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Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação: o que é, quadro clínico e atuação do fisioterapeuta

O movimento é parte do desenvolvimento infantil, pois oferece a oportunidade de diversas e importantes interações sociais e físicas, promovendo a aquisição de diversas experiências motoras e afetivas. A complexa interação entre ação, percepção e cognição é requisitada ao explorarmos e monitorarmos o ambiente.

Ao explorarmos o espaço, resolvermos problemas motores, expressamos nossas ideias e nos relacionarmos com outras pessoas. O movimento melhora nossa eficiência nos domínios da percepção e cognição, além de impactar as interações sociais.

Entretanto, ao longo do processo de desenvolvimento motor da criança, podemos encontrar disfunções que muitas vezes passam despercebidas por quem está mais próximo da criança, como os pais/cuidadores e/ou professores.

Essas disfunções motoras podem ter origem no Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC). Esse tema tem sido estudado nos últimos 20 anos, focando em crianças com problemas de coordenação motora que não são decorrentes de deficiências intelectuais, sensoriais primárias ou neurológicas. Normalmente, essas crianças não possuem um diagnóstico formal e recebem pouca ou nenhuma assistência especializada.

Esta disfunção pode ter impacto nas atividades habituais da criança como o ato de colocar e tirar a roupa com botão/zíper, ao amarrar os calçados, bem como nas atividades que há a necessidade do planejamento da ação motora, como saltos, dribles, corrida com mudança de direção. Frequentemente, apresentam falta de equilíbrio, ritmo, orientação espacial e coordenação motora, influenciando negativamente também em sua vida acadêmica e social.

Além dos impactos funcionais e sociais, o TDC demanda dos sistemas de saúde uma vez que os distúrbios sensório-motores são responsáveis por até 50% dos atendimentos encaminhados para a fisioterapia e terapia ocupacional. 

O que é o Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação

O Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC) é uma condição comum e crônica que resulta em consequências consideráveis na vida diária. A literatura indica uma prevalência de 5% a 6% entre as crianças, sendo que pelo menos 2% das pessoas com inteligência típica apresentam grandes limitações na vida cotidiana e acadêmica. Outros 3% têm algum grau de comprometimento funcional nas atividades diárias ou laborais.

O TDC tem um impacto significativo na vida diária, pois as crianças apresentam dificuldades com atenção, processamento e velocidade na execução das tarefas, além de sintomas de desatenção e hiperatividade. Há anos discute-se o fato de algumas crianças em idade escolar terem dificuldades de coordenação motora fina ou global, manifestando movimentos desajeitados. Segundo especialistas, o TDC representa um comprometimento acentuado no desenvolvimento da coordenação motora e na aquisição de novas habilidades motoras, em contraste com a apraxia do adulto, que é um distúrbio na execução de movimentos já aprendidos.

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) estabelece quatro critérios para o diagnóstico do Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC). Esse diagnóstico é considerado para crianças que, desde o início do desenvolvimento, apresentam aquisição e execução de habilidades motoras coordenadas substancialmente abaixo do esperado para sua idade cronológica e nível de inteligência, levando em conta a oportunidade de aprender e usar essas habilidades. O diagnóstico é feito na ausência de problemas neurológicos ou físicos.

A etiologia da TDC não tem causa definida, mas entende-se como um transtorno do neurodesenvolvimento que pode ter relação com o sistema nervoso central. Crianças prematuras, com baixo peso ao nascimento, apresentam maior chance de apresentarem o TDC. Ainda, esses fatores podem somar-se a dificuldade de aprendizagem e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade dificultando ainda mais o diagnóstico, já que é uma condição subestimada pelos profissionais de saúde e educação.

Quadro clínico

Várias limitações nas atividades têm sido documentadas em crianças com TDC. Em atividades coletivas, como jogos com bola, podem se destacar de seus pares por não serem capazes de participar. 

Nas séries inicias, são identificadas pelas dificuldades na percepção visual, leitura e escrita, com atividades que solicitem a coordenação motora fina (desenhar, recortar) ou através das habilidades de coordenação motora grossa (prática de esporte). São crianças que representam um grupo heterogêneo e que experienciam uma variedade de limitações, como, por exemplo, déficits na coordenação visomotora, na pronunciação de palavras, que podem durar até a adolescência.

Crianças com Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação podem enfrentar dificuldades em diversas tarefas rotineiras tanto em casa quanto na escola. No ambiente domiciliar, podem ter problemas ao vestir-se, colocar meias, usar prendedores, fechar e abrir roupas com zíper, calçar sapatos ou botas, amarrar cadarços, utilizar utensílios, tomar banho e lavar o cabelo.

Na sala de aula, essas crianças podem ter dificuldades ao usar materiais escolares, como tesouras e cola, e podem apresentar uma escrita mais lenta ou desorganizada. Seus desenhos podem parecer imaturos para a idade escolar, e elas podem ter dificuldades no manuseio do lápis e em atividades rítmicas e motoras durante as aulas de ginástica ou educação física, como marcha e corrida desajeitadas.

Nas atividades ao ar livre ou na interação com outras crianças e familiares fora da sala de aula, as dificuldades podem incluir o uso de brinquedos nos parques, andar de bicicleta, patinar, pular corda e praticar esportes que envolvem arremessos, chutes e passes de bola.

