O MAIOR ECOSSISTEMA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE DO BRASIL

Artmed

O MAIOR ECOSSISTEMA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE DO BRASIL

Artmed
  • Home
  • Conteúdos
  • Afogamento em pediatria: classificação e atendimento de emergência

Afogamento em pediatria: classificação e atendimento de emergência

A cada ano, o afogamento é responsável por aproximadamente 500.000 mortes no mundo. O número exato não é conhecido porque grande número de mortes não é notificado. Idade (em seus extremos), sexo (masculino), uso de bebidas alcoólicas, condição socioeconômica (considerando renda ou escolaridade) e a falta de supervisão são os principais fatores de risco para o afogamento.

Considerando-se todos os grupos etários, homens morrem cinco vezes mais por afogamento que mulheres. Aproximadamente 40% a 45% das mortes ocorrem durante a recreação na água. Crianças, adolescentes e idosos são os grupos etários com maior probabilidade de afogamento.  

No Brasil, o afogamento é a primeira causa de morte na faixa de 1 a 4 anos, a segunda causa entre 5 e 9 anos, e a terceira entre 10 e 14 anos de idade. Outra faixa etária de importância é a de 15 a 19 anos. Em nosso país, há uma média de 7.210 mortes por afogamento ao ano (5,2/100.000 habitantes). Ironicamente, 90% delas ocorrem a dez metros de algum tipo de segurança.  

E para cada criança que morre por afogamento inúmeras sobrevivem (número difícil de estimar no mundo), algumas sem sequelas, mas muitas apresentarão desde alterações neurológicas leves (distúrbios de memória, de aprendizado, por exemplo) até quadros de lesões neurológicas graves (coma, estado vegetativo persistente). 

Menores de 1 ano costumam se afogar em banheiras, baldes, vasos sanitários. A possibilidade de causa intencional sempre deve ser considerada. Cerca de 8% das crianças internadas em centro terciário pediátrico podem ser vítimas de maus-tratos e se faz necessário, sempre, comparar dados inconsistentes de história ou incompatíveis com a capacidade de desenvolvimento. Crianças de 1 a 4 anos costumam se afogar em fontes de água desprotegidas dentro de 20 metros da casa (piscinas, espelhos d' água, tanques, etc), enquanto crianças mais velhas e adultos tendem a se afogar em rios, lagos ou no oceano durante atividades recreativas, como passeios de barco ou mergulho. 

Classificação e condutas iniciais

A classificação de afogamento leva em consideração o grau de insuficiência respiratória e, consequentemente, a gravidade do caso. É realizada no local do afogamento e vai orientar as medidas de suporte básico de vida. A classificação proposta pela Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (SOBRASA) está resumida abaixo.

Essa classificação se baseia no Score de Szpilman,  um sistema de classificação utilizado para avaliar a gravidade do afogamento, orientar o tratamento e prever o prognóstico. Ele classifica os pacientes em seis graus, com base em achados clínicos como nível de consciência, ausculta pulmonar e presença de hipotensão 

Score de Szpilman 

  • Grau 1: Ausculta pulmonar normal com tosse. Estes pacientes geralmente não necessitam de oxigênio ou suporte ventilatório. 
  • Grau 2: Ausculta pulmonar anormal com estertores em alguns campos pulmonares. A maioria destes pacientes necessita de oxigênio via cânula nasofaríngea. 
  • Grau 3: Ausculta pulmonar com edema agudo de pulmão sem hipotensão arterial.  Mais de 70% desses pacientes precisam de intubação e ventilação mecânica. 
  • Grau 4: Ausculta pulmonar com edema agudo de pulmão com hipotensão arterial. Estes pacientes precisam de intubação orotraqueal em 100% dos casos, devido à necessidade de ventilação com pressão positiva. 
  • Grau 5: Parada respiratória isolada.  Estes pacientes exigem ventilação artificial imediata. 
  • Grau 6: Parada cardiorrespiratória. Estes pacientes necessitam de ressuscitação cardiopulmonar imediata. 

