O MAIOR ECOSSISTEMA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE DO BRASIL

Artmed

O MAIOR ECOSSISTEMA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE DO BRASIL

Artmed
  • Home
  • Conteúdos
  • Reabilitação neuropsicológica: definição, objetivos e aplicação

Reabilitação neuropsicológica: definição, objetivos e aplicação

O que é a reabilitação neuropsicológica?
  

A reabilitação neuropsicológica (RN) é uma das áreas de atuação do psicólogo, geralmente do neuropsicólogo. Essa estruturada e sistemática abordagem terapêutica se diferencia das demais por ter como objetivo melhorar funções cognitivas, emocionais e comportamentais prejudicadas devido a condições neurológicas como tumores, aneurismas, lesões cerebrais traumáticas, e a neurodegeneração decorrente de transtornos cognitivos maiores. Para isso, a RN faz uso de estratégias cognitivas e comportamentais adaptadas às necessidades específicas do paciente, visando melhorar sua independência no dia a dia e, por consequência, sua qualidade de vida (Wilson et al., 2017).  

Geralmente, antes do início da RN, é feita uma avaliação neuropsicológica (AN). A avaliação permite a integração das informações coletadas a partir de entrevistas clínicas, testes, escalas/questionários e da observação clínica, fornecendo informações importantes sobre o funcionamento cognitivo, emocional e comportamental atual do paciente. Identificar forças e fraquezas cognitivas e o grau dos prejuízos permite ao neuropsicólogo planejar, criar, adaptar e implementar estratégias e intervenções que sejam individualizadas, eficazes e eficientes para lidar com as dificuldades enfrentadas pelo paciente (Almeida et al., 2016; O’Connor et al., 2024; Torregrossa et al., 2023).  

Neuroplasticidade e Metas
 

Você já parou para pensar porque intervenções como a RN funcionam? Bem, um dos principais conceitos envolvidos é a neuroplasticidade. Esta se refere à capacidade do cérebro de reorganizar sua estrutura e função a partir das nossas experiências, dos estímulos ambientais que recebemos, e do aprendizado. Tal adaptabilidade permite a recuperação de lesões cerebrais (Cezar et al., 2023; Dey et al., 2024; Zotey et al., 2023). No entanto, o
quanto
é possível recuperar dependerá de fatores como o local e extensão da lesão. 

Aliada à neuroplasticidade, a RN se vale de três abordagens principais:  

  • Recuperação
    : tenta-se restaurar as funções cognitivas comprometidas ao estado pré-lesão. Podem ser feitos, por exemplo, treinos intensivos voltados para funções específicas (Ptak & Schnider, 2015). 
  • Substituição
    : busca promover a reorganização das funções cerebrais para que outras áreas preservadas do cérebro assumam a função da região lesionada. 
  • Compensação
    : faz-se uso de estratégias/ferramentas alternativas para contornar funções cognitivas prejudicadas. Aqui, o intuito não é recuperar a função perdida, mas encontrar formas de atingir os mesmos objetivos por meios diferentes. 

A definição de metas na RN é fundamental e pode ser guiada pelo sistema SMART, no qual cada letra representa um critério para o estabelecimento das metas. Para um paciente com disfunção executiva que gostaria de
“parar de ser enrolado”
, poderíamos sugerir o seguinte modelo:  

  • S(Especifica)
    - Aumentar a capacidade do paciente ser pontual em compromissos sociais. 
  •  
    M(Mensurável)
    - Registrar, ao  longo de duas semanas, quanto tempo foi usado para se organizar e sair de casa, e em quantos desses eventos ele chegou no horário combinado. 
  • A(Alcançável)
    - A meta precisa ser realista: conferir os compromissos da semana usando alarmes e calendários, para reduzir os esquecimentos e atrasos em 50% durante um mês. 
  • R(Relevante)
    -
    Verificar se os objetivos estão alinhados às necessidades do paciente: aprimorar sua gestão de tempo em atividades diárias para que possa conseguir estar presente de maneira menos estressante.  
  • T(Temporal)
    - A meta deve ter um prazo definido para (re)avaliação: após quatro semanas, verificar se o paciente consegue ser capaz de seguir as estratégias trabalhadas com necessidade de menos apoio. 

Como aplicar?
  

A RN requer a implementação de diferentes estratégias terapêuticas. Para isso, um dos modelos utilizados é a RN holística. Esta concebe uma abordagem abrangente e estruturada, buscando não apenas restaurar funções cognitivas prejudicadas, mas também trabalhar concomitantemente os aspectos sociais e funcionais do paciente (Abrisqueta-Gomez, 2009). 

