Convulsão febril: identificação, manejo e cuidados pós-crise
As crises epilépticas febris são um dos problemas neurológicos mais comuns da infância. Estima-se que 2% a 5% das crianças menores de cinco anos de idade apresentarão pelo menos uma crise epiléptica em vigência de febre. O único estudo feito na América do Sul é chileno e apontou uma incidência de 4%.
A convulsão febril (CF) é o tipo mais comum de distúrbio convulsivo na infância, que ocorre em uma faixa etária específica, está associada a uma febre de 38,0 ℃ ou mais e não apresenta evidências de nenhuma doença causadora definida, como infecção do sistema nervoso central (SNC) ou anormalidade metabólica. A maioria dos casos de CF é benigna e autolimitada e, em geral, o tratamento não é recomendado.
A Associação Americana de Pediatria (AAP), em 2008, definiu a CF como uma convulsão que ocorre em crianças febris com idade entre 6 e 60 meses que não apresentam infecção intracraniana, distúrbio metabólico ou histórico de convulsão febril. É considerada uma “síndrome” porque preenche várias características que são semelhantes entre as crianças afetadas:
- a) geralmente ocorre em uma faixa etária restrita;
- b) a maioria das crianças com CF apresenta desenvolvimento neurológico e estrutural normal após o episódio;
- c) a CF não está associada a anomalias estruturais ou de desenvolvimento no cérebro, embora a existência de tal patologia possa aumentar a suscetibilidade.
Identificação e diagnóstico
Os sinais e sintomas típicos dessa patologia são crises convulsivas do tipo tônico-clônica, incluindo perda de consciência, dificuldade para respirar, espuma na boca, desvio ocular para a parte de trás da cabeça, olhar fixo, espasmos musculares generalizados ou focais e movimentos bruscos dos braços e pernas. Quando terminada, a criança pode ou não apresentar sintomas pós-ictais, tais como sonolência, irritação, dor de cabeça e confusão mental.
Além disso, ela é classificada quanto ao tempo de duração, sendo que aquelas com menos de 10 - 15 minutos são consideradas simples e com mais tempo são as complexas, sendo que cada uma também possui características distintas, conforme tabela abaixo.
Aquele paciente que tenha apresentado uma convulsão febril e que possua exames segmentar e neurológico sem anormalidades não necessita realizar exames complementares complexos, como estudos de neurofisiologia e neuroimagem. Dessa forma, as investigações a serem feitas em uma criança com crise e febre devem ser orientadas pela apresentação clínica e pela suspeita de infecção de base.
Na presença de crises febris complicadas, a chance de recorrência é maior e, além disso, sempre se deve considerar com mais rigor a possibilidade de crises epilépticas sintomáticas ou sintomáticas agudas, devendo portando a criança ser avaliada por um neurologista.
Fatores de risco
A etiologia da convulsão febril é considerada multifatorial, associando fatores ambientais e genéticos, determinando suscetibilidade à ocorrência de CFs. O padrão de herança genética é variável, e em 25-40% dos casos há história familiar positiva. Gêmeos monozigóticos parecem ter maior taxa de concordância se comparados a gêmeos dizigóticos, particularmente em relação às CFSs. A genética, as comorbidades (nascimento prematuro, retardo do crescimento fetal) e os fatores de risco ambientais (exposição à nicotina no útero ou uso de anti-histamínicos) podem aumentar o risco de convulsão febril, além da idade.
O diagnóstico da convulsão febril é clínico, necessitando de anamnese e exame físico detalhados, em que se deve procurar sinais sugestivos de meningite, distúrbios metabólicos ou outras causas secundárias de convulsões. É preciso caracterizar bem a convulsão, definindo duração, natureza, sintomas pós-ictais, doenças infecciosas recentes, situação do caderno vacinal e comorbidades.
O uso de antibióticos recentes também deve ser perguntado, devido ao possível mascaramento de sinais e sintomas de infecções meníngeas que ele pode causar.
Por fim, deve-se focar na causa da infecção que está gerando a febre.