O suporte avançado de vida no local é um tema complexo e mais extenso, por esse motivo não é descrito detalhadamente neste artigo, para mais informações sobre suporte avançado no local do atendimento,
acesse aqui
. Neste artigo, estão resumidas as principais informações a respeito do cuidado de pacientes vítimas de afogamento.  

Particularidades no atendimento hospitalar
 

O escore de Szpilman é útil para determinar a necessidade de internação hospitalar.  Pacientes classificados nos graus 3 a 6 devem ser internados na UTI, enquanto pacientes no grau 2 devem ser observados na sala de emergência por 6 a 24 horas. Pacientes no grau 1 e resgates sem queixas podem receber alta. 

Além disso, o escore de Szpilman está associado à duração da internação hospitalar e ao grau de hipóxia. Um estudo demonstrou que à medida que o escore de Szpilman aumenta, a partir do grau 3, há uma correlação positiva com os níveis de lactato e a duração total da internação hospitalar. 

O escore de Szpilman também auxilia na tomada de decisões sobre a estratégia de ventilação. Para pacientes de graus 3 e 4, é proposto o uso de terapia de oxigênio de alto fluxo e/ou ventilação mecânica. A ventilação não invasiva (VNI) pode ser utilizada como uma alternativa para pacientes de graus 3 e 4, e o estudo demonstrou que a aplicação precoce de VNI no departamento de emergência encurtou o tempo de internação na UTIP e no hospital. 

Ao admitir o paciente, é fundamental realizar uma avaliação completa, incluindo histórico, exame físico detalhado e exames complementares como radiografia de tórax e gasometria arterial, além de hemograma e eletrólitos. A classificação da gravidade do afogamento é essencial para guiar o tratamento e prever o prognóstico. O escore de Szpilman é usado para classificar os pacientes em seis graus, de acordo com achados clínicos. 

Pacientes nos graus 3 a 6 devem ser internados na UTI, enquanto os do grau 2 são observados na emergência por 6 a 24 horas. Pacientes do grau 1 e resgatados sem queixas podem ter alta. 

Suporte Respiratório 

A hipóxia é a principal alteração fisiopatológica no afogamento, tornando o suporte respiratório uma prioridade.   

A ventilação não invasiva (VNI), como cânula nasal de alto fluxo (HFNC) ou pressão positiva de dois níveis nas vias aéreas (BiPAP), pode reduzir o tempo de internação na UTIP e no hospital, além de prevenir a necessidade de ventilação mecânica invasiva. A VNI é indicada para pacientes com escore de Szpilman 3 ou 4, com taxas respiratórias elevadas, crepitações pulmonares, alterações radiológicas e hipoxemia. 

Pacientes nos graus 4 a 6 geralmente chegam intubados e em ventilação mecânica. Se não, deve-se seguir o protocolo para afogamento grau 4. Iniciar ventilação com balão auto-inflável e oxigênio a 15 L/min e compressões cardíacas, se necessário, até a intubação orotraqueal.  

A intubação orotraqueal é necessária para edema agudo de pulmão com hipotensão (grau 4). A ventilação mecânica é indicada quando SaO2 <90%, PaCO2 > 45 mmHg, alta frequência ou esforço respiratório. O volume corrente deve ser de pelo menos 5mL/kg, com FiO2 inicial de 100%. A pressão expiratória final positiva (PEEP) deve ser iniciada em 5 cmH2O, com ajustes até o shunt intrapulmonar ser de 20% ou menos. A manobra de Sellick pode prevenir aspiração, e a aspiração da cânula traqueal deve ser feita só se o fluido prejudicar a ventilação16. 

