Vitamina D: o que dizem as diretrizes mais recentes?

Nos últimos anos, a vitamina D ganhou destaque na prática clínica (e mesmo na mídia geral), sendo a "vitamina da moda". Estudos observacionais associaram baixos níveis de vitamina D a maior risco de fraturas, doenças cardiovasculares, diabetes e doenças autoimunes. No entanto, é importante lembrar que associação não implica causalidade: esses estudos, por si só, não comprovam que a suplementação de vitamina D realmente previna ou trate essas doenças.
O interesse pela vitamina D levou a um aumento expressivo nas solicitações de dosagem e no uso de suplementos, especialmente nos Estados Unidos — tendência que, embora sem dados oficiais, provavelmente se refletiu também no Brasil. Da mesma forma, a comunidade científica tem buscado entender melhor os reais benefícios da vitamina D, por meio de estudos clínicos mais robustos. Como resultado, diversas recomendações foram publicadas nos últimos anos, com o objetivo de orientar o uso racional da suplementação com base nas melhores evidências disponíveis.
Neste post, vamos focar nas diretrizes recentes da
Endocrine Society
e da USPSTF (força tarefa dos Estados Unidos para avaliação de medidas preventivas) mais recentes sobre o tema para a população adulta em geral e tentar entender para quais grupos a suplementação de vitamina D está recomendada. Vale destacar que situações mais específicas (como pessoas com desabsorção ou usuários de anticonvulsivantes) não são parte destas recomendações.
População em geral: indivíduos saudáveis
O primeiro passo no processo decisório sobre vitamina D é entender para quais indivíduos devemos indicar a dosagem laboratorial e a suplementação. Um ponto fundamental precisa ser destacado desde o início: apesar do nome, a vitamina D não se enquadra perfeitamente na definição de um micronutriente clássico. Isso porque, por definição, micronutrientes são substâncias que o organismo não é capaz de sintetizar – o que não se aplica à vitamina D, cuja produção endógena ocorre naturalmente a partir da exposição solar adequada. Apesar disso, considerando os hábitos de vida atuais, é comum exposição solar insuficiente e, adiciona-se a isso que vitamina D é um nutriente infrequente na maioria das dietas. Dessa forma, a principal pergunta que as diretrizes visam responder é a eficácia do uso rotineiro de vitamina D em grandes grupos populacionais.
Ainda assim,
para a população geral, não há indicação de suplementação além do consumo mínimo recomendado
, que é de 600 UI por dia para pessoas até 70 anos e 800 UI para indivíduos com mais de 70 anos.
Da mesma maneira,
a testagem sistemática dos níveis séricos de vitamina D também não é recomendada em adultos e idosos saudáveis.
É interessante destacar que essa posição se baseia em uma ampla revisão da literatura, em que vários desfechos clinicamente relevantes foram analisados e, no conjunto, os benefícios foram pequenos ou inexistentes.
A recomendação acima expressa a posição da
Endocrine Society
, que é semelhante a da USPSTF, ainda que com algumas nuances. A USPSTF considera que as evidências atuais são insuficientes para recomendar, a favor ou contra, o rastreamento populacional de deficiência de vitamina D por meio de exames laboratoriais. Em outras palavras, embora com pequenas diferenças de abordagem, ambas as organizações apontam que, no momento, não há justificativa baseada em evidências robustas para a dosagem ou suplementação sistemática de vitamina D em indivíduos saudáveis.
Já para
indivíduos com mais de 75 anos, a
Endocrine Society
indica reposição empírica de vitamina D em doses “baixas” e diárias
por terem identificado possível redução de mortalidade na revisão sistemática da literatura que embasa a diretriz. Dois pontos sobre essa recomendação merecem destaque. O primeiro é que não definem o que é dose baixa, mas dizem que a dose média nos estudos foi 900 UI ao dia. E o segundo é que a suplementação pode ser tanto com alimentos enriquecidos, quanto com formulações vitamínicas.
Subgrupos específicos
A relação entre níveis mais altos de vitamina D e menor risco de doenças fez com que ela fosse testada na prevenção de várias condições. Por exemplo, para pessoas com pré-diabetes, a
Endocrine Society
identificou evidências suficientemente robustas para sugerir o uso de suplementação de vitamina D para prevenir o desenvolvimento de diabetes tipo 2.
Baseada em sua revisão da literatura, a USPSTF conclui que a suplementação com até 400 UI de vitamina D e 1 g de cálcio por dia não deve ser usada para prevenção primária de fraturas em mulheres saudáveis pós-menopausa. Para doses maiores, assim como para o uso em homens e mulheres pré-menopausa, as evidências são consideradas insuficientes.
Já em mulheres grávidas (sem outras condições de saúde), apenas a
Endocrine Society
fornece recomendações específicas e diz que os ensaios clínicos disponíveis indicam um potencial benefício com a reposição de vitamina D para redução do risco de pré-eclâmpsia e PIG (pequeno para idade gestacional), morte intra-uterina e neonatal, parto pré-termo. Não fica estabelecida a dose (variando de 600 a 5000 UI, média 2500 UI) e a reposição pode ser feita tanto com alimentos fortificados, quanto com suplementos vitamínicos.
Por fim, em pessoas com obesidade e com cor de pele preta, não recomenda-se rastreamento sistemático de deficiência de vitamina D com exames laboratoriais.
Limitações
É muito salutar que ambos grupos de recomendações apresentados aqui (
Endocrin Society
e USPSTF) baseiam-se em revisões sistemáticas de ensaios clínicos para definir suas posições. Ainda assim, existem limitações que devem ser apontadas. Talvez a principal é que na maioria dos estudos avaliando os benefícios de vitamina D, os pacientes já tinham no início níveis adequados. Ou seja, os resultados negativos podem não representar os efeitos da suplementação em pessoas com níveis reduzidos. Adicionalmente, a maior parte dos estudos incluiu pessoas saudáveis, portanto as recomendações são focadas neste grupo. Ou seja, para situações específicas (por exemplo, uso de anticonvulsivantes) os estudos são limitados.
Além do ponto acima, existe uma grande variabilidade das doses de vitamina D testadas, ou seja, não é possível determinar um esquema de tratamento preferencial. Além disso, em um grande número de estudos (principalmente avaliando benefícios na saúde óssea) a administração de vitamina D foi associada com cálcio e assim é difícil interpretar os efeitos de um dos componentes isoladamente.
Conclusão
Em resumo, as diretrizes mais recentes não recomendam a testagem laboratorial nem a suplementação rotineira de vitamina D em pessoas saudáveis. No entanto, há grupos específicos – como idosos com mais de 75 anos, gestantes e pessoas com pré-diabetes – que podem se beneficiar da reposição, devendo ser avaliados individualmente.