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Síndrome coronariana aguda na emergência: manejo em 3 passos

Síndrome coronariana aguda (SCA) inclui na sua definição um espectro de condições que levam a isquemia miocárdica (com ou sem necrose tecidual). Ela é a principal causa de morte no mundo e responsável por 12% de todos os anos de vida com qualidade perdidos. Além deste impacto na saúde das populações de uma forma mais ampla, é causa de aproximadamente 30% dos atendimentos por dor torácica nas emergências. 

Apesar de ser tratada como uma condição única, a SCA é na verdade um conjunto de eventos coronarianos que inclui a angina instável, o infarto sem supradesnivelamento do segmento ST e o infarto miocárdio com supradesnivelamento de segmento ST. Existem discussões sobre a melhor foram de classificá-los, mas de uma forma geral recomenda-se dividir os pacientes em: 

  • SCA com supradesnivelamento do segmento ST (SCACSST): aqui temos os eventos mais graves, tipicamente com oclusão coronariana, que evoluem com necrose de toda parede do miocárdio (transmural) e maior risco de complicações. Nesta situação o desafio é o diagnósticar e realizar a reperfusão coronariana com rapidez. 
  • SCA sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST): neste grupo há um conjunto de pacientes bem mais heterogêneo que o grupo acima. Aqui o principal desafio é de diagnóstico diferencial (isquêmica ou não isquêmica) e de diferenciar pacientes que necessitam de manejo invasivo daqueles que podem ser manejados de forma mais conservadora. Temos neste grupo desde pacientes com infartos coronarianos oclusivos (que tem evolução como pacientes com SCACSST) até pacientes sem ruptura de placa de ateroma (com prognóstico sensivelmente melhor). Ou seja, aqui estão incluídos pacientes com infarto (definido pela elevação de troponina) e com angina instável (com dor anginosa nova ou crônica agudizada, mas sem elevação dos níveis de troponina).  

Por sua magnitude gigantesca em termos de causa de morte e morbidade no mundo, talvez nenhuma doença aguda tenha sido tão bem estudada, com tantas pesquisas baseando as decisões de tratamento. Nesta postagem faremos uma revisão geral (um "sobrevoo") do manejo agudo desta situação clínica.

Desta forma, você encontrará aqui um resumo das principais decisões e condutas que o médico deve estar atento ao cuidar de pessoas com suspeita de infarto agudo do miocárdio. Vale destacar que para a maioria dos medicamentos apresentamos a dosagem geral para a primeira administração, mas ajustes para função renal e das doses de manutenção frequentemente são necessárias).   

Primeiro: fazer o diagnóstico (ou descartar ele)
 

O primeiro passo no atendimento da SCA é suspeitar da doença. E, para isso, a melhor ferramenta é a entrevista. Angina típica de um quadro de SCA se manifesta como dor retroesternal (que pode irradiar para um ou ambos os braços, pescoço ou mandíbula), que ocorre em repouso ou com esforços mínimos, que tem duração de mais de 10 minutos e que não alívia dentro de 5 minutos com repouso ou nitrato.

Apesar disso, as manifestações de isquemia aguda podem ser bastante variadas, incluindo dispneia, náuseas, dor epigástrica e mesmo dor de ouvido. Uma regra útil é sempre realizar eletrocardiograma (ECG) para identificação de IAM com supradesnivelamento de segmento ST em: 

  • Pacientes com mais de 30 anos com dor torácica; 
  • Pacientes com mais de 50 anos com dor torácica, dispneia, alteração do estado mental, dor nos membros superiores, síncope ou fraqueza; 
  • Pacientes com mais de 80 anos com qualquer um dos sintomas anteriores, bem como dor abdominal, náuseas e/ou vômitos.   

Em resumo, todos pacientes com suspeita de SCA (seja pela regra acima ou seja por suspeita clínica) devem realizar ECG dentro de 10 minutos da chegada na emergência. Naqueles indivíduos que o primeiro ECG é não diagnóstico e que seguem com sintomas deve-se repetir o exame a cada 15-30 minutos enquanto durar a dor ou quando um diagnóstico definitivo for realizado.   

Aqui um ponto é fonte de muita confusão e dúvidas: o
ECG é usado para identificar pacientes com SCACSST, mas não para descartar o diagnóstico de infarto
. Ou seja, ele é útil para identificar um subgrupo de pacientes que tem maior urgência no cuidado, mas a maioria dos infartos não causam alteração de ECG.

Assim, junto com a realização do ECG deve-se coletar troponina para identificar necrose miocárdica sempre que se suspeitar de SCA. Além de indicar a presença de necrose (entre outras causas), este exame permite
descartar o diagnóstico com 2 exames normais (o primeiro na apresentação e o segundo em 1-2 horas)
, desde que se use troponina de alta sensibilidade.

