcar (sucos, refrigerantes) por água, retirar a adição de açúcar em bebidas como chá e café e minimizar o consumo de alimentos contendo sacarose 
  • Orientar moderação no consumo de álcool (≤ 1 dose ao dia para mulheres e ≤ 2 doses ao dia para homens); 
  • Limitar a ingesta diária de sódio 

 Entre os diferentes padrões alimentares (dietas) já estudados, os componentes-chave para os pacientes diabéticos são: 

  • Consumo de vegetais sem amido 
  • Mínima adição de açúcares e de grãos refinados 
  • Escolha de alimentos ‘in natura’ no lugar de alimentos ultraprocessados  

As principais dietas com evidências para pacientes diabéticos são: 

  • Dieta Dash 
    • Enfatiza o consumo de frutas, legumes, laticínios com baixo teor de gordura, grãos integrais, aves, peixes e nozes 
    • Redução de gordura saturada, carne vermelha, doces, sódio e bebidas contendo açúcar 
  • Dieta mediterrânea 
    • Alimentos naturais abundantes, incluindo frutas, legumes, grãos integrais, feijão, nozes e sementes, peixes e outros frutos do mar 
    • Azeite como principal fonte de gordura 
    • Produtos lácteos (principalmente queijo e iogurte) e vinho em quantidades baixas a moderadas 
    • Carne vermelha em baixa frequência e quantidade 
  • Dieta rica em fibras 
    • Incentiva consumo de fibras provenientes de frutas, vegetais, legumes, grãos, no volume de 21 a 25 gramas ao dia para mulheres e 30 a 38 gramas ao dia para homens.  
  • Dieta com baixo teor de gordura 
    • Baixo teor de gordura: consumo total de gordura ≤ 30% da ingestão total de energia e consumo de gordura saturada ≤ 10% da ingestão total de energia 
    • Muito baixo teor de gordura: 70%-77% de carboidratos (incluindo 30-60 g de fibra), 10% de gordura e 13%-20% de proteína 
  • Dietas vegetarianas (sem ingestão de carne animal, mantendo ingestão de ovo e derivados do leite) e veganas (sem ingestão de carnes e outros produtos de origem animal) 
  • Dieta pobre em carboidratos 
    • Ingestão de 60-130g de carboidratos ao dia (26 a 45% do total calórico) ou, quando denominada dieta cetogênica, limitando a 20 a 50 gramas de carboidrato por dia (< 26% do total de calorias). 
    • Retirada de alimentos contendo açúcares e grãos incluindo massas, pão e arroz 
    • Alto consumo de alimentos ricos em proteínas e gorduras e vegetais com baixo índice glicêmico como pepino, brócolis, couve-flor e repolho. 
    • A redução global do consumo de carboidratos para diabéticos melhora o controle glicêmico e deve ser aplicada de acordo com as variações individuais.  

O uso de aplicativos, livros de receitas especializadas em pacientes diabéticos, participação de grupos presenciais ou virtuais de pacientes, familiares e cuidadores é importante no seguimento diário das recomendações, podendo fazer parte das orientações do médico de família. 

Exemplo de página na internet é a da
Sociedade Brasileira de Diabetes
, com seção específica de orientações nutricionais para pacientes, incluindo ebooks, notícias, guias de cuidados e um
canal de culinária
para diabéticos. 

Exemplos de aplicativos para acompanhamento alimentar e registro dos testes glicêmicos são:  

Atividade física

A atividade física deve ser recomendada e tem benefício independente da perda de peso: 

  • atua na melhora glicêmica pelo aumento na resposta à insulina 
  • retarda a progressão do estágio de glicemia de jejum alterada (tolerância diminuída à glicose) para diabetes.  

Recomendação: 30 a 60 minutos ao dia de exercício aeróbico (subir e descer escadas, caminhada, corrida, andar de bicicleta, dançar, pular corda..) de moderada intensidade, (mínimo de 150 minutos de atividade física por semana), distribuídos em no mínimo 3 vezes na semana, evitando 2 dias consecutivos sem praticar exercícios.
  

  • Iniciar atividade lentamente com progressão gradual conforme tolerância; 
  • Caminhadas breves após 30 minutos sentado auxiliam no controle glicêmico; 
  • Orientar práticas regulares, preferencialmente no mesmo horário em relação à alimentação e ao uso de insulina 
  • Adicionar treino de resistência (utilizando halteres ou em máquinas específicas), ao menos duas vezes por semana para pacientes sem contraindicações como retinopatia proliferativa moderada a severa (pelo risco de sangramento retiniano) e doença arterial coronariana grave 
  • Para idosos: mesma recomendação em tempo de exercício e intensidade, limitando apenas se comorbidades com contraindicação de atividade física 
    • Adicionar treinamento de flexibilidade e equilíbrio (como yoga e tai chi chuan) 2 a 3 vezes por semana 

Eletrocardiograma em repouso deve ser solicitado para pacientes sedentários com mais de 50 anos que pretendem iniciar atividade moderada a intensa e teste de esforço apenas para pacientes de alto risco para doença coronariana (evidência de aterosclerose carótida ou periférica, doença renal, ECG em repouso alterado). 