Crianças com TDC tendem a evitar atividades complexas que exigem atenção e organização motora, devido ao fracasso repetido ao tentar realizá-las. Como consequência, elas podem desenvolver baixa autoestima, ansiedade e depressão, além de enfrentar exclusão social e problemas familiares, o que pode levá-las ao isolamento social ao longo da vida. Esse contexto pode limitar suas tentativas de desenvolver competências e diminuir a motivação para enfrentar novos desafios e oportunidades.

Um olhar atento da equipe escolar e da família ao observar as atividades que a criança é esperada a realizar ou deseja realizar, mas não consegue, é fundamental para o reconhecimento do TDC ou a identificação de padrões anormais no funcionamento infantil. Esse reconhecimento possibilita o encaminhamento para atendimento especializado nas áreas de fisioterapia e terapia ocupacional.

As principais recomendações clínicas da
European Academy of Childhood Disabilit
y (EACD) para o manejo de crianças, adolescentes e adultos com TDC indicam o uso da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Sendo assim, o profissional fisioterapeuta deverá compor a avaliação/diagnóstico e tratamento considerando as áreas:

  • função e estrutura corporal (desempenho motor, funções motoras básicas, funções perceptivas, funções executivas);
  • fatores pessoais (qualidade de vida, bem-estar, satisfação, enfrentamento, motivação para o tratamento);
  • atividades (atividades da vida diária, desempenho escolar, limitação de atividades, atividades pré-vocacionais e vocacionais, atividades de lazer);
  • participação (integração social, carga social de desordem, participação desportiva, restrições de participação);
  • e fatores ambientais (recursos socioeconômicos (instalações de creche/escola, recursos financeiros, recursos terapêuticos, disponibilidade de clube esportivo, enfrentamento/compensação pela família, professores, materiais adaptativos, equipamentos esportivos, etc).

Atuação do fisioterapeuta

Em 2020, a Academy of Pediatric Physical Therapy da American Physical Therapy Association publicou uma Diretriz de Prática Clínica com o objetivo de fornecer estratégias de gerenciamento e informações para fisioterapeutas, clínicos e familiares de pacientes com Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC). O processo terapêutico é dividido em três etapas:

  1. Exame físico e histórico de saúde para crianças com dificuldades motoras, em risco de desenvolver TDC ou já diagnosticadas.
  2. Intervenção com fisioterapia para crianças em risco ou já diagnosticadas com TDC.
  3. Planejamento da alta terapêutica da criança com TDC.

A primeira etapa consiste em realizar um levantamento da história de vida e saúde da criança e uma revisão dos sistemas orgânicos das crianças com suspeita ou diagnosticadas com TDC. Também se sugere contato com outros profissionais que já acompanharam a criança sobre outros diagnósticos, tratamentos e potenciais informações sobre o desenvolvimento motor.

É importante realizar o levantamento de informações com a criança, pais e cuidadores sobre a participação da criança nos lugares que são importantes para a mesma juntamente com a utilização de instrumentos como o
Canadian Occupational Performance Measure – COPM
.

O exame da função motora envolve a análise do movimento no ambiente clínico ou natural da criança para identificar características qualitativas que possam contribuir para a desorganização motora. O uso de questionários, como o Developmental Coordination Disorder Questionnaire 2007 (DCDQ'07) e o Movement Assessment Battery for Children – Second Edition Checklist (MABC-2-C), é recomendado para identificar limitações nas atividades em casa, na escola e em locais de convivência.

A avaliação da performance motora deve ser feita através de escalas padronizadas, como o Movement Assessment Battery for Children – Second Edition (MABC-2) e o Bruininks-Oseretsky Test of Motor Proficiency – 2nd edition (BOT-2), para investigar dificuldades na realização de movimentos que estão abaixo do esperado para a idade em crianças com dificuldades de coordenação, em risco ou diagnosticadas com TDC. Por último, sugere-se o uso da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) para documentar disfunções ao nível das funções e estruturas corporais.

Na segunda etapa, são sugeridas intervenções focadas em tarefas combinadas com funções e estruturas corporais, tais como treinamento de funções motoras, tarefas neuromotoras, orientação cognitiva para o desempenho ocupacional diário e imagens motoras. Além disso, incluem-se treinamento para o core, cardiorrespiratório e exercícios funcionais. As sessões de treinamento são recomendadas tanto individualmente (1:1) quanto em pequenos grupos (4-6:1).

Para o desenvolvimento de habilidades motoras, sugere-se iniciar diferentes modalidades esportivas, como futebol e artes marciais, que promovam a participação da criança em atividades sociais e melhorem suas habilidades motoras. Tanto nas atividades esportivas quanto em casa, o terapeuta pode realizar educação em saúde, enfatizando a importância da família e dos cuidados na manutenção das intervenções terapêuticas no dia a dia da criança.

O objetivo é que a criança participe dessas atividades de 2 a 5 vezes por semana, durante um período de até 9 semanas.

Por último, o planejamento da alta fisioterapêutica envolve alinhar com a equipe e familiares os progressos alcançados durante o período de acompanhamento, além de discutir recomendações para a família e cuidadores. Também é importante programar uma nova avaliação dos aspectos motores da criança em um período futuro.

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