Suporte Hemodinâmico 

A hipotensão deve ser tratada com infusão rápida de cristalóide antes de reduzir a PEEP. Em disfunção cardíaca com baixo débito, a dobutamina pode ser benéfica. A acidose metabólica deve ser corrigida se o pH for <7,20 ou o bicarbonato <12 mEq/L, com suporte ventilatório adequado. O bicarbonato é indicado em reanimações prolongadas. 

Monitorização e cuidados adicionais 

É crucial monitorar a temperatura e evitar hipertermia, induzindo hipotermia leve (35°C) por 12-24 horas se necessário. Devemos também, monitorar sinais de edema cerebral em casos de coma, elevando a cabeceira, além de outras medidas para evitar o aumento da pressão intracraniana.   

A pneumonia secundária pode ocorrer após alguns dias de internação, sendo importante monitorar os aspirados traqueais em pacientes que estejam em intubação orotraqueal. A radiografia de tórax não é um sinal específico de pneumonia.

Prognóstico
 

Os afogados de grau 3 a 6 apresentam potencial para evoluir para falência de múltiplos órgãos. Com o progresso da terapia intensiva, o prognóstico é cada vez mais baseado no quadro neurológico final. Afogados de grau 1 a 5 recebem alta hospitalar em 95% das vezes. A maior preocupação dos investigadores é relativa aos afogados de grau 6.  

Múltiplos estudos mostram que o prognóstico depende quase que unicamente de um único fator: o tempo de submersão. Profissionais treinados em suporte básico e avançado de vida possibilitam às vítimas melhores chances de sobrevivência, considerando-se o tempo de parada cardiorrespiratória (tempo de submersão incluído). Tomando como base o relato de um afogado ressuscitado com êxito após duas horas de reanimação cardiopulmonar, os esforços só devem ser interrompidos após o aquecimento da vítima a 34o C – “ninguém está morto, até estar quente e morto”.  

Depois da realização da ressuscitação com êxito, a estratificação da gravidade das lesões cerebrais é crucial para permitir a comparação das diversas opções terapêuticas. Vários sistemas de escore de prognóstico foram desenvolvidos para prever quais pacientes vão evoluir bem com a terapia padrão e quais estão mais propensos a desenvolver a encefalopatia anóxica isquêmica, requerendo assim medidas mais agressivas para proteger o cérebro.  

Um dos escores mais poderosos é a avaliação da escala de coma de Glasgow no período imediato após a ressuscitação (1a hora). As estatísticas demonstram que pacientes que permanecem em coma profundo (isto é, decorticação, descerebração ou flacidez) por duas a seis horas após o resgate evoluem para morte cerebral ou apresentam lesões cerebrais moderadas a graves.  

Pacientes que melhoram clinicamente, mas permanecem irresponsivos, apresentam 50% de chance de se recuperar de modo satisfatório. A maior parte dos pacientes com franca melhora clínica e que estão responsivos, torporosos ou obnubilados, mas respondem às solicitações verbais após duas a seis horas do resgate, recuperam totalmente ou em grande parte a função neurológica.  

Essas variáveis prognósticas são importantes para aconselhar as famílias dos afogados nos primeiros momentos após o acidente e, também, para demonstrar quais pacientes são propensos a se recuperar com a terapia de suporte padrão e quais deveriam ser candidatos a terapias de ressuscitação cerebral ainda em fase experimental de investigação clínica. 

Conclusão 
 

O treinamento em habilidades básicas de natação e segurança aquática para crianças a partir de 6 anos, bem como a implementação de regulamentações sobre cercas de piscinas e uso de dispositivos de flutuação, são considerados promissores em termos de prevenção de afogamento.  

Apesar do progresso no tratamento, o afogamento continua a ser um problema de saúde pública negligenciado que necessita de campanhas de prevenção, principalmente em áreas do interior do país, onde a maioria dos afogamentos ocorrem em água doce.  

A conscientização e a educação da comunidade, juntamente com a atuação dos profissionais de saúde, são essenciais para reduzir a morbimortalidade por afogamento.