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Citomegalovírus congênito: diagnóstico, prevenção e tratamento

O citomegalovírus (CMV) é um dos principais agentes etiológicos de infecção congênita, afetando aproximadamente 0,5% a 2% de todos os nascidos vivos, podendo atingir até 5% deles em países de alta prevalência (em geral países em desenvolvimento). 

A infecção por CMV durante a gestação pode ter consequências graves para o feto, variando de assintomática a condições graves, como surdez, microcefalia e outras manifestações neurológicas.  

Este artigo tem como objetivo discutir o diagnóstico, a prevenção e o manejo clínico do citomegalovírus congênito, com foco nas implicações para a saúde do recém-nascido e nas abordagens terapêuticas para minimizar as complicações a longo prazo. 

Diagnóstico
 

O diagnóstico do CMV congênito pode ser desafiador devido à ampla gama de apresentações clínicas. Noventa por cento dos bebês com infecção congênita são assintomáticos ao nascer. Os 10% restantes dos bebês infectados podem apresentar manifestações que afetam vários órgãos.  

As características clínicas da infecção congênita por CMV são mais graves após a infecção materna primária por CMV do que após uma infecção materna recorrente. É importante destacar que ela também pode acontecer com mulheres entendidas como “imunes” devido a sorologia com IgG positivo. Pode haver tanto a reativação quanto a reinfecção por um tipo diferente de CMV.  

As características clínicas comuns da infecção congênita por CMV incluem icterícia, hepatoesplenomegalia, prematuridade, restrição de crescimento intrauterino, microcefalia, trombocitopenia e manifestações cutâneas, como petéquias e púrpura. No período pré-natal, a infecção congênita por CMV pode estar associada a oligo ou polidrâmnio, calcificações periventriculares e intestino hiperecoico na ultrassonografia pré-natal. 

As possíveis manifestações neurológicas da infecção congênita por CMV são numerosas. Hipotonia, alimentação deficiente, ventriculomegalia, hipoplasia cerebelar, pseudocistos periventriculares, convulsões, espasticidade e atraso no desenvolvimento podem ocorrer em bebês afetados. Entre os bebês com infecção congênita sintomática por CMV, a perda auditiva neurosensorial (PANS) afetará 30% no nascimento.  

Entre os 90% de bebês assintomáticos ao nascimento, 7% a 15% desenvolverão PASN progressiva mais tarde na infância. As manifestações oftalmológicas do CMV congênito incluem coriorretinite, estrabismo, microftalmia, atrofia do atrofia do nervo óptico e deficiência visual cortical. 

O diagnóstico e o tratamento do RN com CMV congênito é complexo, e nem sempre uma criança infectada será tratada. Os sintomas e o quadro clínico geral como um todo precisa ser avaliado antes da prescrição do tratamento. 

Para confirmação da infecção, a detecção do vírus deve ser feita até as três semanas de vida do recém-nascido. Os principais métodos diagnósticos incluem: 

  • Testes sorológicos
    : durante a gestação, a infecção primária pelo CMV pode ser detectada por sorologia, com a identificação de IgM específica e/ou soroconversão de IgG. Contudo, a sorologia isolada não é suficiente para diagnosticar a infecção congênita no feto. Uma sorologia com IgM para CMV no RN corrobora a hipótese diagnóstica.  
  • Ultrassonografia e ressonância magnética fetal
    : são métodos não invasivos que podem detectar sinais de infecção fetal, como restrição de crescimento intrauterino, calcificações intracranianas e alterações na morfologia cerebral. Esses achados, contudo, não são específicos para CMV, mas podem sugerir a necessidade de investigação adicional. 
  • Exames moleculares - PCR em urina ou saliva
    : a reação em cadeia da polimerase (PCR) é o método de escolha para a detecção do DNA do CMV. A amostra de urina ou saliva é coletada preferencialmente nas primeiras duas semanas de vida para garantir a precisão do diagnóstico. No período neonatal pode ser realizado por amniocentese.  

Prevenção
 

Cerca de 40% das mulheres em idade reprodutiva são soronegativas nos países   desenvolvidos, e de 1% a 3% dessas mulheres podem desenvolver infecção primária por CMV durante a gravidez.  

As mulheres que correm maior risco são as adolescentes, as que têm contato frequente com crianças pequenas, como as que trabalham em creches, e as mães que têm filhos pequenos. A taxa de transmissão para o feto é de 30 a 40% na infecção materna primária por CMV.  

Como anteriormente mencionado, a reativação ou reinfecção pelo CMV pode ocorrer em mulheres que são soropositivas antes da gravidez. A taxa de transmissão do CMV é de apenas 1% após a reativação ou reinfecção. No entanto, em populações com alta soroprevalência, haverá mais bebês com CMV congênito nascidos de mães que tiveram infecção anterior por CMV do que de mulheres com soroconversão primária na gravidez 

A prevenção da infecção congênita por CMV ainda é um desafio, dado que a transmissão pode ocorrer mesmo em casos assintomáticos na mãe. As estratégias preventivas incluem: 

  • Educação e aconselhamento
    : gestantes devem ser informadas sobre as formas de transmissão do CMV, que incluem contato direto com secreções corporais, especialmente de crianças pequenas. Medidas como higienização das mãos, evitar contato com saliva e compartilhar utensílios com crianças pequenas podem reduzir o risco de infecção. 
  • Triagem sorológica
    : embora não seja uma prática padrão em muitos países, a triagem sorológica para CMV pode identificar gestantes suscetíveis, permitindo monitoramento mais rigoroso e intervenções precoces. Embora o teste de rotina para CMV possa facilitar intervenções mais precoces para a PASN ou a identificação mais precoce da perda auditiva de início tardio, atualmente não está claro se esses benefícios superam os riscos de ansiedade dos pais, tratamentos ou intervenções desnecessárias e estigmatização social. 
  • Vacinação
    : atualmente, não há uma vacina aprovada contra o CMV, embora esteja em desenvolvimento. A imunização poderia oferecer uma solução robusta para a prevenção da infecção congênita no futuro. 

