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Demência por Corpos de Lewy: sintomas, complicações e manejo clínico

A demência por corpúsculos de Lewy (DCL) é o segundo tipo mais comum de demência, responsável por 20-30% dos casos. Ela é subdiagnosticada, provavelmente porque seu quadro se sobrepõem com a
doença de Alzheimer
 – causa mais comum de declínio cognitivo. São fatores de risco para doença sexo masculino, história familiar de DCL e de doença de Parkinson. O protótipo da doença é o curso flutuante, com alucinações, alterações no sono e na percepção visuoespacial, além dos sintomas motores de parkinsonismo.   

Demência por corpúsculos de Lewy também é um termo guarda-chuva, que envolve não só a DCL, mas também a demência relacionada ao Parkinson – que, por sua vez, também tipicamente cursa com achados histológicos de corpúsculos de Lewy. Estes corpúsculos são achados intracitoplasmáticos de inclusões eosinofílicas (formados por agregados proteicos), encontrados em diferentes locais do cérebro, tipicamente nos lobos frontais, temporais e na insulina.  

Apesar da semelhança histológica e de vários achados, a DCL se destaca pelos sintomas cognitivos precoces e progressão mais rápida, enquanto a demência relacionada ao Parkinson costuma aparecer mais de 10 anos após o
diagnóstico do quadro motor
. Nesta postagem focaremos na DCL, seus achados clínicos, critérios diagnósticos e tratamento.  

Quadro clínico
  

O quadro clínico da DCL é florido e necessita a identificação de declínio cognitivo. O desafio aqui, em comparação à doença de Alzheimer, é que a avaliação das funções corticais superiores precisa ser ampla, uma vez que memória e capacidade verbal tende a estar preservada por mais tempo. Ou seja, funções como capacidade visuoespacial, atenção, função executiva e velocidade de processamento são mais afetadas. Assim testes que avaliam resposta para nomeação de cores, trilhas de números, cópia de figuras geométricas, tempo para resposta, quebra-cabeças tendem a ser mais alterados nestes pacientes. Infelizmente, não existem testes de triagem ou diagnósticos específicos para DCL.   

Como veremos nos critérios diagnósticos, a doença tem algumas características são consideradas centrais e outras de suporte. A primeira destas características centrais é ter o
curso flutuante
. São episódios transitórios de alterações no comportamento, fala, atenção e mesmo do grau de consciência. A melhor forma de investigar é questionar diretamente o cuidador ou acompanhante quanto a sonolência diurna, letargia, olhar vago e períodos de discurso flutuante. Um outro aspecto é que essas flutuações ocorrem desde o início do quadro e não apenas em fases mais tardias.  

Outras características centrais são as
alterações visuais, o parkinsonismo e as alterações no sono. As
alterações visuais
incluem alucinações recorrentes e complexas (presente em até 80% das pessoas); elas envolvem imagens bem formadas, como pessoas, animais. As respostas dos indivíduos às alucinações são bastante variadas, dependendo do grau de
insight
que eles tem do quadro. Quanto ao
parkinsonismo
, ele tende a ser parcial, apenas com uma das características centrais da doença de Parkinson – bradicinesia, tremor ou rigidez. Apesar disso, está presente em mais de 85% dos pacientes. Também deve-se estar atento a descartar que a origem dos sintomas seja medicamentosa ou eventos prévios, como AVC. Por fim, a quarta característica central é a alteração no
comportamento durante o sono REM
. Trata-se de uma parassonia, que se manifesta pelo paciente "atuando" durante os sonhos, sem a paralisia e atonia que são características desta fase. É relativamente comum relato de que os companheiros se machucam com os movimentos do paciente durante o sono. Uma questão curiosa é que esta parece ser a característica mais precoce do quadro, podendo iniciar anos antes do diagnóstico.    

Além dos aspectos centrais, existem outras características que são frequentes e reforçam a suspeita diagnóstica, mas possuim menor especificidade. Elas estão listadas na
Tabela 1
e incluem quedas, síncopes, sintomas autonômicos, redução do olfato (hiposmia), hipersonia, entre outros. Uma destas características é a hipersensibilidade a antipsicóticos, que se manifesta por parkinsonismo grave e alteração no nível de consciência à exposição a algum antipsicótico (especialmente os típicos). Este fenômeno independe da dose e pode ser acompanhado de sintomas de disautonomia.   

O diagnóstico é feito usualmente com base em critérios clínicos, mas em algumas situações de dúvida diagnóstica, exames complementares podem ser úteis para reforçar a hipótese, em especial para diferenciar doença de Alzheimer de DCL, com sensibilidades e especificidades que variam de 70% a 95%: 

  • A cintilografia miocárdica com metaiodobenzilguanidina (MIBG), que mostra baixa captação e sugere a presença de disfunção miocárdica.  
  • A polissonografia é útil para diagnóstico diferencial de parassonias e documentar a alteração no sono REM. 
  • Tomografia computadorizada com captação de dopamina tem menor disponibilidade que os dois exames anteriores, mas atividade dopaminérgica reduzida no estriato reforça o diagnóstico.  
  • Outros exames menos específicos são: 
  • Eletroencefalograma: atividade marcada de ondas lentas na região posterior e temporal são características da doença. Atividade delta intermitente frontal também é manifestação eletroencefalográfica de DCL. 
  • Ressonância magnética: atrofia cortical é maior em DCL do que doença de Parkinson. Além disso, DCL tem mais atrofia no putamen e na substância cinzenta mesopontina.  

Diagnóstico
 

Como com qualquer quadro demencial, avaliação começa com investigação e documentação da presença de declínio cognitivo. Isso inclui testes de rastreio, de confirmação de diagnóstica, bem como descartar diagnósticos alternativos.
Você pode explorar mais a fundo esse assunto no nosso eBook de avaliação de demência
. O diagnóstico é usualmente com base em fatores clínicos, identificando-se características centrais e/ou de suporte. Mas, em alguns pacientes, pode ser útil usar alguns dos exames complementares citados acima. Os critérios diagnósticos para DCL propostos pelo consórcio de demência de corpúsculos de Lewy estão apresentados na
Tabela 1
.  

Tabela 1.
Critérios diagnósticos para demência por corpúsculos de Lewy. Adaptado das referências 1 e 2. 

Tratamento
 

Não existem terapias que mudem a história natural da doença, da mesma forma que ocorre na doença de Alzheimer. Assim, o tratamento da DCL é dirigido para controle dos sintomas (cognitivos, motores, não-motores) que representam as características centrais e mais comuns da doença. A maior parte das recomendações de tratamento são baseadas em opiniões de especialistas, por que estudos primários sobre a doença são limitados.   

Para o tratamento de sintomas cognitivos e comportamentais recomenda-se o uso de rivastigmina ou donepezila. Esses fármacos parecem não só controlar manifestações cognitivas, mas também melhorar a função global, a capacidade para atividades da vida diária, apatia e alucinações visuais. Mesmo naqueles em que não há clara melhora, existe o potencial de reduzir a deterioração ao longo do tempo.   

Apesar da apreensão com piora dos sintomas motores e aumento de mortalidade, antipsicóticos podem ser considerados para pessoas com sintomas comportamentais ou alucinações refratários e graves. Apesar de haver poucos estudos para embasar essa conduta, dentro os representantes dos antipsicóticos, quetiapina e clozapina parecem ser os mais seguros.  

Para o controle de sintomas motores, infelizmente os agonistas dopaminérgicos são menos efetivos na DCL que na doença de Parkinson. Além disso, seu uso está associado com desencadeamento ou piora de psicose. Assim, a recomendação é iniciar em doses baixas e titular lentamente, buscando a menor dose que controla sintomas sem desencadear ou piorar sintomas psiquiátricos. Já para as alterações no sono REM, deve-se buscar um ambiente seguro de sono e melatonina ou clinazepam podem auxiliar no controle sintomático.