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Anisocoria: mecanismos, causas e investigação

A visão é um sentido de grande eficiência para assimilar informações do ambiente. Fisiologicamente, os feixes de luz são traduzidos em despolarizações neuronais a partir da retina e conduzidos através dos nervos ópticos ao córtex visual na região occipital para a formação da imagem.  

Antes de chegar à retina, a luz (informação que se transforma em imagem) deve passar pelo globo ocular, ou seja, é necessário uma afinação perfeita entre córnea, cristalino, musculatura ocular extrínseca e pupilas. As pupilas, além da função de “janelas da alma”, como referidas no poético ditado popular, são responsáveis pelo controle da quantidade de luz que entra no globo ocular e é transmitida à retina.   

Sendo assim, suas anormalidades podem indicar alterações do funcionamento de algum ponto desse sistema e ser causadas por condições benignas até patologias ameaçadoras da vida. Dessa forma, a identificação de alterações pupilares e a compreensão das suas causas é um importante desafio para o clínico.  

Afinal, como funcionam as pupilas?
 

Antes de entender os distúrbios pupilares, é necessário mergulhar em alguns conceitos da neuroanatomia. A superfície anterior da íris é dividida em duas porções: a zona periférica ciliar (zona pigmentada da íris) e a zona central pupilar.  

A pupila regula a entrada de luz através da constrição e dilatação sob efeito dos músculos ciliares. Os músculos esfíncter pupilar, que circunda a pupila de forma concêntrica, e dilatador da pupila, arranjado de forma radial, são os principais responsáveis pelo diminuição e aumento, respectivamente, do orifício pupilar.   

O grau de abertura pupilar e sua resposta à luz são simétricos (consensuais) em ambos os olhos. Isso ocorre porque aferências sensitivas de um olho fazem sinapse nos núcleos de ambos os olhos no tronco cerebral, ou seja, ao aplicar luz direta sobre um olho, ambas as pupilas se contraem. O controle do orifício pupilar faz parte do sistema autonômico. 

A constrição (miose) fisiológica da pupila é decorrente de um estímulo parassimpático
que transmite um impulso colinérgico ao esfíncter pupilar através do
III nervo craniano
(NC) desde o mesencéfalo até a musculatura pupilar. Isso indica que eventos que acometam esse nervo unilateralmente causarão anisocoria. A miose ocorre em resposta à luz e também ao reflexo de acomodação (que consiste na fixação do olhar em um objeto próximo, como a convergência do olhar para a ponta do próprio nariz); isso ocorre por ativação da mesma estrutura eferente (III NC) a partir do córtex cerebral.  

As estruturas mesencefálicas, que geram o estimulo pupilar a partir dessas duas aferências, se chamam de núcleos de Edinger-Westphal. Apesar de partilharem a mesma via eferente em termos anatômicos, as fibras que promovem o reflexo de acomodação são mais abundantes (cerca de 30:1) em relação às fibras responsáveis pelo reflexo fotomotor (relacionado à luz). Algumas patologias podem afetar o reflexo pupilar a um estímulo e não ao outro (
Quadro 1

Quadro 1.
Dissociação luz-perto do reflexo pupilar ou pupilas de Argyll-Robertson. Adaptado de (5,6). 

Argyll-Robertson, um dos primeiros cirurgiões especializados em oftalmologia, descreveu em 1869 o fenômeno de pouca ou nenhuma contração pupilar à luz, porém miose preservada ao reflexo de acomodação, evento observado inicialmente em pacientes com tabes dorsalis e outros tipos selecionados de demência. A dissociação luz-perto do reflexo pupilar ou pupilas de Argyll-Robertson decorrem de lesão pontual no núcleo olivar pré-tectal no mesencéfalo. Dessa forma, são perdidos o reflexo fotomotor e o reflexo consensual, mas não o de acomodação. Até o momento, é recomendado fazer pesquisa de sífilis em pacientes com este achado, mas outras etiologias são possíveis, como neurossarcoidose, diabetes, esclerose múltipla e herpes zoster. 

 Por outro lado,
a dilatação (midríase) pupilar fisiológica é promovida pelo sistema nervoso simpático
por meio da ativação catecolaminérgica do músculo dilatador da pupila através de um longo trajeto do hipotálamo até o olho, passando pela região cervical e o ápice do pulmão. Esta via é decomposta em 3 etapas que tem importância na localização dos eventos patológicos: 

  • o primeiro neurônio se localiza no hipotálamo e faz sinapse no núcleo de Budge, na medula espinhal (nível C8-T2), que recebe também estímulos de fibras que promovem as sensações de dor e de despertar; 
  • do núcleo de Budge deriva o segundo neurônio, que faz seu caminho pelo
    ápice pulmonar e então junto à artéria carótida comum
    , quando fará sinapse no gânglio cervical superior, localizado junto ao bulbo carotídeo; 
  • por fim, deste gânglio partem as fibras que, acompanhando
    o ramo oftálmico do nervo trigêmeo
    , diretamente exercerão a função de inervação do músculo dilatador pupilar, do músculo tarsal de Müller (elevador da pálpebra) e das glândulas sudoríparas da face.  

O que define a anisocoria?
 

Anisocoria é a assimetria de tamanho entre as pupilas e pode ser fisiológica ou patológica.
A anisocoria fisiológica abrange assimetrias, em geral, inferiores a 1mm acompanhadas de reflexos pupilares simétricos e normais à luz e à aproximação. Frequentemente nem é percebida no exame clínico, pode estar presente em até 20% dos indivíduos ao longo da vida e não necessita investigação específica. Diferenças maiores no diâmetro pupilar ou acompanhadas de perda/redução da movimentação pupilar devem gerar suspeita e investigação de um processo patológico subjacente.  

Como examinar as pupilas?
 

As pupilas devem ser examinadas inicialmente ao repouso, enquanto há exposição à luz difusa (p.ex., luz natural), e descritas em sua forma, posição e simetria. Após, é essencial examinar as pupilas em ambiente escurecido (fechar janelas, diminuir luzes), que aumenta o diâmetro pupilar e pode tornar evidentes alterações como aquelas promovidas pela síndrome de Horner (
Quadro 2
). Nesta etapa, a resposta fisiológica é de midríase. Na sequência, outros dois estímulos, desta vez promotores de miose, devem ser realizados: 

  • reflexo fotomotor, através da exposição de um olho de cada vez à uma fonte de luz focada (uma pequena lanterna), avaliando-se tanto o reflexo direto (olho iluminado) quanto o consensual (olho contralateral, não iluminado); 
  • reflexo de acomodação, que consiste na fixação do olhar em um objeto a menos de 30 cm, preferencialmente causando adução dos olhos (aproximar objeto do nariz). 

Quadro 2.
Síndrome de Horner. Adaptado de
(3,4,7)
 

A anisocoria causada pela denervação simpática em qualquer ponto do seu trajeto pode ser chamada de síndrome de Horner. A apresentação clínica é de uma pupila falha em dilatar-se com o escurecimento do ambiente; portanto, sua identificação é maximizada no escuro, quando se espera que as pupilas sejam dilatadas ao máximo. Ela pode ser completa, com anidrose da hemiface e (pseudo)ptose ocular, ou incompleta, com apenas parte dos achados. A localização da lesão entre o tronco e o nervo trigeminal ajudam a identificar a etiologia. Sintomas adicionais como ataxia, nistagmo, rouquidão e disfagia indicam lesão central (tronco / medula) e as principais etiologias são isquemia, trauma, tumor e desmielinização. Lesões no ápice pulmonar e na tireoide são consideradas de segunda ordem e incluem o clássico tumor Pancoast no ápice pulmonar. Por fim, lesões cervicais são consideradas de terceira ordem e tendem a acompanhar lesões vasculares (dissecção carotídea, aneurisma, trombose) e massas cervicais ou lesões no seio cavernoso.  

Além da avaliação das pupilas, o exame das pálpebras (sua posição e função) e da motricidade ocular extrínseca podem fornecer pistas diagnósticas (vide revisão fisiológica acima). Uma avaliação oftalmológica pode ser necessária em casos de suspeita de doenças do globo ocular opacificando a entrada de luz na retina. Deve-se lembrar que durante a anamnese podem surgir informações relevantes que expliquem achados do exame físico como condições oculares prévias (amaurose unilateral, trauma, cirurgia, infecção) e uso de medicamentos. 

Para definir
a pupila que é anormal
deve-se avaliar qual não respondeu ao estímulo esperado: 

  • a pupila miótica (pequena) será a anormal se a anisocoria for maior no escuro do que sob estímulo de luz, indicando ausência de dilatação pupilar adequada daquele lado; 
  • a pupila midriática (grande) será a anormal se a anisocoria for maior sob estímulo de luz do que no escuro, indicando ausência de constrição pupilar ipsilateral. 

 
Quais são as principais causas de anisocoria?
 

A anisocoria pode ser fisiológica, como descrito acima, ou secundária a condições tão variadas quanto uso de medicamentos até dissecções catotídeas ameaçadoras da vida. A história clínica auxilia na busca de velocidade de instalação, presença de sintomas associados (neurológicos, dor cervical) e revisão de problemas ou cirurgias oculares.  

Condições de instalação mais rápida, acompanhadas de dor ocular ou cervical, devem ser consideradas de maior risco e avaliadas imediatamente. Por exemplo, no caso de catarata unilateral, a inspeção direta ou com exame de lâmpada de fenda podem explicar uma anisocoria sem outros sintomas. Por outro lado, um paciente com síndrome de Horner de instalação aguda e acompanhada de dor cervical ou fácil, deve-se pensar em disseção carotídea.  

Vale lembrar que mesmo o uso de medicações (especialmente aquelas com efeito no sistema nervoso central) pode induzir anisocoria e não obrigatoriamente miose simétrica. 

Causas de anisocoria

Fisiológica
 

Estruturais 
 

  • Congênitas: pupilas ectópicas, membrana pupilar persistente, aniridia, coloboma de íris. 
  • Adquiridas: infecções (irite/iridociclite), isquemia de segmento anterior, trauma, glaucoma de ângulo fechado, lesão intraocular, síndrome de Horner, sinéquia posterior, síndrome de Adie, paralisia de 3º nervo craniano. 

Farmacológicas
 

  • Uso de colírio agonista parassimpático (pilocarpina) ou cicloplégico (atropina, tropicamida, ciclopentolato). 
  • Medicações de uso sistêmico: adrenalina, noradrenalina, clonidina, escopolamina, ipratrópio, organofosforados, vasoconstritores nasais, opioides, antidepressivos.