Tratamento
 

O manejo clínico do CMV congênito é complexo e deve ser individualizado. As opções de tratamento visam minimizar as complicações a longo prazo e melhorar os desfechos neurológicos.  

Como o tratamento para CMV tem alta toxicidade e eficácia incerta, a terapia é recomendada apenas em determinados casos sintomáticos (por exemplo, doença do sistema nervoso central). Como mencionado anteriormente, dos casos sintomáticos (entre 10 a 15% dos casos), cerca de um terço desenvolverá PANS. 

Dentre os assintomáticos, (grande maioria dos casos, 85-90%), cerca de 15% poderão desenvolver PANS no futuro, não há formas de mensurar qual RN tem maior ou menor risco dentre os assintomáticos. 

Quem deve ser tratado?  

Bebês com CMV congênito sintomático (ou seja, <21 dias de idade, PCR para CMV positivo e evidência de doença terminal significativa, doença de órgãos terminais em particular, ou qualquer doença do sistema nervoso central (SNC), incluindo perda auditiva neurossensorial) devem ser considerados para tratamento. 

Entretanto, para bebês assintomáticos ou levemente sintomáticos, sem doença do SNC (ou seja, RCIU isolado, hepatomegalia com elevação isolada das enzimas hepáticas ou trombocitopenia leve ou transitória), o tratamento geralmente não é recomendado.  

Até o momento, os estudos para tratamento foram realizados em bebês com mais de 32 semanas de gestação e mais de 1.800 gramas de peso e, portanto, são necessários mais estudos para verificar os benefícios do tratamento em bebês abaixo dessa idade gestacional e desse peso. 

As principais intervenções incluem: 

Antiviral
 

O tratamento com ganciclovir intravenoso ou valganciclovir oral é indicado em casos de infecção sintomática com envolvimento do sistema nervoso central ou em recém-nascidos com comprometimento auditivo progressivo.  

O ganciclovir intravenoso agora é recomendado apenas quando o bebê não é alimentado por via enteral, com a mudança para o valganciclovir oral recomendada uma vez estabelecida a alimentação enteral. As doses são: 

- 6 mg/kg/dose de ganciclovir intravenoso duas vezes ao dia por 6 semanas; 

- 16 mg/kg/dose de valganciclovir oral duas vezes ao dia por 6 a 12 meses.  

Os bebês tratados devem ser acompanhados com revisão audiológica regular recomendada até os 6 anos de idade e revisão oftalmológica até os 5 anos de idade. Os pais de todas as crianças com CMV congênito devem ser recomendados a consentir a inclusão de seus filhos em registros nacionais, para que os dados de coorte possam ser acumulados de coorte sobre resultados e toxicidades.  

Estudos sugerem que o tratamento precoce, em casos indicados, durante as primeiras semanas de vida, pode melhorar os resultados auditivos e do neurodesenvolvimento.  

Com os elevados custos do valganciclovir oral em nosso país, a alternativa mais acessível é o ganciclovir. No entanto, seu uso intravenoso, associado aos riscos de uma internação prolongada, ao uso de cateteres e à toxicidade das medicações, exige uma avaliação criteriosa e contínua. A criança deve ser acompanhada por um infectologista pediátrico desde o nascimento, a fim de monitorar cuidadosamente o risco-benefício da terapia. 

Acompanhamento multidisciplinar
 

Recém-nascidos com CMV congênito devem ser acompanhados por uma equipe multidisciplinar, incluindo pediatras, neurologistas, oftalmologistas e otorrinolaringologistas. A avaliação auditiva e o monitoramento do desenvolvimento neurológico são essenciais para detectar precocemente déficits e intervir de forma oportuna. 

Intervenções de suporte
 

Crianças com sequelas de CMV congênito podem necessitar de suporte adicional, como terapias de reabilitação auditiva e visual, fisioterapia e apoio psicossocial. 

Conclusão
 

O CMV congênito é um quadro clínico de difícil manejo e há questões importantes que merecem mais investigações e para as quais ainda não há respostas: 

  • É necessário o tratamento de bebês que se apresentam após 30 dias de vida? Se sim por quanto tempo?  
  • Há algum benefício em tratar bebês com infecção congênita leve ou infecção congênita leve ou assintomática por CMV? 
  • Quais são os efeitos de longo prazo do tratamento com ganciclovir e valganciclovir? 
  • Há alguma necessidade de triagem de CMV congênito em bebês a termo ou em bebês prematuros? 
  • Tratamento de bebês prematuros com menos de 32 semanas de idade gestacional deve ser feito em que situações?  Qual é o tratamento adequado? 
  • Qual a diferença de resultados de curto e longo prazo com e sem tratamento? 
  • Quais são as melhores estratégias para prevenir a infecção materna ou a reinfecção na gravidez? 

O citomegalovírus congênito é uma causa significativa de morbidade infantil, com implicações graves para a saúde a longo prazo. O diagnóstico precoce e preciso, aliado a estratégias de prevenção eficazes e um manejo terapêutico adequado, são fundamentais para minimizar as complicações associadas.  

O desenvolvimento de uma vacina contra o CMV representa um importante fronteira na prevenção da infecção congênita e na proteção das gerações futuras.