Pacientes com neuropatia periférica devem ser orientados a evitar atividades de alto impacto pelo risco de fratura de estresse e de desenvolvimento de úlceras por pressão nos pés.  

Pacientes em uso intensivo de insulina (especialmente diabéticos tipo 1) devem ser orientados a monitorar, principalmente no início, os valores de glicemia capilar antes, durante e depois da atividade, fazendo ajustes conforme necessário, com orientação de ingesta abundante de líquido. A dose da insulina que terá ação estimada durante o exercício deve ser reduzida em até 30%, especialmente para atividades prolongadas (mais de 60 minutos).  

Ingesta inadequada de carboidratos antes, durante e depois do exercício é a causa mais comum de hipoglicemia associada ao exercício em pacientes usando insulina. 

Se HGT < 100 mg/dL, orientar que o paciente se alimente com carboidratos de rápida absorção, 15 a 30 minutos antes do exercício. Atividade vigorosa deve ser evitada se HGT > 250 mg/dL ou sinais de cetose (cefaleia, náusea, fraqueza e halitose).  

Outras intervenções

  • Acompanhamento psicológico:
    pacientes diabéticos frequentemente apresentam problemas de saúde mental relacionados à carga de doença crônica e as responsabilidades de auto-cuidado para otimizar o controle glicêmico. Pacientes com depressão podem ter piora no controle de doença e na adesão às medidas propostas, devendo ser oferecido tratamento psicoterápico ou farmacológico. 
  • Cessação do tabagismo
    : o tabagismo potencializa as complicações microvasculares do diabetes. Além disso, tabagismo e diabetes são fatores de risco para doenças cerebro e cardiovasculares como doença arterial coronariana, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico.   

4 - Estratégias para aumentar a adesão do paciente às medidas não-farmacológicas 

 Apesar dos benefícios da perda de peso, poucos pacientes com Diabetes tipo 2 conseguem alcançar e manter peso corporal necessário para obter o status de eutrofia. Essa dificuldade se dá em parte pela adesão irregular às medidas não-farmacológicas, que em geral envolvem substancial mudança de comportamento.  

A chance de efetivação de uma mudança de comportamento potencialmente danoso à saúde é influenciada por fatores socioeconômicos, comportamentais e culturais, incluindo as expectativas sobre o benefício das mudanças diante do prejuízo da perda de algo em geral prazeroso como a alimentação ou do padrão já conhecido de sedentarismo. 

A maioria das consultas se restringe a
questionar
sobre o comportamento danoso e
aconselhar
a mudança. No entanto,
avaliar
em detalhe os fatores envolvidos na mudança de comportamento,
organizar
junto ao paciente as ações necessárias e
acompanhar
o resultado são ações fundamentais na participação do médico na orientação sobre mudanças comportamentais. 

Na consulta, o médico pode atuar no reconhecimento de fatores psicológicos que impeçam a mudança de comportamento como a depressão, por exemplo, auxiliando o paciente no reconhecimento e na efetivação das medidas necessárias.  

Algumas ferramentas incluem:  

  • Acessar o estágio de mudança do paciente, com abordagem proporcional a cada estágio - por exemplo, pacientes em estágio pré-contemplativo precisarão de abordagem diferente para iniciar a prática de atividade física em relação a pacientes em estágio de ação, por exemplo 
  • Utilizar ferramentas da Entrevista Motivacional - técnica de entrevista utilizada por profissionais para encorajar mudanças de comportamento, na qual é identificada a prontidão para a mudança, com auxílio na identificação e superação dos obstáculos, conduzida pelo paciente, que propõe as etapas e ações do seu próprio tratamento, aprendendo a lidar com as contradições, resistências e recaídas 
  • Selecionar junto ao paciente a modalidade de atividade física a realizar: definir pelo paciente que ele fará caminhadas quando a preferência é por natação, por exemplo, reduz a adesão do paciente às medidas propostas. 
  • Elaborar planejamento conjunto com o paciente, definir metas objetivas, fazer pactuações e registrar em prontuário. Um exemplo de diálogo é: 
    • Médico/a: Sr(a), como você acha que poderia iniciar a realização de algum tipo de atividade física? 
    • Paciente: Acredito que eu consigo caminhar 10 minutos por dia, descendo uma parada de ônibus antes de chegar no trabalho. 
    • Médico/a: Ótimo, esse é um bom começo. Então vou deixar registrado no seu prontuário o que combinamos, e na próxima consulta retornaremos a esse assunto.  
  • Entregar para o paciente as combinações efetuadas, em receituário físico ou digital 

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