Psicologia baseada em evidências: o que é e principais abordagens
O que é Psicologia Baseada em Evidências (PBE)?
A Psicologia Baseada em Evidências (PBE) se inspirou no movimento médico do Canadá na década de 1990, período em que a medicina buscava utilizar achados de investigação para embasar suas decisões clínicas.
No âmbito da psicologia, o objetivo de tais práticas é discutir evidências para o cuidado individualizado de pacientes com diversas demandas, promovendo uma atuação psicoterapêutica efetiva e contínua, baseada em princípios empiricamente pesquisados de modo científico (Melnik et al., 2014).
A PBE postula a interseção entre três domínios para uma prática considerada eficaz: a melhor evidência científica disponível, a expertise clínica do profissional e as características e preferências do paciente. Cada um desses elementos desempenha um papel fundamental na escolha e aplicação de tratamentos adequados.
A literatura mostra que os níveis de evidência mais robustos incluem ensaios clínicos randomizados, metanálises e revisões sistemáticas (Leonardi et al, 2023). A
Canadian Psychological Association
orienta os psicólogos a priorizarem evidências que discutam a validade interna, externa, generalização e transferibilidade dos resultados. Caso as melhores evidências não estejam disponíveis, evidências inferiores na hierarquia podem ser consideradas (Dozois et al., 2014).
Por outro lado, a expertise clínica do terapeuta é fundamental na tomada de decisões da intervenção aplicada, incluindo as competências específicas relacionadas a diferentes abordagens psicológicas.
Além disso, é essencial que o terapeuta desenvolva uma relação terapêutica adequada com o paciente, respeitando o sigilo e a ética profissional. Por fim, as características e preferências do paciente desempenham um papel fundamental na terapia, pois a individualização do tratamento aumenta sua efetividade.
A adaptação da psicoterapia às variáveis como cultura, religião, identidade de gênero e contexto social demonstra maior eficácia e adesão dos pacientes ao tratamento. Isso ressalta a importância da adaptação dos métodos às especificidades do cliente, sem comprometer os princípios éticos e teóricos da psicologia (Leonardi et al, 2023; Norcross & Wampold, 2018).
Abordagens terapêuticas baseadas em evidências
Dentre as abordagens terapêuticas baseadas em evidências, destacam-se a Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia de Aceitação e Compromisso e Terapia Comportamental Dialética.
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é uma das abordagens mais amplamente utilizadas dentro da PBE. Focada na relação entre pensamentos, emoções e comportamentos, baseia-se na identificação e modificação de padrões de pensamento disfuncionais. Ou seja, visa conscientizar sobre o papel das cognições nas emoções e comportamentos.
A TCC foi influenciada pelos trabalhos de diversos teóricos, destacando os pioneiros Ellis e Beck. Aaron Beck desenvolveu a TCC com foco na reformulação de cognições distorcidas, especialmente no tratamento da depressão (Beck, 2022).
Estudos mostram que a abordagem é eficaz não apenas na redução de sintomas, mas também na prevenção de recaídas, especialmente no contexto da depressão e da ansiedade (NICE, 2023).
Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT)
A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) foi desenvolvida no final dos anos de 1980, sendo uma abordagem psicoterapêutica baseada em evidências e considerada uma terapia contextual. A ACT se baseia na aceitação das experiências internas e no compromisso com ações alinhadas aos valores pessoais, utilizando processos de conscientização, aceitação e mudança de comportamento.
A abordagem tem sido estudada em uma variedade de condições clínicas, reforçando as evidências científicas sobre a aplicabilidade do seu tratamento. Revisões sistemáticas e metanálises destacaram a eficácia da ACT em uma extensa gama de transtornos, incluindo depressão, ansiedade, dor crônica e transtorno de estresse pós-traumático (Ong et al., 2021; Beygi et al., 2023). Por fim, as pesquisas indicam que a ACT promove a adaptação a contextos diversos (Hayes et al., 2021).
Terapia Comportamental Dialética (DBT)
A Terapia Comportamental Dialética (DBT) tem origem nas décadas de 1970 e 1980 e foi desenvolvida para tratar indivíduos com comportamentos suicidas, especialmente aqueles com Transtorno de Personalidade Borderline. A DBT combina aceitação e mudança por meio de psicoterapia individual, treinamento de habilidades em grupo, coaching telefônico e consultoria para terapeutas, mostrando eficácia na redução de comportamentos suicidas e em diversos transtornos.
