Sepse neonatal: fatores de risco, quadro clínico, diagnóstico e manejo
A sepse neonatal é uma condição grave que envolve uma resposta inflamatória sistêmica do organismo a uma infecção, sendo uma das principais causas de mortalidade e morbidade em recém-nascidos, especialmente em prematuros.
A doença pode ser classificada em sepse precoce (ocorrendo nas primeiras 72 horas de vida) e sepse tardia (após as 72 horas de vida). Este artigo revisa os fatores de risco, quadro clínico, diagnóstico, manejo, tratamento e prevenção da sepse neonatal.
Fatores de risco
Os fatores de risco para sepse neonatal são variados e podem ser divididos em fatores maternos, perinatais e neonatais.
Fatores maternos
Incluem infecções maternas, como infecção do trato urinário ou infecções sexualmente transmissíveis durante a gravidez. A ruptura prematura das membranas (RPM) é um fator de risco significativo, sobretudo quando é maior do que 18 horas, pois aumenta a exposição do feto a patógenos.
A corioamnionite, uma infecção das membranas fetais, também é um fator de risco importante, bem como episódios de febre intraparto e líquido amniótico com odor fétido. Outras infecções maternas como infecções do trato urinário e a colonização por estreptococos do grupo B (exame realizado ao final da gestação) também são fatores de risco.
Fatores perinatais
Incluem complicações durante o parto, como asfixia perinatal, contaminação do líquido amniótico com mecônio e múltiplos exames vaginais durante o trabalho de parto. O uso de ventilação artificial e cateteres venosos centrais também são fatores de risco significativos.
Fatores neonatais
Dentro os
fatores neonatais,
está a prematuridade (idade gestacional <37 semanas). Recém-nascidos prematuros têm sistemas imunológicos imaturos e barreiras físicas menos eficazes, tornando-os mais vulneráveis. Baixo peso ao nascer (<2.500 g) também é um fator de risco, e o sexo masculino também costuma ser mais afetado.
Recém-nascidos que não choram ao nascer ou que têm um baixo escore de Apgar (<7 no quinto minuto) também estão em maior risco. A necessidade de ventilação mecânica e o uso prolongado de cateteres intravenosos aumentam o risco de sepse neonatal.
O uso de cateteres venosos centrais, nutrição parenteral e a permanência em ambiente hospitalar também aumentam o risco de sepse neonatal tardia
Quadro clínico
Os sinais e sintomas da sepse neonatal costumam ser inespecíficos e de difícil reconhecimento, especialmente nas fases iniciais, motivo pelos quais pacientes de maior risco devem ser rigorosamente monitorados.
Os sinais clínicos são de diferentes sistemas e podem ser agrupados da seguinte forma:
- a) apneia, dificuldade respiratória, cianose;
- b) taquicardia ou bradicardia, má perfusão ou choque;
- c) irritabilidade, letargia, hipotonia, convulsões;
- d) distensão abdominal, vômitos, intolerância alimentar, resíduo gástrico, hepatomegalia;
- e) icterícia inexplicada;
- f) instabilidade da temperatura corporal;
- g) petéquias ou púrpura.
Para levar em conta os sinais clínicos, o ideal é que o recém-nascido apresente manifestações em três sistemas distintos, ou dois sinais clínicos em sistemas distintos associados a um risco materno.
Diagnóstico
O diagnóstico de sepse neonatal é desafiador devido à natureza inespecífica dos sintomas e à necessidade de intervenções rápidas. Os principais métodos diagnósticos incluem:
Hemocultura
O padrão-ouro para o diagnóstico. Deve ser realizada antes do início da antibioticoterapia, embora possa demorar até 48-72 horas para resultados.
Exames laboratoriais
Marcadores inflamatórios como proteína C-reativa (PCR) e procalcitonina são frequentemente usados, embora não sejam específicos para sepse.
Exames de imagem
Em alguns casos, ultrassonografias ou radiografias torácicas podem ajudar a identificar focos de infecção, como pneumonia.
Potenciais novos biomarcadores
Estudos recentes indicam que biomarcadores como citocinas e quimiocinas podem ter potencial diagnóstico, embora ainda estejam em fase de validação clínica.
Escore de Rodwell
O escore de Rodwell é uma ferramenta valiosa no diagnóstico precoce de sepse neonatal, auxiliando na tomada de decisões clínicas e no início de terapias antibióticas apropriadas
O escore é calculado a partir de várias anormalidades hematológicas encontradas no hemograma, cada uma recebendo uma pontuação específica. Os critérios incluem:
- Contagem total de leucócitos
- < 5000/mm³ ou > 25.000/mm³ (em recém-nascidos a termo) ou > 30.000/mm³ (em prematuros): 1 ponto.
- Contagem de neutrófilos:
- Neutropenia (< 1800/mm³) ou neutrofilia (> 7200/mm³): 1 ponto.
- Índice de neutrófilos imaturos/totais (I/T):
- Índice > 0,2: 1 ponto.
- Índice de neutrófilos imaturos/maduros (I/M):
- Índice > 0,3: 1 ponto.
- Presença de neutrófilos tóxicos:
- Neutrófilos com granulações tóxicas, vacuolização ou corpos de Döhle: 1 ponto.
- Contagem total de plaquetas:
- Plaquetopenia (< 150.000/mm³): 1 ponto.
- Interpretação do escore
- 0 a 1 ponto: baixa probabilidade de sepse.
- 2 a 3 pontos: probabilidade intermediária de sepse, exigindo avaliação clínica mais detalhada e possivelmente repetição dos exames.
