Períodos de alterações bruscas de temperatura ou de frio mais intenso são caracterizados pelo aumento de infecções respiratórias, sobretudo na infância. A dificuldade diagnóstica aumenta considerando a persistência de casos de COVID-19. Ao atender uma criança com sintomas respiratórios, o ponto principal é a abordagem sindrômica para efetivação do diagnóstico e conduta adequados.
O presente artigo trará um detalhamento dos sintomas de infecções do trato respiratório superior - principalmente a rinofaringite aguda -, infecções do trato inferior - bronquiolite e pneumonia - e infecções respiratórias com sintomas sistêmicos como Influenza e COVID-19, resumidos na Tabela 1 e detalhados abaixo.
Além da elucidação diagnóstica aos familiares e cuidadores, as orientações das consultas de pacientes infantis com infecções respiratórias devem conter:
Manejo - com detalhamento sobre as indicações de uso de antibioticoterapia
Curso de doença esperado;
Sinais e sintomas de gravidade para ida à emergência, evitando sempre que possível a superlotação dos serviços;
Sinais e sintomas sugestivos de complicações;
Formas de acesso ao médico de família.
Tabela 1: Manifestações clínicas mais frequentes, sinais de gravidade e complicações do resfriado comum, bronquiolite, pneumonia, COVID-19 e influenza em crianças.
RESFRIADO COMUM - Rinofaringite aguda
Crianças podem ter mais de 8 episódios de infecção respiratória aguda ao longo de um ano, sendo esse número maior em crianças que frequentam creche. Se cada episódio tem duração de até 14 dias, algumas crianças permanecem mais de 100 dias ao ano com sintomas respiratórios, com aumento da procura por atendimento médico.
Febre, comum em crianças nos primeiros três dias;
Coriza hialina a amarelada ;
Irritabilidade, com boa resposta ao manejo feito pelos pais;
Redução da aceitação alimentar;
São pacientes que estão ativos no consultório, choram forte quando examinados e cujos pais referem que mantém as brincadeiras e atividades de rotina. Frequentemente há familiares com os mesmos sintomas em casa.
Sinais de esforço respiratório como batimento de asa do nariz, retração subcostal, intercostal ou furcular e aumento do tempo expiratório estão
ausentes
. Pode haver taquipneia que se resolve com lavagem nasal.
Tabela 2: Parâmetros para a definição de taquipneia em crianças de acordo com a idade
Principais complicações, sinais de alerta e fatores de risco
Fatores de risco para complicações são:
Exposição ambiental a poluição, tabagismo e umidade
Fatores domésticos como pobreza, dificuldade de acesso aos serviços de saúde e superlotação doméstica
Desnutrição, prematuridade, doenças respiratórias crônicas
Crianças com sintomas do episódio em resolução podem ter contato com novo vírus e reiniciar o ciclo de sintomas, sendo por vezes difícil a diferenciação entre uma complicação com sobreinfecção bacteriana e a sucessão de infecções.
Principais complicações e sinais de alerta
Otite média aguda:
complicação presente em um terço das crianças com resfriado comum. Caracterizada por piora aguda dos sintomas, prostração, inflamação da membrana timpânica e presença de secreção na orelha média ou otorreia purulenta.
Sinusite:
persistência de sintomas sem curso de melhora por mais de 10 a 14 dias. Incidência de cerca de 10% de sinusite decorrente de resfriado comum.
Exacerbação da asma:
metade das exacerbações da asma são devido a infecções como resfriado comum. A presença de sibilância, esforço respiratório, redução nas atividades diárias e cansaço para alimentação são sinais de alerta para complicações.
Doença do trato respiratório inferior:
persistência de tosse sem melhora, retorno da febre, prostração prolongada são sinais de acometimento do trato respiratório inferior.
O tratamento é essencialmente sintomático e de suporte, incluindo:
Analgésicos e antitérmicos para febre, em especial Paracetamol e Dipirona (maiores de 6 meses);
Lavagem nasal frequente, preferencialmente com o uso de solução fisiológica nasal, em jato contínuo, seringa ou mecanismos de alto fluxo;
Manutenção do aleitamento materno;
Preservação do aquecimento da criança ;
O resfriado comum costuma durar em torno de 10 a 14 dias, com sinais de resolução gradual (ainda que lenta) a partir da primeira semana.
Os pais devem ser orientados quanto aos motivos pela não prescrição de antibióticos e do benefício limitado de xaropes expectorantes, corticoides ou inalações, reforçando a benignidade do quadro e as formas de acesso ao médico de família na presença de sinais de piora.
O vírus Influenza, especialmente os tipos A (que inclui os subtipos H1N1 e H3N2) e B, tem comportamento sazonal (principalmente outono e inverno) e causa manifestações clínicas conhecidas como “gripe”.
Em crianças sem condições de risco (ver Fatores de Risco para doença grave, abaixo), costuma ter evolução autolimitada e leve, com hospitalização e morte incomuns.
As manifestações clínicas variam de acordo com a idade da criança, o contato viral prévio e o status vacinal. Ccrianças menores costumam ter febres mais altas, menos sintomas respiratórios e maior comprometimento gastrointestinal, por exemplo. A apresentação clássica inclui:
Sintomas respiratórios: tosse, secreção na orofaringe e sintomas de rinite;
Sintomas gastrointestinais: redução no apetite, náusea, vômito e diarreia.
O diagnóstico deve ser considerado, em períodos de outono e inverno, em crianças com as manifestações típicas ou febre e exacerbação aguda de asma, por exemplo. A testagem para Influenza deve ser realizada de rotina apenas em crianças com fatores de risco para complicações ou em pacientes internados.
Pacientes sem complicações melhoram gradualmente após 1 semana, mas sintomas como tosse podem persistir, principalmente em crianças menores. Em crianças maiores, fraqueza e cansaço fácil podem se manter por várias semanas após o episódio agudo.
O diagnóstico diferencial inclui:
Outros vírus respiratórios, como SARS-CoV-2 (agente etiológico da COVID-19), vírus sincicial respiratório, parainfluenza, adenovírus, rinovírus e enterovírus.
Doenças bacterianas, como pneumonia, faringoamigdalite, sinusite
Causas não-infecciosas, como aspiração de corpo estranho, alterações anatômicas, aspiração de conteúdo gástrico, medicamentos e exposições químicas, doença pulmonar crônica.
Principais complicações, sinais de alerta e fatores de risco
Fatores de risco para doença grave são:
Crianças menores de 5 anos, especialmente menores de 2 ano;s
Crianças com doenças crônicas como asma e fibrose cística, doenças neurológicas, malformações cardíacas, imunocomprometidos;
Sinais de gravidade indicativos de avaliação de emergência
Dispneia em repouso (sinais de desconforto respiratório);
Alteração do estado mental (agitação, sonolência);
Doença progressiva por 7 ou mais dias ou deterioração clínica, principalmente se houver hipoxemia;
Desidratação ou recusa alimentar e impossibilidade de manter hidratação por via oral
Piora de condições crônicas;
Desenvolvimento de complicações sérias, como miocardite, encefalite, miosite e pneumonia secundária à influenza, com sinais de alerta.
Infecção bacteriana secundária, incluindo pneumonia.
Sintomáticos para alívio de febre e desconforto, evitando combinações para com antialérgicos e descongestionantes;
Para a tosse, dar preferência para líquidos quentes (sopas, chás), mel (a partir de 01 ano) no lugar de antitussígenos e xarope antialérgico, visto que a supressão da tosse pode resultar em retenção de secreções e potencial obstrução da via aérea.
Manutenção da hidratação;
Afastamento das atividades - afastar da escola ou de outras atividades por 07 dias (ou 24h sem febre e sem antipiréticos);
Antivirais: O uso de inibidores da neuraminidase (como Oseltamivir) pode reduzir o tempo de doença em um dia (quando iniciado em até 48 horas do início dos sintomas) e o risco de complicações do trato respiratório inferior, hospitalizações, doença grave e morte, devendo ser prescrito de acordo com recomendações locais.
A administração anual da vacina contra a gripe é recomendada pelo
Ministério da Saúde
para todas as crianças acima de 6 meses de idade e previne a infecção por influenza em cerca de 80%.
O vírus SARS-CoV-2, causador da COVID-19, causa infecção geralmente leve e autolimitada em crianças, com sintomatologia semelhante aos adultos. A mortalidade é baixa (estimada em 0,17 casos para 100.000 crianças e adolescentes), com potencial de complicações ainda não completamente compreendido. Crianças podem se contaminar pelo contato com os adultos ou com outras crianças, com potencial de reinfecção, especialmente após 3 meses da infecção prévia.
As manifestações clínicas costumam ser leves e têm perfil sistêmico. A distribuição da frequência de sintomas varia de acordo com a idade da criança / adolescente:
Sintomas mais comuns entre 0 e 9 anos:
Outros: Falta de ar, rinorreia, dor abdominal e perda do olfato ou paladar (manifestada por recusa alimentar)
Sintomas mais comuns entre 10 e 19 anos:
Outros: Rinorreia e dor abdominal
Sintomas gastrointestinais podem ocorrer sem sintomas respiratórios. Rash cutâneo pode estar presente, embora incomum. A média de duração dos sintomas costuma ser de 6 dias, com até 66% dos pacientes apresentando sintomas prolongados, que incluem cansaço, dor de cabeça, distúrbios de sono, mialgia e dor articular, dificuldade respiratória, palpitações e alteração no olfato e paladar.
O diagnóstico de certeza é feito mediante testagem, a qual deve ser discutida com os familiares considerando a idade da criança, a presença de sintomas nos demais familiares e a importância da obtenção do diagnóstico confirmatório.
O diagnóstico diferencial é feito principalmente com outras infecções virais, incluindo Influenza, vírus com tropismo principalmente pelo trato gastrointestinal e vírus causadores de resfriado comum.
Principais complicações, sinais de alerta e fatores de risco
Fatores de risco para doença grave são:
Presença de doença crônica - neurológica, metabólica (como diabetes mellitus), respiratória, cardiovascular ou cardiopatia congênita;
Doenças genéticas, principalmente síndrome de Down;
Obesidade (IMC superior ao percentil 95 para idade e sexo);
Sinais de gravidade indicativos de avaliação de emergência
Desconforto respiratório e dificuldade respiratória (em lactentes: gemência, cianose central e dificuldade de alimentação;)
Pressão ou desconforto torácico;
Achados sugestivos de choque, como pele fria, pegajosa e moteada, confusão mental recente, dificuldade em acordar, redução do débito urinário;
Incapacidade de ingerir líquidos ou alimentar-se.
Síndrome inflamatória multissistêmica: Febre persistente, hipotensão, sintomas gastrointestinais, rash, miocardite e fatores inflamatórios elevados;
Insuficiência ventilatória.
Sintomáticos para alívio de febre e desconforto, evitando combinações com antialérgicos e descongestionantes;
Manutenção da hidratação;
Afastamento das atividades - afastar da escola ou de outras atividades por 07 dias do início dos sintomas (ou 24h sem febre e sem antipiréticos);
Observação da presença de sinais de gravidade;
Evitar intervenções desnecessárias, como o uso de corticoterapia, antibióticos e antiparasitários;
Antivirais: O uso de antivirais para pacientes ambulatoriais ainda não é regulamentado no Brasil.
O principal fator de prevenção de doença sintomática e de controle da cadeia de transmissão é a vacinação, disponível para crianças a partir de 5 anos.
Infecção das vias aéreas inferiores que sucede infecção das vias aéreas superiores, em geral pelo Vírus Sincicial Respiratório (VSR). Cerca de 80% dos casos acontecem no primeiro ano de vida, com pico entre 2 e 6 meses, em meses de temperaturas baixas.
Costumam representar o primeiro episódio de sibilância do lactente.
Início: sintomas do trato respiratório superior, em geral leves e com febre baixa;
Após: gradual dificuldade respiratória;
Taquipneia (ver Tabela 1);
Sinais de desconforto respiratório: batimento de asa do nariz, retração subcostal, intercostal ou furcular e aumento do tempo expiratório;
Inapetência e cansaço para mamar.
O diagnóstico é feito pela presença das manifestações clínicas e não necessita de exames laboratoriais ou de imagem.
O diagnóstico diferencial inclui:
Asma:
história familiar de doença alérgica, dermatite atópica e/ou rinite alérgica presentes, idade acima de 2 anos, sibilância controlada com broncodilatadores;
Aspiração de corpo estranho:
episódio de sufocação com início súbito de sibilância, ausculta assimétrica, tosse de longa duração;
Cardiopatia:
cansaço prévio ao alimentar-se, cianose desencadeada por choro ou alimentação, ganho de peso insuficiente e taquipneia mantida;
Doença do refluxo gastroesofágico:
sibilância que piora a noite, choro intenso inexplicado, agravamento dos sintomas à alimentação e presença de vômitos.
Principais complicações, sinais de alerta e fatores de risco
Fatores de risco para doença grave são:
Prematuridade (idade gestacional menor ou igual a 36 semanas)
Doença pulmonar crônica, em especial displasia broncopulmonar;
Defeito anatômico da via aérea;
Cardiopatia congênita com repercussão hemodinâmica;
Pacientes com quaisquer dos sinais de gravidade abaixo devem ser encaminhados para avaliação hospitalar. Ainda que a idade seja fator de risco para doença grave, não é critério isolado de internação.
A sensação dos pais ou cuidadores de que a criança está com uma doença grave é um sinal de gravidade importante e indica avaliação complementar.
Toxemia, inapetência, letargia, desidratação - choro fraco, sonolência ou irritabilidade, baixa ingesta de água e redução na diurese;
Sinais e sintomas de desconforto respiratório moderado a grave: batimento de asa do nariz, retração subcostal, intercostal ou furcular, aumento do tempo expiratório, grunhidos;
História de apneia com ou sem cianose ou bradicardia;
Incapacidade dos pais de cuidado no domicílio.
Insuficiência ventilatória;
Hiperreatividade brônquica pós-infecção;
Bronquiolite obliterante.
Na ausência de critérios de internação, a bronquiolite é uma doença autolimitada e com curso de melhora após a primeira semana. O foco do manejo dos pacientes ambulatoriais é:
Orientação sobre curso de doença e evolução esperada;
Manutenção da hidratação;
Alívio da congestão / obstrução nasal;
Monitoramento da progressão de doença.
Segundo a
Academia Americana de Pediatria
, para crianças imunocompetentes com bronquiolite não grave em tratamento ambulatorial não são recomendadas intervenções farmacológicas pela ausência de benefício comprovado e pela presença de efeitos adversos.
Não está recomendado o uso
de:
Broncodilatadores (inalados ou orais);
Corticoides (inalados ou sistêmicos);
Antibióticos (indicados apenas se evidência de infecção bacteriana coexistente).
É uma doença do trato respiratório inferior que acomete de 2 a 3% das crianças com rinofaringite aguda prévia.
Segundo a Organização das Nações Unidas, a cada ano, 150 milhões de crianças menores de cinco anos têm pneumonia e, dessas, 20 milhões necessitam de internação hospitalar.
A pneumonia é mais comum em meninos (2:1) e o risco é maior para crianças expostas à fumaça do cigarro, especialmente se a mãe fuma. Em lactentes e crianças mais jovens a maioria das pneumonias é de etiologia viral (até 35%) e em crianças mais velhas a etiologia mais comum é bacteriana. Sinais e sintomas sugestivos de cada etiologia estão resumidos na Tabela 3.
Tabela 3. Principais características clínicas dos principais agentes causadores de pneumonia em crianças.
Dor abdominal com ou sem dor torácica.
Excluídas asma e bronquiolite, a
taquipneia
(ver Tabela 1) é um sinal mais sensível e específico que a crepitação pulmonar para o diagnóstico de pneumonia.
A ausência das manifestações clínicas típicas não exclui o diagnóstico de pneumonia - deve ser considerado em toda criança com febre e evidências na história ou no exame físico de desconforto respiratório. A ausência de taquipneia auxilia na exclusão de pneumonia - a Organização Mundial da Saúde utiliza taquipneia como critério isolado para o diagnóstico de pneumonia em crianças com tosse ou dificuldade respiratória.
O RX de tórax não é necessário para crianças com pneumonia leve, não complicada e não recorrente tratadas ambulatorialmente. Solicitar RX de tórax para pacientes que necessitam internação, com diagnóstico incerto ou com pneumonia grave, complicada (suspeita de derrame pleural) ou recorrente.
O diagnóstico diferencial inclui:
Condições não-infecciosas que mimetizam pneumonia: Aspiração de corpo estranho, alterações anatômicas, aspiração de conteúdo gástrico, medicamentos e exposições químicas, doença pulmonar crônica;
Principais complicações, sinais de alerta e fatores de risco
Fatores de risco para doença grave são:
Doença pulmonar crônica, em especial displasia broncopulmonar;
Distúrbios gastrointestinais;
Imunodeficiência congênita ou adquirida.
Sinais de gravidade e indicações para avaliação hospitalar incluem:
Hipoxemia (saturação de oxigênio < 90%);
Desidratação, impossibilidade de manutenção da hidratação ou alimentação via oral;
Desconforto respiratório moderado a grave: > 70 movimentos respiratórios por minuto (mrpm) em crianças menores de 1 ano e > 50 mrpm em crianças maiores, batimento de asa nasal, apneia, grunhidos e gemência;
Aparência toxêmica (letargia, má perfusão periférica, hipo ou hiperventilação ou cianose;
Doença crônica de base que pode aumentar a gravidade da pneumonia (cardiopulmonar, genética, neurológica), pode ser piorada pela pneumonia (doença metabólica) ou pode reduzir a resposta ao tratamento (paciente imunocomprometido);
Complicações: empiema, derrame pleural, abscesso;
Suspeita ou confirmação de infecção por patógeno com alta virulência;
Falha no tratamento ambulatorial (piora ou ausência de resposta em 48 a 72 horas).
Derrame pleural e empiema;
O tratamento é baseado nas medidas de suporte e no manejo empírico direcionado ao patógeno suspeito, de acordo com as características elencadas na Tabela 2. Medidas de suporte incluem o uso de antipiréticos e analgésicos, hidratação e suporte respiratório quando necessário.