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Quando iniciar uso de insulina de ação rápida no paciente com diabetes tipo 2?

O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é uma doença que causa alta morbidade e mortalidade: é a principal causa de cegueira, amputações e está entre as 10 maiores causas de óbito no mundo. Na sua fisiopatologia há aumento da resistência insulínica associada com redução da função das células β pancreáticas. Estima-se que, no diagnóstico do DM2, já há perda de 50% da massa de células β e que a perda se mantenha constante ao longo dos anos. Ou seja, é esperado na história natural desta doença a necessidade de reposição de insulina.  

Conceitualmente, pode-se dividir os esquemas de tratamento com insulina em dois grupos: fisiológicos e não fisiológicos. Os tratamentos fisiológicos são aqueles que tentam mimetizar o funcionamento normal do pâncreas com reposição de insulina basal associada com insulina nas refeições (prandial) em bolus; eles são utilizados em pacientes com DM1 ou DM2 com perda mais avançada de massas de células β pancreáticas. Já os esquemas de insulina não fisiológicos envolvem usualmente a reposição apenas de insulina basal e são utilizados em pacientes com DM2 no início da insulinização. 

Uma vez que DM2 é muito mais frequente que DM1, a grande maioria das prescrições de insulina da prática clínica são esquemas não fisiológicos. Tradicionalmente, a primeira opção para isso é uma dose de insulina de duração intermediária (insulina NPH) ou lenta (detemir, glargina, degludeca) à noite - esquema de insulina
bedtime
. Portanto, em um paciente com DM2 em uso de insulina basal, a primeira pergunta a se fazer é se ele está com o controle glicêmico no alvo individualizado. A figura 1 resume como definir o alvo de hemoglobina glicada (HbA1c) para cada paciente. É importante ressaltar que, nem sempre uma HbA1c > 7% indica um mal controle glicêmico. Para alguns pacientes, em especial idosos e com expectativa de vida reduzida, HbA1c por volta de 8-8,5% pode ser considerada adequada.  

Figura 1.
Alvos de HbA1c individualizados.  

Adaptado da ref (5)
 

termos em ordem que aparecem na figura 
 

  • Abordagem para a individualização dos alvos glicêmicos
     
  • Paciente / caracterísitca da doença
     
  • Mais estrito
     
  • HbA1c 7%
     
  • Menos estrito
     
  • Riscos potencialmente associados com hipoglicemias e outros efeitos adversos de medicamentos
     
  • Baixo
     
  • alto
     
  • duração da doença
     
  • recém diagnosticado
     
  • longa duração
     
  • expectativa de vida
     
  • longa
     
  • curta
     
  • comorbidades 
     
  • ausentes
     
  • poucas e leves
     
  • graves
     
  • complicações vasculares
     
  • ausentes
     
  • poucas e leves
     
  • graves
     
  • preferências do paciente
     
  • altamente motivado e com capacidades elevadas de auto-cuidados
     
  • preferência por tratamento menos complexo
     
  • recursos e suporte do sistema
     
  • altamente disponível
     
  • limitado
     

 

Se o paciente se encontra fora do seu alvo individualizado, o próximo passo é verificar a glicemia de jejum. Se a glicemia de jejum estiver fora do alvo e o paciente não estiver apresentando hipoglicemias, o primeiro passo terapêutico é aumentar a dose de insulina basal.  

Por outro lado, na situação de uma HbA1c fora do alvo, porém com glicemia de jejum no alvo (<130 mg/dL) ou com hipoglicemias frequentes, deve-se considerar adaptar a estratégia de insulina. Neste contexto, o paciente deve realizar medidas de glicemia capilar antes do almoço, jantar e dormir, que irão embasar a decisão de como adaptar o tratamento: 

  1. Glicemias antes do almoço elevadas
    : considerar aplicação de insulina rápida (2-4 UI inicialmente) antes do café da manhã. 
  2. Glicemias antes do jantar elevadas:
    considerar aplicação de insulina rápida  (2-4 UI inicialmente) antes do almoço. Ou, em pacientes usuários de NPH
    bedtime
    ,
    iniciar dose extra de NPH matinal. 
  3. Glicemias antes de dormir elevadas:
    considerar aplicação de insulina rápida (2-4 UI inicialmente) antes do jantar. 

Ou seja, como regra geral, a situação clínica mais comum de início de insulina rápida é o paciente diabético em
uso de insulina basal com HbA1c fora do alvo e glicemia de jejum controlada
. São consideradas insulinas rápidas a insulina (humana) regular e os análogos ultra-rápidos lispro, glulisina e asparte. A primeira tem início de ação em 30 minutos após a aplicação; enquanto as outras tem ação em 5-15 minutos. Disso deriva sua principal diferença: insulina regular precisa ser aplicada 30 minutos antes da refeição, os análogos podem ser aplicados logo antes de comer ou mesmo após a refeição.  

Um critério adicional para considerar o uso de insulina rápida é a suspeita de uso excessivo de insulina basal (
overbasalization
do inglês). Isto acontece porque a insulina basal parece ter um "efeito teto", e, quando em uso de doses altas, novos incrementos têm pouco efeito na HbA1C, e promovem efeitos adversos como ganho de peso e hipoglicemia. É mais comum que esse efeito ocorra em doses de 0,5 UI/kg/dia.  

Nesse estágio, especialmente quando a dose de insulina basal for > 0,5 UI/kg/dia, pode-se considerar otimizar o tratamento com insulinas rápidas, independente da glicemia de jejum e parâmetros clássicos apresentados acima. Essas recomendações estão descritas na
Tabela 2
. Dentre elas está a diferença entre a glicemia 2h após a janta e a glicemia matinal, em que a glicemia elevada à noite reflete a contribuição do cumulativo de hiperglicemias pós-prandiais ao longo do dia, enquanto a glicemia matinal reflete a intensidade de terapia com insulina basal. 

Tabela 2.
Quando considerar intensificação do tratamento além de insulina basal (8). 

Apesar deste forte racional teórico, existem questionamentos na literatura da importância do
overbasalization
no controle glicêmico; um grande ensaio clínico não encontrou vantagens (e até mais hipoglicemia e ganho de peso) com esquemas basal-bolus quando comparado com insulina basal apenas em doses de aproximadamente 1 UI/kg. Portanto, em pacientes com dificuldades de ajuste do tratamento, idosos, limitações de compreensão e sobrecarregados com o tratamento deve-se considerar tratamento com insulina basal apenas.  

Algumas considerações adicionais sobre insulinoterapia são importantes. A insulina deve ser considerada como parte de qualquer regime de tratamento para diabetes, e o profissional evitar vincular sua prescrição com uma ideia de falha pessoal do paciente ou punição, mas ressaltar os benefícios desse medicamento em estágios avançados da doença. A introdução precoce de insulina é indicada especialmente se houver evidência de catabolismo intenso, com perda ponderal, poliúria, polidipsia, hiperglicemia intensa (glicose > 300 mg/dL) ou HbA1C >10%. O principal objetivo do uso de insulina basal é suprimir a produção hepática de glicose, suprir a falta de produção pancreática e vencer a resistência periférica ao hormônio.  

Quanto à escolha do tipo de insulina, há preferência de diretrizes por insulinas ultrarrápidas devido a sua breve ação e duração, levando a maior comodidade de uso. Apesar disso, não há claro benefício quanto a diferença em HbA1C e hipoglicemia comparado com insulina regular em pacientes com DM2 e está associado com maiores custos.  

A prescrição de insulinas mistas (p.ex., NPH/regular 70/30) objetiva a praticidade, porém tem maior potencial de induzir hipoglicemia e menor flexibilidade para ajuste de dose. Conforme já apresentado, a insulina em bolus é iniciada em aplicação única, antes da maior refeição ou daquela com maior pico glicêmico pós-prandial, na dose de 4 UI/ dia, 0,1UI/kg/dia ou 10% da dose de insulina basal, com incrementos de 1-2 UI ou 10-15% a cada 2-3 dias até atingir o alvo; aplicações doses adicionais podem ser incluídas conforme necessidade.  

Em pacientes já em uso de insulina basal e com HbA1C próxima a 8%, sugere-se considerar a redução da dose de insulina basal na mesma quantidade de unidades que a prescrição de insulina rápida. Se ocorrer hipoglicemia, deve-se pesquisar e tratar a causa (dose de aplicação equivocada, refeição não realizada), assim como considerar reduzir a dose em 2-4 UI ou 10-20%.  

Prescrevi insulina de ação rápida: o que fazer com os demais medicamentos?
  

  • A metformina é deve ser mantida por todo o tempo em que for tolerada e não for contraindicada. Os efeitos adversos mais comuns e limitantes são sintomas gastrointestinais, e contraindicações frequentes são taxa de filtração glomerular < 30 mL/min/1,73m2, instabilidade clínica (internações, infecções graves) e acidose metabólica. 
  • O uso de sulfonilureias pode ser mantido em pacientes com insulina basal em doses de até 0,4-0,6 UI/kg. Em pacientes com doses mais elevadas de insulina, costuma-se suspender.  Sua manutenção deve ser individualizada conforme o contexto. 
  • Demais medicamentos tendem a ser mantidos, individualizando-se para preferências do paciente, custos e indicações adicionais (por exemplo, inibidores do co-transportador sódio-glicose em pacientes com eventos cardiovasculares e insuficiência cardíaca).  

Resumo
 

  • É esperado, dentro da história natural do DM2, perda progressiva da massa de células β pancreáticas e a necessidade de uso de insulina. 
  • Pacientes em uso de insulina basal (na maioria das vezes, NPH
    bedtime
    ) que mantêm hemoglobina glicada acima da meta individual apesar de glicemia de jejum controlada são os principais candidatos ao uso insulina de ação rápida antes das refeições. 
  • Doses de insulina >0,5 UI/kg, hiperglicemia maior no final do dia e hiperglicemias pós-prandiais são fatores adicionais que sugerem a necessidade de insulina rápida nas refeições. 
  • A dose inicial costuma ser de 4 UI ou 10% da dose de insulina basal, com incrementos de 1-2 UI ou 10-15% a cada 2-3 dias. 
  • Alvo de HbA1c individualizado, complexidade do tratamento e custos devem entrar no processo decisório do início de insulina rápida em pacientes com DM2.