- 4 a 7 pontos: alta probabilidade de sepse, justificando o início imediato de tratamento antimicrobiano.
O escore de rodwell é particularmente útil em recém-nascidos com suspeita de sepse precoce, quando o quadro clínico é duvidoso e os métodos diagnósticos definitivos, como hemoculturas demoram para fornecer resultados. Ao considerar a presença de alterações hematológicas associadas à infecção, o escore ajuda a guiar as decisões clínicas, permitindo que seja iniciada terapia antibiótica empiricamente até os resultados definitivos.
Embora amplamente utilizado, o escore de rodwell tem limitações. Ele pode apresentar variação significativa conforme a população estudada e a idade gestacional do neonato, o que pode levar a falsos positivos ou negativos. Além disso, como depende de um exame laboratorial, a qualidade e o momento da coleta de sangue podem influenciar nos resultados.
Em neonatos com condições que alteram o hemograma, como asfixia perinatal ou síndrome do desconforto respiratório, o escore pode ser menos específico. Portanto, ele deve ser utilizado em conjunto com outros parâmetros clínicos e laboratoriais para uma avaliação mais precisa da sepse neonatal.
Manejo e tratamento
O manejo da sepse neonatal exige uma abordagem agressiva, uma vez que a progressão para choque séptico pode ser rápida.
O tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível após a coleta de hemoculturas. As escolhas de terapias antimicrobianas empíricas iniciais para sepse neonatal precoce costumam incluir ampicilina (para cobrir estreptococos do grupo B) e um aminoglicosídeo como a gentamicina (para cobrir gram-negativos como e
scherichia coli
).
Na sepse tardia, a antibioticoterapia empírica deve levar em conta os agentes etiológicos mais prováveis e suas respostas à terapia antibiótica. Embora o microrganismo mais comum seja o staphylococcus coagulase-negativo, isso não significa que o regime empírico inicial deva incluir a vancomicina.
Vários estudos demonstraram que o não uso da vancomicina no regime inicial de antibióticos empíricos não aumenta a mortalidade, duração da bacteremia e as complicações atribuídas à sepse neonatal tardia. O uso indiscriminado e excessivo de vancomicina é um fator importante no surgimento de flora multirresistente e no aumento da ocorrência de infecção fúngica invasiva.
Atualmente, existem regimes de gerenciamento de uso de antibióticos para UTIs neonatais que preveem oxacilina no regime empírico inicial para sepse neonatal tardia e eventual mudança para vancomicina, somente quando não houver melhora na condição clínica do paciente após 48 horas de uso de oxacilina. A sepse causada por staphylococcus coagulase-negativo geralmente tem um curso mais brando e uma evolução subaguda, o que permite que os pacientes sejam observados por 48 horas em uso de oxacilina e a eventual mudança somente se não houver resposta adequada ao uso de oxacilina.
A amicacina é usada para cobrir os microrganismos gram-negativos que podem ocorrer na sepse adquirida no hospital. Após a identificação do microrganismo, a terapia antibiótica deve ser orientada pelo antibiograma, exceto nos casos de staphylococcus coagulase-negativo resistente à oxacilina, nos quais ela é mantida dependendo da resposta in vivo à oxacilina.
Em caso de meningite, recomenda-se o ajuste da terapia antibiótica de acordo com o microrganismo identificado e o teste de antibiograma. Se o agente etiológico for desconhecido, é indicada a mudança do esquema antibiótico para cefepime.
Muitos recém-nascidos sépticos vão precisar de suporte cardiovascular com fluidos intravenosos e agentes vasopressores para manter a perfusão adequada. Em caso de insuficiência respiratória grave podem necessitar de suporte ventilatório. Por esse motivo, é necessária monitorização contínua em UTI neonatal, com o acompanhamento rigoroso de parâmetros vitais, gasometria arterial, eletrólitos e exames de função renal.
Prevenção
A prevenção da sepse neonatal envolve tanto a redução dos fatores de risco quanto a implementação de estratégias em ambiente hospitalar:
- Profilaxia intraparto para EGB: a administração de antibióticos profiláticos (geralmente penicilina) para mães colonizadas por EGB durante o trabalho de parto é eficaz na redução da sepse precoce.
- Controle rigoroso de infecções hospitalares: protocolos de higienização de mãos nos 5 momentos de contato com paciente, conforme recomendado pela OMS. Uso racional de antibióticos. Instituição de pacotes de medidas para redução de infecção em pacientes com dispositivos invasivos como cateteres e tubos orotraqueais.
- Minimização de procedimentos invasivos: a redução do uso de cateteres e ventilação mecânica, sempre que possível, é uma medida importante para diminuir o risco de sepse tardia.
- Nutrição enteral precoce: a introdução precoce de nutrição enteral pode reduzir o uso de nutrição parenteral e, assim, diminuir a exposição a cateteres venosos centrais.
- Aleitamento materno:a alimentação com leite humano é uma importante medida de redução de sepse neonatal tardia. O leite materno contém concentrações significativas de IgA e oligossacarídeos que lhe conferem propriedades anti-infecciosas. O uso exclusivo do leite materno resulta em uma microbiota intestinal mais diversificada, o que leva a uma menor probabilidade de infecção
Conclusão
A sepse neonatal continua sendo um grande desafio na neonatologia, especialmente entre recém-nascidos prematuros e internados em UTIN. A identificação precoce dos fatores de risco e sinais clínicos, aliada a uma abordagem diagnóstica e terapêutica rápida e precisa, pode melhorar significativamente os desfechos clínicos. Além disso, a implementação de medidas de prevenção eficazes é fundamental para reduzir a incidência da doença e suas complicações a longo prazo.
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