Além disso, é também direcionada para seus familiares e outros indivíduos do convívio social (Linehan, 2018). Atualmente a DBT apresenta diversas evidências científicas da sua eficácia, tanto para o Transtorno de Personalidade Bordeline quanto para outros transtornos. A maior parte das pesquisas mais recentes da área visou determinar as melhores práticas para tornar o tratamento mais eficiente, bem como na sua implementação, incluindo publicações revisadas por pares, ensaios controlados randomizados, trabalhos de revisão e metanálises.
Assim, o tratamento pela abordagem da DBT possui efetividade para redução do comportamento suicida, melhoria sintomatológica em transtornos de humor (Jones et al., 2023) e transtornos por uso de substâncias (Haktanir, & Callender, 2020), por exemplo.
Caso Exemplo
Para exemplificar, o primeiro estudo de caso aborda a situação de André, paciente jovem de 24 anos que abandonou o curso de Engenharia Mecânica devido a sintomas de depressão. O tratamento baseado na Terapia Cognitivo-Comportamental foi relevante no caso, visando alterar suas crenças desadaptativas e reduzir os sintomas depressivos.
Ele conseguiu desenvolver novas crenças mais realistas e positivas, retomando suas relações sociais. Voltou para a graduação com bom desempenho e foi preparado para prevenir recaídas, demonstrando progresso e melhora significativos ao longo do tratamento.
O estudo de caso de André mostra a importância da intervenção terapêutica na qual o cliente pode reconstruir suas percepções sobre si mesmo e seu futuro. Com as estratégias adequadas e o suporte necessário, é possível reduzir os sintomas da depressão e alcançar uma melhoria significativa na qualidade de vida.
Em outro estudo de caso, aborda-se a história de vida de Joanne, uma mulher transsexual de 44 anos que se mudou recentemente de cidade após passar pela cirurgia de redesignação sexual. Ela enfrentava problemas de cansaço, insônia e preocupações constantes com o trabalho.
Desde criança, Joanne tinha pensamentos sombrios e aos 31 anos teve crises de pânico, mas só buscou ajuda aos 44 anos, com receio de prejudicar a cirurgia. Com o apoio do terapeuta, desafiou suas crenças negativas e conseguiu fortalecer seus relacionamentos no trabalho e na vida pessoal. Após se abrir sobre sua identidade de gênero, Joanne foi promovida no trabalho e encontrou apoio na comunidade.
As técnicas de reestruturação cognitiva e o fortalecimento de relações interpessoais auxiliaram Joanne a reconstruir uma vida mais feliz e autêntica ao lado de seu parceiro. Os resultados do permitiram que apresentasse uma visão mais positiva de si mesma, dos outros e do futuro.
Em resumo, a aplicação dos conceitos e técnicas das abordagens vinculadas à PBE é fundamental para promover intervenções eficazes e centradas no paciente. As práticas baseadas em evidências na psicologia são fundamentais para garantir a eficácia dos tratamentos oferecidos aos clientes.
Por fim, os exemplos discutidos sublinham a importância da aprendizagem contínua e de uma prática clínica informada por evidências, que não só elevam o padrão de tratamento, mas também garantem intervenções personalizadas e adaptadas às necessidades específicas de cada paciente.
Autoras
- Fabíola Rodrigues Matos
Doutora em Processos Psicossociais pela Universidade Federal do Espírito Santo (2021). Mestre em Processos Cognitivos pela Universidade Federal de Uberlândia (2018). Graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia (2015). Atualmente é professora do Departamento de Saúde e Psicologia da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) - Unidade Ituiutaba. Áreas de pesquisa relacionadas à terapia cognitivo-comportamental, avaliação psicológica, carreira e saúde mental.
- Camila Alves de Amorim
Psicóloga pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) e Mestra em Ciências (Psicobiologia) pela FFCLRP-USP. Especialista em Clínica Analítico-comportamental. Supervisora Clínica em cursos de Pós-Graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental na Infância e Adolescência. Formação em Terapia de Esquemas. Doutoranda e Supervisora Clínica no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP).
- Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Universidade de São Paulo (USP).