Se os dois resultados iniciais forem inconclusivos e não surgir diagnóstico alternativo neste período, uma terceira dosagem deve ser realizada em 3 horas. E, de outra forma, se não houver disponibilidade de troponina de alta sensibilidade, deve-se realizar dosagem em 3-6 horas para descartar o diagnóstico.   

Ainda na investigação diagnóstica, cateterismo de urgência deve ser realizado para fins diagnósticos (e terapêutico) em pacientes com SCASSST se houver angina refratária, instabilidade hemodinâmica ou instabilidade elétrica. Por outro lado, se os exames anteriores forem inconclusivos para o diagnóstico, pode-se considerar observação em emergência para monitorização e repetição dos testes acima (ECG e troponina) e realização de exame não invasivo antes da alta (ou em até 72 horas após a liberação).

Por fim, deve-se lembrar que SCA não é a única causa potencialmente fatal de dor torácica; dissecção de aorta, tromboembolismo venoso, pneumotórax são alguns dos diagnósticos diferenciais que devem ser considerados e adequadamente investigados se surgir a suspeita.   

Segundo: condutas e cuidados imediatos a serem realizados
 

Assim como ocorre em outras doenças de evolução hiperaguda a avaliação diagnóstica e intervenções básicas devem ser realizadas de forma associada, quase síncrona. Desta forma, em pacientes em que SCA é o diagnóstico mais provável, deve-se realizar as seguintes medidas: 

  • Garantir o ABC básico de manutenção da vida: abertura de via área (
    airway
    ), ventilação (
    breathing
    ) e suporte circulatório (
    circulation
    ).  
  • História e exame físico dirigidos: 
    • História: além de caracterizar a dor, com especial atenção a cronologia, localização e qualidade, deve-se investigar episódios prévios de SCA, fatores de risco (DM, HAS, dislipidemia), uso de cocaína, doenças prévias, medicamentos em uso e sintomas associados. Por fim, a caracterização dos sintomas é fundamental para alertar para outros diagnósticos potencialmente graves.  
    • Exame físico: no exame físico deve-se estar atento ao ABC (vide acima) e à sinais de hipoperfusão tecidual, como hipotensão, taquicardia, alteração do sensório, má perfusão periférica e moteamento da pele. Um exame neurológico sumário é fundamental para descartar lesões focais e déficits que contraindiquem uso de trombolítico (caso indicado). Além disso, sinais de insuficiência cardíaca (presença de congestão pulmonar, turgência jugular, B3) indicam sinais de choque cardiogênico e casos mais graves; a classificação de Killip e Kimball é muito útil para predição de morte. 
  • Neste momento um ECG já deve ter sido realizado e avaliado pelo médico. 
  • Alguns cuidados e monitorizações devem estar sendo realizados: 
    • Monitorização cardíaca contínua, bem como de sinais vitais; 
    • Oferta de oxigênio com albo de saturação ≥90%; 
    • Acesso venoso; 
    • Coleta de exames laboratoriais: eletrólitos, função renal e hemograma são rotineiramente solicitados. Exames de coagulação devem ser realizados em pacientes com risco elevado de complicações hemorrágicas, incluíndo aqueles usando varfarina ou heparina, pacientes com hepatopatia ou história prévia de sangramento aumentado. Demais exames dependem das suspeitas diagnósticas e da história médica pregressa.  
  • Administrar: 
    • Aspirina (300 mg) para ser mastigada e engolida, exceto na suspeita de dissecção de aorta; 
    • Nitratos (propatilnitrato 10 mg sublingual, nitroglicerina 40 mcg/min EV) para controle de dor torácica, hipertensão ou insuficiência cardíaca. Preferência por via oral, mas via endovenosa em caso de persistência. Não administrar se sinais de choque ou uso de inibidores da fosfodiesterase (sildenafil e congêneres); 
    • Beta-bloqueador (metoprolol 25 mg VO ou 5 mg EV) na maioria dos pacientes, com preferência pela via endovenosa em pessoas hipertensas. Não administrar se sinais ou alto risco para insuficiência cardíaca, bradicardia, uso de cocaína, doença pulmonar obstrutiva grave (asma ou DPOC principalmente); 
    • Morfina (2-4 mg EV por dose) para controle de dor persistente apesar dos medicamentos anteriores. 
    • Iniciar estatina (atorvastatina 80 mg) de alta potência o mais precoce possível; 
  • Atentar para insuficiência cardíaca agudamente descompensada e tratar de acordo (nitrato, diuréticos, ventilação não invasiva).  

Terceiro: medidas adicionais e definindo tratamento de reperfusão
 

O restante do manejo depende da conclusão diagnóstica e do tipo de SCA. Para pacientes com
SCASSST
, deve-se usar terapia antiplaquetária adicional, sendo ticagrelor (180 mg) preferencial. Clopidogrel (300 ou 600 [preferencial] mg) é opção naqueles que forem para estratégia invasiva, em especial em pacientes mais velhos, com maior risco de sangramento (coagulopatia, sangramento ativo ou recente, anemia) ou com AVC prévio.

Para pacientes com eventos considerados de muito alto risco (alterações dinâmicas no ECG, dor persistente, instabilidade hemodinâmica), tirofiban (inibidor da GP IIb/IIIa - 25 mcg/kg dose de ataque) deve ser considerado para aqueles que não forem para estratégia invasiva.

Adicionalmente, anticoagulação deve ser dada para a maioria dos pacientes, sendo heparina (e bivalirudin) preferencial para aqueles que forem para estratégia invasiva e enoxaparina ou fondaparinux para aqueles que forem manejados de forma conservadora.   

Os pacientes com
SCACSST
tem recomendações semelhantes (uso de antiplaquetários e anticoagulação), mas com diferentes doses e medicamentos a depender da terapia de reperfusão utilizada (ver próxima sessão):  

  • Pacientes submetidos a cateterismo (com angioplastia e stent): 
    • Antiplaquetários: ticagrelor 180 mg ou prasugrel 60 mg dose de ataque. Se alto risco de sangramento ou contraindicação aos medicamentos anteriores (AVC prévio, idade maior que 75 anos, peso menor que 75 anos), clopidogrel 600 mg; 
    • Anticoagulação: heparina (dose de ataque 50-70 UI/kg, dose máxima 5000 UI). Bivalirudin alternativa, em especial para aqueles que receberam clopidogrel.  
  • Pacientes submetidos a terapia fibrinolítica: 
    • Antiplaquetários: clopidogrel 300 mg dose de ataque; reduzir para 75 mg se mais de 75 anos; 
    • Anticoagulação: enoxaparina (ataque 30 mg EV; se > 75 anos, iniciar 0,75 mg/kg subcutâneo) é preferencial. Bivalirudin para aqueles com alto risco de sangramento e heparina para os pacientes em que se está antevendo cateterismo no horizonte próximo.  
  • Pacientes que não foi possível realizar estratégia de reperfusão: 
    • Antiplaquetários: ticagrelor 180 mg dose de ataque; 
    • Anticoagulação: enoxaparina (ataque 30 mg EV; se > 75 anos, iniciar 0,75 mg/kg subcutâneo) é preferencial e heparina alternativa.  

Além das intervenções apresentadas acima, uma das principais medidas em pacientes com SCA, em especial SCACSST, é a realização de estratégia de reperfusão. Da mesma forma como vimos na sessão anterior, existem algumas peculiaridades nesta decisão a depender do contexto e tipo de SCA que o paciente apresenta.   

Pacientes com
SCACSST
a abordagem preferencial é sempre cateterismo
para buscar angioplastia e implante de stent. Porém a depender da disponibilidade e distância para o recurso, pode-se optar por uso de fibrinólise.

Em resumo, se não houver possibilidade de cateterismo dentro de 120 minutos da chegada para atendimento, o paciente tiver menos de 12 horas do início dos sintomas e não houver contraindicações absolutas, deve-se realizar fibrinólise imediata (e buscar cateterismo para um segundo momento).

São contraindicações absolutas sangramento intracraniano, lesão cerebral vascular ou neoplasia maligna, AVC isquêmico nos últiuimos 3 meses, suspeita de disseção de aorta, diátese hemorrágica ou trauma craniano maior nos últimos 3 meses. O agente a ser utilizado depende da disponibilidade local. Alteplase (15mg em 1 a 2 minutos e após 0,75 mg/kg [até 50 mg] em 30 minutos e mais 0,5 mg/kg [até 35 mg] nos próximos 60 minutos) e tenecteplase (dose única de acordo com o peso, variando de 30 mg se < 60 kg com ingrementos de 5 mg a cada 10 kg e dose máxima de 50 mg se ≥90 kg) são as drogas preferenciais.

Pacientes com dor persistente, piora hemodinâmica ou sinais de reoclusão devem fazer cateterismo de resgate com urgência.  

Já para os indivíduos com
SCASSST o cateterismo é a estratégia de reperfusão para pacientes selecionados
. Devem ser considerados para esta abordagem em até 24 horas aqueles com escore
TIMI
> 4, escore
GRACE
> 140 ou alterações dinâmicas no eletrocardiograma. Aqueles que desenvolvem instabilidade hemodinâmica, arritmias ventriculares, insuficiência cardíaca aguda e angina refratária devem realizar cateterismo de forma imediata (em até 2 horas).

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