Autismo no adulto: sintomas e desafios diagnósticos

O que é Autismo?
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por déficits na interação social, dificuldades na comunicação e a presença de comportamentos repetitivos e interesses restritos. O termo “espectro” reflete a ampla variabilidade de manifestações e a diversidade de níveis de gravidade, que vão desde indivíduos com graves limitações até aqueles com habilidades acima da média em determinadas áreas (Assumpção Jr, 2023).
De acordo com a Associação Psiquiátrica Americana (APA, 2023), os critérios diagnósticos do TEA incluem déficits na comunicação social, como dificuldades na reciprocidade socioemocional — exemplificadas pela ausência de trocas emocionais ou ideias — e comprometimentos na comunicação não verbal, como a falta de gestos, contato visual ou expressões faciais. Também se observa dificuldade em estabelecer, manter e compreender relacionamentos, o que pode se manifestar, em crianças, na ausência de brincadeiras simbólicas ou, em adultos, na incapacidade de adaptar comportamentos a diferentes contextos sociais.
Outro aspecto essencial do TEA é a presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Esses padrões podem incluir estereotipias motoras, ecolalia, insistência em seguir rotinas rígidas ou interesses com intensidade atípica. Além disso, é comum a reatividade incomum a estímulos sensoriais, como hipersensibilidade a sons ou fascínio por texturas, luzes ou objetos específicos.
Os sintomas do TEA devem estar presentes desde a infância, embora possam variar em intensidade ao longo da vida. Eles precisam causar prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes, e não podem ser explicados por outros transtornos. No entanto, o TEA frequentemente coexiste com outras condições, o que pode complicar seu diagnóstico e manejo.
Diagnóstico
O diagnóstico do TEA é baseado em critérios clínicos, uma vez que não existem marcadores biológicos definidos para a condição. Ele é realizado por profissionais especializados, considerando o histórico de desenvolvimento do paciente, avaliação comportamental e o relato de cuidadores ou familiares (Bosa & Teixeira, 2017). Além do processo de diagnóstico, é importante compreender as particularidades do TEA em diferentes etapas da vida, como na idade adulta.
O diagnóstico do TEA exige uma avaliação clínica abrangente, incluindo observações diretas, relatos de cuidadores e, quando possível, autorrelatos. Instrumentos padronizados, como questionários e entrevistas, auxiliam na análise, mas o diagnóstico final depende da interpretação clínica e do impacto funcional dos sintomas. Essa abordagem reforça a importância de personalizar intervenções para atender às necessidades únicas de cada indivíduo, considerando as variações no grau de manifestação do transtorno e suas implicações no cotidiano (APA, 2023).
Por ser um transtorno do neurodesenvolvimento, é essencial explorar os marcos do desenvolvimento, realizar uma análise da linguagem, bem como dos aspectos emocionais e afetivos. Embora não seja essencial para o diagnóstico, a avaliação neuropsicológica pode auxiliar na compreensão do perfil cognitivo, avaliando funções executivas, memória e atenção (Bosa & Teixeira, 2017).
Particularidades no diagnóstico de TEA adulto
A ampliação dos critérios diagnósticos a partir da quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) em 1994, aumentou a detecção de casos sem deficiência intelectual significativa, mas também levou ao fenômeno da “geração perdida” — adultos que não receberam diagnóstico na infância (Assumpção Jr, 2023; Huang et al., 2020). Estudos sugerem que o diagnóstico precoce é um preditor positivo de qualidade de vida, facilitando a aceitação e o desenvolvimento de estratégias sociais e de saúde mental (Atherton et al., 2022).
Em alguns casos, o TEA pode ser diagnosticado apenas na idade adulta, especialmente quando o indivíduo busca avaliação após o diagnóstico de uma criança na família ou devido a rupturas nas relações pessoais ou profissionais. A ausência ou ambiguidade de informações sobre o desenvolvimento não descarta, por si só, o diagnóstico (APA, 2023).
Em adultos, o diagnóstico pode ser dificultado pelo mascaramento de sintomas, que são estratégias aprendidas para disfarçar dificuldades sociais (Alaghband-Rad et al., 2023). Embora facilite a integração social, o mascaramento está associado a altos níveis de ansiedade, depressão e exaustão emocional.
Outro desafio é a semelhança dos sintomas do TEA com outros transtornos psiquiátricos, como transtornos de personalidade, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), ansiedade e depressão, o que pode levar a diagnósticos incorretos ou tardios (Huang et al., 2020). Mulheres frequentemente apresentam padrões de interesses restritos considerados mais convencionais, como personagens fictícios ou animais, o que também dificulta a identificação de comportamentos autistas (Atherton et al., 2022).
Características do TEA no adulto
De acordo com Del Porto e Assumpção Jr (2023), indivíduos com TEA podem apresentar alterações no processamento de informações sensoriais, variando de extrema sensibilidade a respostas mínimas ou ausentes. O desenvolvimento da linguagem também pode ser impactado, variando desde atrasos significativos até dificuldades no uso funcional da linguagem, como ecolalia e interpretações literais (Del Porto & Assumpção Jr, 2023).
Em interações sociais, pessoas com TEA enfrentam desafios relacionados à limitação na teoria da mente, dificultando a interpretação de intenções e estados mentais dos outros. Essas dificuldades são agravadas pela rigidez cognitiva e pela preferência por detalhes em detrimento do contexto global.
Adultos diagnosticados tardiamente relatam infâncias marcadas por exclusão social, bullying e dificuldades de comunicação. Apesar de conquistas acadêmicas e profissionais, muitos relatam sofrimento emocional devido à dificuldade em compreender suas próprias limitações (Atherton et al., 2022). Ademais, a autonomia pode ser comprometida por interesses restritos e estratégias adaptativas limitadas.
Os autores Del Porto e Assumpção Jr (2023) ainda apontam impacto no desenvolvimento afetivo-sexual, com relações afetivas menos frequentes ou convencionais. As necessidades emocionais são similares às de pessoas neurotípicas, mas fatores como apoio recebido e intervenções precoces influenciam o sucesso dessas relações.
Cerca de 10% dos autistas apresentam habilidades excepcionais, conhecidas como “ilhas de habilidades”, em áreas como música, cálculo ou artes. Por exemplo, há casos documentados de indivíduos capazes de realizar cálculos matemáticos complexos em segundos ou reproduzir peças musicais após uma única audição. Embora não sejam critérios diagnósticos, essas habilidades ajudam a moldar a percepção popular sobre o autismo.
Conclusão
O TEA afeta habilidades cognitivas, sociais, verbais e adaptativas, comprometendo a qualidade de vida. Receber um diagnóstico de autismo é emocionalmente intenso, exigindo a redefinição da identidade e da história pessoal.
Adultos diagnosticados tardiamente frequentemente lidam com traumas acumulados por anos de incompreensão e críticas. Embora seja uma condição permanente, intervenções terapêuticas personalizadas e o apoio adequado são fundamentais para melhorar a qualidade de vida, promovendo maior autonomia, inclusão social e realização pessoal.
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Autoras
- Ana Beatriz da Silva
Psicóloga formada pela Universidade de São Paulo (USP) – Ribeirão Preto, mestre pela mesma instituição e atualmente doutoranda em Psicobiologia na USP – Ribeirão Preto. Atua na clínica com crianças, adolescentes e adultos, utilizando a abordagem da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Possui formação e experiência na área de avaliação neuropsicológica, com atuação nesse campo.
- Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC) da Universidade de São Paulo (USP). Associada à Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC).