O MAIOR ECOSSISTEMA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE DO BRASIL

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Conjuntivite neonatal: causas, prevenção e tratamento

A conjuntivite neonatal, ou oftalmia neonatal, é definida como uma conjuntivite purulenta do recém-nascido (RN), nas primeiras quatro semanas de vida (28 dias), usualmente adquirida durante o seu nascimento, a partir do contato com secreções genitais maternas contaminadas.  

A oftalmia neonatal é considerada um evento infeccioso relativamente comum, associada a causas químicas, bacterianas ou virais, e pode ocorrer em 1,6% a 12% dos RN, de maneira global. A prevalência de oftalmia neonatal varia em diferentes partes do mundo e apresenta estreita relação com as condições socioeconômicas, nível educacional da população, cuidados maternos de saúde, bem como a implementação de programas de prevenção que consistem especialmente no screening pré-natal e/ou recomendações oficiais quanto ao uso de medicamentos profiláticos.  

Nos países de renda média, as estatísticas apresentam índices que alcançam até 23% dos RN, distribuídos nas várias idades gestacionais. Recém-nascidos filhos de mães com infecção gonocócica não tratada apresentam risco de 30% a 50% maior de desenvolver conjuntivite gonocócica, com complicações, incluindo perfuração ocular, cicatrizes e cegueira.  

A triagem pré-natal e o tratamento adequado de mulheres infectadas, aliados à profilaxia neonatal de rotina, reduziram a incidência de conjuntivite gonocócica para 0,4 casos a cada 100.000 nascidos vivos nos últimos anos. Apesar da baixa incidência, é fundamental manter uma atenção pré-natal sistematizada para identificar mulheres infectadas, além de garantir a profilaxia nos recém-nascidos de mães que não realizaram acompanhamento adequado ou que foram reinfectadas após a triagem inicial. 

Por não se tratar de uma doença de notificação compulsória, a prevalência de conjuntivite neonatal no Brasil é desconhecida, assim como a prevalência exata de infecções maternas por Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae. Um estudo conduzido entre 2004 e 2005 em seis capitais brasileiras, com gestantes, estimou uma prevalência de infecção gonocócica de 1,5% e de Chlamydia de 9,4%, sendo que 10% dessas mulheres apresentavam coinfecção por Neisseria. 

Causas principais 
 

Os principais agentes etiológicos são
Chlamydia trachomatis
,
Neisseria gonorrhoeae
,
Pseudomonas aeruginosa
,
Staphylococcus aureus
,
Herpes simplex
virus e agentes químicos. O quadro clínico pode variar desde discreta hiperemia com presença de secreção até perfuração ocular com consequente cegueira irreversível. 

Conjuntivite química, muitas vezes, é causada pelo uso do nitrato de prata 1% para profilaxia de oftalmia neonatal. Há dados que sugerem que 50 a 90% dos RN que recebem tal medicamento desenvolvem a conjuntivite química. 

Diagnóstico clínico diferencial e tratamento
 

Diante de um quadro de hiperemia ocular associada à presença de secreção em recém-nascido, deve ser feita a hipótese diagnóstica de conjuntivite neonatal. Sempre que possível, deve-se coletar secreção conjuntival e realizar um raspado da conjuntiva para análise microbiológica.  

O tratamento imediato deve ser iniciado, conforme orientações abaixo. 

Conjuntivite química 

Se manifesta nas primeiras vinte e quatro horas de vida do recém-nascido e está associada à administração de, principalmente, nitrato de prata. É uma condição autolimitada, sem necessidade de tratamento.  

Conjuntivite por
Neisseria gonorrhoeae
 

É a forma mais grave de oftalmia neonatal, manifestando-se tipicamente entre o segundo e o quinto dia de vida, com secreção ocular abundante. Se não tratada adequadamente, pode evoluir com perfuração ocular em vinte e quatro horas.  À coloração de Gram, identificam-se diplococos gram negativos. 

O tratamento deve ser feito com ceftriaxone 50mg/kg/dia (máximo de 125mg) em dose única, intramuscular. A secreção conjuntival deve ser removida continuamente. Deve-se investigar sinais de meningite, artrite e sepse no recém-nascido. Doenças venéreas, como infecção gonocócica, sífilis, HIV e hepatites B e C devem ser pesquisadas e tratadas nos pais.

O tratamento da infecção gonocócica dos adultos deve ser feito com ciprofloxacino 500mg via oral em dose única ou com ceftriaxone 250mg intramuscular em dose única 

Conjuntivite por
Chlamydia trachomatis
   

É a principal causa de conjuntivite bacteriana, sendo responsável por até 35% dos casos no mundo. Manifesta-se, geralmente, entre o quinto e o décimo quarto dia de vida, podendo ocorrer a formação de pseudomembranas. Por se tratar de bactéria intracelular obrigatória, o material colhido para diagnóstico deve conter células conjuntivais e não apenas secreção.  

O diagnóstico é feito por técnicas moleculares (PCR) ou pelo achado de corpos de inclusão intracelulares com o uso de corante de Giemsa. Como esses métodos não estão amplamente disponíveis em nosso país, o MS recomenda tratamento empírico para Chlamydia e Neisseria para toda oftalmia neonatal não química diagnosticada.  

A OMS recomenda que o tratamento para Chlamydia seja feito preferencialmente com azitromicina oral 20mg/kg/dia uma vez ao dia, por três dias. Alternativamente, pode-se utilizar eritromicina oral 50mg/kg/dia em quatro doses diárias por 14 dias. A eritromicina está associada a uma maior taxa de cura, no entanto, a azitromicina é recomendada pela posologia simples que garante maior adesão e pelo menor risco de estenose de piloro, em relação ao uso de eritromicina.  

Pode-se associar, como terapia adjuvante, o uso de pomada de eritromicina a 0,5%. Devido à taxa de falha de cerca de 20%, pode ser necessário repetir o tratamento, com mesma dose e duração. O recém-nascido deve ser avaliado clinicamente pelo risco de associação com pneumonia e otite. Os pais devem ser submetidos a exames sorológicos para sífilis, HIV e hepatites B e C e tratados com azitromicina 1 grama via oral em dose única 

Outras conjuntivites bacterianas 

Representam cerca de 30% das oftalmias neonatais, podendo ser tratadas com colírio de tobramicina quatro vezes ao dia por 14 dias. A conjuntivite por Pseudomonas, apesar de rara, pode evoluir com perfuração e cegueira. O diagnóstico é feito pela presença de bacilos gram-negativos na coloração de Gram.  

Conjuntivite herpética  

É a principal causa de conjuntivite viral do recém-nascido, podendo ou não cursar com vesículas cutâneas. Geralmente, se manifesta nas primeiras duas semanas de vida com edema palpebral, hiperemia conjuntival e secreção não purulenta, por vezes serossanguinolenta. A confirmação diagnóstica é feita por PCR de raspado conjuntival e o recém-nascido deve ser submetido à coleta de líquor para avaliar envolvimento de sistema nervoso central. O tratamento deve ser feito com aciclovir endovenoso 20mg/kg, três vezes ao dia, por 14 a 21 dias.  

Considerando que a disponibilidade de profissionais oftalmologistas e de métodos de comprovação diagnóstica ainda é limitada em nosso país, reforçamos a recomendação do Ministério da Saúde de realizar o tratamento empírico para ambas as etiologias, Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis, em todos os casos de conjuntivite neonatal diagnosticada — uma prática adotada internacionalmente. Sempre que possível, entretanto, deve-se realizar o diagnóstico etiológico e o antibiograma, a fim de monitorar a resistência medicamentosa. 

Sempre que possível, o recém-nascido deve ser avaliado por um oftalmologista para a coleta dos raspados conjuntivais, a fim de garantir um diagnóstico etiológico mais preciso e identificar possíveis complicações, como perfuração ocular. 

É importante reiterar que o RN deve passar por avaliação sistêmica, pesquisando sinais de otite, pneumonia, meningite e sepse, além da investigação e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis nos pais e/ou cuidadores 

Profilaxia
 

Trata-se da aplicação de medicamento ocular em crianças logo após nascer independente da via de parto para prevenção da conjuntivite neonatal, estão disponíveis algumas opções:  

  • lodopovidona a 2,5%:
    apresenta maior eficácia do que nitrato de prata e eritromicina em relação à Neisseria e à Chlamydia, sem induzir resistência medicamentosa. A solução a ser utilizada deve ser iodopovidona tópica aquosa, que pode ser obtida diluindo-se uma parte de iodopovidona tópica aquosa a 10% em três partes de água destilada, obtendo-se a concentração de 2,5%. 
  • Nitrato de prata a 1%
    : tradicionalmente conhecido como Credé, apesar da boa eficácia contra N. gonorrhoeae, seu uso tem sido desencorajado pela alta incidência de conjuntivite química, acometendo de 50 a 90% dos RNs, e pela dificuldade de armazenamento adequado da solução, que deve ser em frasco de vidro neutro e de coloração escura, ao abrigo da luz e do calor e com descarte a cada 48 horas 
  • Pomada de eritromicina a 0,5%:
      apresenta menor incidência de efeitos irritativos oculares, apesar de não ser amplamente disponível comercialmente no Brasil. A ação contra Chlamydia é ainda questionável, não sendo demonstrada superioridade em relação ao nitrato de prata em administração única. 
  • Pomada de tetraciclina a 1%:
      apresentou melhores resultados, in vitro, do que a eritromicina, mas não foram encontrados estudos randomizados que comprovem esse efeito na prática clínica. A ação contra Chlamydia parece ser superior à do nitrato de prata. Assim como a pomada de eritromicina, a pomada de tetraciclina não é amplamente disponível comercialmente no Brasil 

Com o objetivo de aprimorar as estratégias de prevenção da conjuntivite neonatal, o Ministério da Saúde publicou a
Nota Técnica nº 11/2024
, recomendando a substituição do nitrato de prata 1% (NP) por iodopovidona a 2,5%, eritromicina 0,5% ou tetraciclina 1%, devido à maior eficácia na prevenção da oftalmia neonatal e à menor irritação da conjuntiva do recém-nascido. A Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica, em consonância com as orientações da OMS e da Comissão Bipartite do Estado de São Paulo, sugere a utilização da iodopovidona a 2,5% como primeira escolha para profilaxia, devido à sua segurança, baixo custo e eficácia comprovada.