O exame de líquor está indicado em crianças menores de 18 meses, que apresentem sinais sugestivos de meningite ou que tenham estado clínico muito comprometido. A glicemia do paciente deve ser pesquisada e os demais exames laboratoriais devem ser solicitados, de acordo com o quadro clínico e suspeita diagnóstica.
Exames complementares
Devem ser solicitados em caso de sinais clínicos de infecção ou em crises complexas;
- Gerais:hemograma, glicemia, eletrólitos, cálcio, fosforo, magnésio.
- Líquor: a punção lombar deve ser considerada em crianças com menos de 18 meses de idade, uma primeira crise febril complexa, pós-ictal prolongado, história recente de antibioticoterapia e/ou estado geral comprometido.
- < 12 meses:deve ser fortemente considerado, sobretudo em crianças com vacinação.
- Entre 12 e 18 meses:deve ser considerada.
- > 18 meses:não fazer, exceto se houver sinais de infecção SNC.
- Neuroimagem:não deve ser feita rotineiramente.
- EEG:não deve ser feito na primeira CF se criança estiver saudável.
Tratamento
O tratamento da crise febril engloba fase aguda, profilaxia e orientação aos familiares. O tratamento da crise epiléptica febril na fase aguda deve ser feito como o de qualquer crise epiléptica. A sequência de atendimento de um quadro de urgência (avaliação de vias aéreas, ventilação e circulação,) antes da infusão de medicação específica, deve ser respeitada. Além disso, a maior parte das crises termina antes dos pacientes chegarem ao pronto-atendimento, o médico, na maioria das vezes, avalia a criança já no período pós-ictal.
Em termos de medicação para cessar a crise, os benzodiazepínicos são preferidos, como o diazepam endovenoso na dose de 0,2 a 0,3 mg/kg/dose ou, na falta de acesso venoso, o midazolam, na dose de 0,2 a 0,7 mg/kg, que pode ser administrado por via intramuscular, retal ou intranasal.
Indica-se internação hospitalar para observação em casos de CFs complicadas ou prolongadas
Tratamento profilático
O tratamento profilático da crise febril envolve inúmeras controvérsias e gera grande discussão na literatura: há real necessidade de tratamento? Quando se deve tratar estes pacientes? Qual a melhor opção de tratamento?
A orientação da Academia Americana de Pediatria de 2008 quanto ao tratamento profilático é de que “a potencial toxicidade das drogas antiepilépticas supera os pequenos riscos de uma crise febril simples”. Em caso de grande ansiedade dos pais, recomenda-se o tratamento intermitente por curto período de tempo, mas o tratamento contínuo não é recomendado.
A profilaxia contínua só é utilizada atualmente em raríssimos casos, devido ao grande número de efeitos colaterais, tanto no uso do fenobarbital (sonolência, hiperatividade, dificuldade de aprendizagem) quanto do ácido valpróico (ganho de peso, náuseas, queda de cabelos, insuficiência hepática).
Tratamento intermitente
Consiste na administração de diazepam supositório ou por via oral na dose de 0,5 mg/kg/dose inicialmente e 0,2 mg/kg/dose de 12 em 12 horas durante o período febril. Outra opção é o clobazam por via oral na dose de 2,5 mg (para menores de 10 kg) e 5,0 mg (para maiores de 10 kg) de 12 em 12 horas.
Esses medicamentos devem ser dados à criança nos episódios de febre e nas próximas 48 a 72 horas de doença febril. Ainda que o uso não seja contínuo, o tratamento profilático intermitente também está associado a efeitos colaterais como sonolência e letargia.
Importante mencionar que o uso de antitérmicos não previne a ocorrência de crises febris.
Prognóstico
Cerca de um terço das convulsões febris apresentará um ou mais quadros de recorrência. As crianças que apresentam histórico familiar, a primeira crise com menos de 18 meses, baixo pico de temperatura (<40ºC) e febre antes da convulsão de curta duração possuem maior chance de apresentar uma nova CF em 1 ano. O risco de epilepsia é de 2 a 4% (maior que da população geral e maior nos casos de crises complicadas e múltiplas em menores de 1 ano). Não há relatos de óbito associado a crises febris simples, e elas não produzem nenhuma sequela motora ou cognitiva.
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