A primeira etapa desse processo é identificar dificuldades e facilidades associadas à disfunção cognitiva pós-lesão. Em seguida, é estabelecido um plano de tratamento baseado nas metas combinadas entre o terapeuta, o paciente, sua família e, quando disponível, outros profissionais envolvidos com o caso. Assim, diversas são as técnicas usadas para auxiliar na reinserção social e retorno a uma vida produtiva:  

  • Psicoeducação:
    realizada no início e ao longo de toda a reabilitação. Tem como objetivo educar os pacientes e familiares sobre a condição do paciente (dificuldades e pontos fortes), assim como compartilhar estratégias para ajudar a gerenciar os prejuízos. Este trabalho poderá ser feito de maneira individual ou grupal.  
  • Treino cognitivo:
    os treinos podem assumir diferentes formatos (Santos et. al., 2017), alterando sua modalidade (individual ou grupo), habilidade-alvo (mesmo domínio cognitivo ou múltiplas habilidades, como funções executivas e atenção), formato do estímulo (lápis e papel ou computadorizado) e
    follow-up
    (avaliações para verificar o efeito da intervenção). 
  • Técnicas cognitivas comportamentais:
    técnicas como resolução de problemas e reestruturação cognitiva auxiliam na motivação e no aumento da auto-eficácia. O papel do neuropsicólogo seria o de um gerenciador, que precisa estar atento às questões psicoafetivas e comorbidades emocionais para que essas sejam acompanhadas por um psicólogo integrado à equipe (Carvalho et al., 2017).   
  • Estratégias compensatórias:
    envolve o uso de técnicas para compensar os prejuízos cognitivos, como bilhetes, agendas, listas e alarmes.  
  • Uso de tecnologias e Realidade Virtual (RV):
    aplicativos e dispositivos inteligentes podem aumentar a motivação dos pacientes, servindo como estratégias compensatórias. Pode-se facilmente utilizar recursos de voz da Alexa, por exemplo, para criar listas, lembretes, e marcar compromissos no calendário. A RV, por sua vez, é um recurso recente que permite ao clínico criar simulações e ambientes interativos de cenários semelhantes ao mundo real, de forma segura. Tais simulações podem ser adaptadas às necessidades e características dos pacientes (Oliveira & Schuch, 2021; Wilson, 2013).  
  • Modificações ambientais:
    envolve modificar aspectos do ambiente do paciente para atender às suas necessidades cognitivas e funcionais. Pode incluir a retirada de estímulos para melhorar o foco atencional, mudar a iluminação, e adaptações estruturais como rampas e barras de apoio.  

Considerações finais
 

A RN não se limita à recuperação de funções cognitivas, mas visa uma abordagem voltada ao todo, levando em conta as necessidades individuais e contextuais dos pacientes, assim como o estabelecimento de metas reais, dentro das possibilidades do paciente.

Essa atuação requer do profissional habilidades técnicas e competências como respeito à autonomia dos pacientes, comunicação clara e empática dos resultados e a aplicação de intervenções baseadas em evidências, sempre respeitando a diversidade cultural e evitando qualquer tipo de discriminação (Wong et al., 2023). Esse rigor é necessário para garantirmos que estamos fornecendo o melhor tratamento possível para o paciente e seus familiares, que almejam uma melhora baseada também em seus sonhos e desejos.

Como já dizia Jacqueline Abrisqueta-Gomez (2009) em seu livro de RN, que essa leitura seja o início para aqueles que percorrem o caminho das pedras... preciosas! Sem esquecer que devemos cuidar também da nossa qualidade de vida, assim como colaboramos com a de nossos pacientes. 

Como citar este artigo: Silva, V. A. F. S., Soares, M. C., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (Fev., 2025). Reabilitação neuropsicológica: definição, objetivos e aplicação. Blog do Secad.

Autoras

  • Valkíria dos Anjos Fonseca Sampaio da Silva
     

Psicóloga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Especialista em Neuropsicologia e em Terapia Cognitivo-Comportamental, ambas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Atualmente, Mestranda em Psicologia Clínica e Neurociências pela PUC-Rio, com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Membro do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Neurociências e Cognição da PUC-Rio (2019-2024) e do IBNeC Futuro (2020-2024), organizando e coordenando eventos científicos relacionados à Neuropsicologia, Neurociências e áreas afins.  

  • Marina Celestino Soares
     

Psicóloga pela Faculdade Pitágoras de Uberlândia. Neuropsicóloga pelo Conselho Federal de Psicologia, e Mestre em Psicologia com ênfase em Processos Cognitivos pela Universidade Federal de Uberlândia, com bolsa pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoas de Nível Superior (CAPES). Possui formação no Programa de Estimulação Atencional (PEA Qualconsoante PT), em ADOS-2 (Inclusão Eficiente com Dra. Antonia Ayala), e no programa de treinamento de Habilidades sociais PEERS pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). Docente dos cursos de pós-graduação em Neuropsicopedagogia e Neuropsicologia e de graduação para os cursos de psicologia. Membro do IBNeC Futuro (2020-2024) e do Serviço Especializado em Desenvolvimento e Aprendizagem SEDA/HC-UFU. Diretora e Fundadora da Sinapse Hub, uma startup que visa promover estimulação cognitiva, psicoeducação e inclusão para todos os espaços. Atua com avaliação e reabilitação em neuropsicologia, grupos e docência, ganhadora de prêmios e menções honrosas.  

  • Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
     

Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC) da Universidade de São Paulo (USP). Associada à Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC).