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Dermatite atópica em criança: quadro clínico e tratamento

A dermatite atópica (DA) é uma dermatose inflamatória crônica recidivante, de etiologia desconhecida, de início precoce que afeta de 10 a 30% da população. Sua prevalência parece estar aumentando, principalmente nos países desenvolvidos e nas classes sociais mais altas. Tem baixa mortalidade, mas alta morbidade, contribuindo para uma baixa qualidade de vida devido a alterações de sono, infecções de repetição e faltas escolares, podendo levar a alterações psicológicas importantes.   

Em geral, a dermatite atópica  é a primeira manifestação clínica da marcha atópica, seguida de asma e/ou rinite alérgica. Entende-se por marcha atópica a progressão sequencial de condições alérgicas diferentes observada a partir dos primeiros anos de vida. Aproximadamente 20 a 30% dos bebês com DA vão seguir este curso desfavorável de doença, que é associado a manifestações alérgicas graves e persistentes. 

Quadro clínico
  

O prurido é um sintoma cardinal que geralmente inicia no período de lactente (ao redor de 3 a 5 meses) e chega a ser incontrolável. A doença se apresenta na forma de surtos, com exacerbações e remissões recorrentes, muitas vezes sem causa aparente. A associação do prurido com lesões morfológicas típicas a cada faixa etária continua sendo o mais importante dado para o seu diagnóstico. Além disso, pode haver histórico familiar de atopias e outras afecções alérgicas.  

O ato de coçar e a escoriação causam aumento da inflamação da pele, o que contribui para o desenvolvimento de lesões cutâneas eczematosas mais pronunciadas.  

A maioria dos pacientes com dermatite atópica  tem pele seca e sem brilho, independentemente do estágio da doença. O padrão e a distribuição da reação cutânea variam de acordo com a idade do paciente e a atividade da doença.  

A dermatite atópica geralmente é mais aguda na infância e envolve a face, couro cabeludo e superfícies extensoras das extremidades. A área das fraldas geralmente é poupada. Crianças mais velhas e crianças com dermatite atópica crônica apresentam liquenificação e localização da erupção cutânea nas dobras flexurais das extremidades.   

A dermatite atópica pode entrar em remissão à medida que o paciente cresce; entretanto, muitas crianças com DA apresentam eczema persistente na idade adulta. 

Diferentes fases do crescimento e regiões acometidas pela dermatite atópica 

i. lactentes 

ii. maiores de 2 anos 

iii. adolescentes e adultos 

 

Fatores desencadeantes ou agravantes

  • Alergia alimentar pode estar envolvida em cerca de 30% dos casos, sobretudo casos graves de início precoce (leite de vaca, ovo, amendoim, nozes, soja, trigo, peixe,  marisco)  
  • Exposição a aeroalérgenos (pólen, grama, pêlos de animais, ácaros) 
  • Infecção (staphylococcus aureus, herpes simplex, coxsackievirus, molusco) 
  • Umidade reduzida, suor excessivo 
  • Irritantes (lã, acrílico, produtos de higiene pessoal, fragrâncias, detergentes) também podem desencadear prurido e coceira. 

Tratamento
 

O tratamento da dermatite atópica requer uma abordagem multifacetada que incorpora hidratação da pele, terapia antiinflamatória tópica, identificação e eliminação dos fatores de exacerbação e, se necessário, terapia sistêmica. A avaliação da gravidade ajuda a direcionar a terapia. 

Medidas gerais de cuidado com a pele
 

Hidratação da pele 

  • Evitar banhos muito longos e quentes, preferir água morna com sabonete suave ou produto de higiene sem sabão com pH neutro.  
  • Secar a pele suavemente com toalha macia sem esfregar 
  • Aplicar hidratante logo após o banho para vedar a umidade. É possível se usar hidratantes e emolientes com formulação que inclui produtos da degradação da Filagrina, como PCA (cido pirrolidônico carboxílico) ou NMFs,(
    Natural Mosturizing Factors)
     e/ou ceramidas e outros elementos lipídicos em sua composição. Em casos mais graves, podem ser realizados curativos úmidos oclusivos, devendo ser individualizados a possibilidade de risco de infecção e maceração 

Evitar irritantes 

  • Roupas novas devem ser lavadas antes de serem usadas para diminuir os níveis de formaldeído e outros produtos químicos.  
  • Os resíduos de sabão em pó nas roupas podem desencadear o ciclo de coceira-arranhão, o uso de detergente líquido no lugar, adicionando um segundo ciclo de enxágue, melhora a remoção dos resíduos. 
  • Evitar alimentos que sabidamente pioram o quadro bem como outros agentes irritantes para a pele 

Estilo de vida 

  • Um esporte como a natação pode ser mais bem tolerado do que outros que envolvam transpiração intensa, contato físico ou roupas e equipamentos pesados. Enxaguar o cloro imediatamente após a natação e hidratar a pele são importantes.  
  • Embora a luz ultravioleta possa ser benéfica para alguns pacientes com dermatite atópica, os protetores solares com (FPS) devem ser usados para evitar queimaduras solares e cicatrizes hipercrômicas em áreas atingidas. 

Tratamento tópico
 

  • Corticoides:
    é a pedra angular do tratamento para exacerbações agudas da DA. Há sete classes de glicocorticoides tópicos, classificadas de acordo com sua potência, conforme determinado por ensaios de vasoconstritores, sendo o 1 o mais fraco e 7 o mais forte (ver tabela abaixo). Devido a seus possíveis efeitos adversos, os glicocorticoides de potência ultra-alta não devem ser usados na face ou nas áreas intertriginosas e devem ser usados por períodos muito curtos no tronco e nas extremidades. Os corticosteroides de média potência podem ser usados por períodos mais longos para tratar a DA crônica envolvendo o tronco e as extremidades. Em comparação com os cremes, as pomadas têm maior potencial de ocluir a epiderme, resultando em maior absorção sistêmica. Os efeitos adversos locais incluem o desenvolvimento de estrias e atrofia da pele. Os efeitos adversos sistêmicos estão relacionados à potência do corticosteroide tópico, local de aplicação, oclusividade da preparação, porcentagem da área de superfície corporal coberta e tempo de uso. O potencial de supressão adrenal é maior em bebês e crianças pequenas com dermatite atópica grave que requerem terapia intensiva.
  • Inibidores tópicos não esteroides da calcineurina: 
    são eficazes na redução da inflamação cutânea da DA. O creme de pimecrolimus 1%  é indicado para DA leve a moderada. A pomada de tacrolimus 0,1% e 0,03%  é indicada para DA moderada a grave. Ambos são aprovados para o tratamento de curto prazo ou intermitente de longo prazo da DA em pacientes com idade maior que 2 anos cuja doença não responde ao tratamento convencional ou para os quais essas terapias são desaconselháveis devido a outros riscos.   

Tratamento sistêmico
 

  • Anti-histamínicos:
    a histamina é apenas um dos muitos mediadores que induzem o prurido na pele, portanto o benefício da terapia anti-histamínica é limitado. Como o prurido geralmente é pior à noite, os anti-histamínicos sedativos (hidroxizina,  difenidramina) podem oferecer uma vantagem com seus efeitos colaterais de indução do sono quando usados na hora de dormir por permitir o descanso adequado em casos de prurido noturno grave. Anti-histamínicos mais novos, não sedativos, mostraram eficácia variável no controle do prurido da DA, embora possam ser úteis em um pequeno subgrupo de pacientes com DA e urticária concomitante.  
  • Corticoide sistêmico:
    a melhora clínica significativa que pode ocorrer com os corticosteroides sistêmicos está frequentemente associada a um grave surto de rebote da DA após a interrupção da terapia. Cursos curtos de corticosteroides orais podem ser utilizados na exacerbação da  DA enquanto outras medidas de tratamento estejam sendo instituídas em paralelo, sua retirada deve ser gradual e devem ser intensificados os cuidados com a pele para evitar a de rebote da DA. 
  • Ciclosporina:
    a ciclosporina é uma droga imunossupressora potente que atua principalmente nas células T, suprimindo a transcrição do gene da citocina e tem se mostrado eficaz no controle da DA grave. Ciclosporina (5 mg/kg/dia) para curto e longo prazo (1 ano) tem sido benéfica para crianças com DA grave e refratária. Os possíveis efeitos adversos incluem insuficiência renal e hipertensão. 
  • Micofenolato de mofetil:
    inibidor da biossíntese de purinas usado como imunossupressor em transplantes de órgãos que tem sido usado para tratamento da DA refratária. Além da  imunossupressão, a retinite por herpes simples e supressão da medula óssea relacionada à dose foram relatadas com seu uso. Nem todos os pacientes se beneficiam do tratamento. Deve ser descontinuado se não houver melhora em  4 a 8 semanas.  
  • Metotrexato
    : é um antimetabólito com efeitos inibitórios potentes sobre a síntese de citocinas inflamatórias e quimiotaxia celular. O metotrexato tem sido usado em pacientes com DA recalcitrante. Na DA, a dosagem é mais frequente do que a dosagem semanal usada para psoríase. 
  • Azatioprina
    : é um análogo de purina com efeitos antiinflamatórios e antipopulíferos que tem sido usado no tratamento da DA grave. A mielossupressão é um efeito adverso significativo, e os níveis de tiopurina metiltransferase podem identificar indivíduos em risco. 
  • Dupilumabe:
    um anticorpo monoclonal, que se liga à subunidade α do receptor de IL-4, inibe a sinalização de IL-4 e IL-13, citocinas associadas à DA. Em adultos com DA moderada a grave não controlada pela terapia tópica padrão, o dupilumabe reduz o prurido e melhora a limpeza da pele.   
  • Fototerapia
    : a luz solar natural costuma ser benéfica para pacientes com DA, desde que se evite queimaduras solares e suor excessivo. Muitas modalidades de fototerapia são eficazes para a DA, incluindo ultravioleta A-1, ultravioleta B, banda estreita ultravioleta B e psoraleno mais ultravioleta A. A fototerapia é geralmente reservada para pacientes nos quais os tratamentos padrão falham. Os efeitos adversos de curto prazo da fototerapia incluem eritema, dor na pele, prurido e pigmentação. Os efeitos adversos de longo prazo incluem predisposição a malignidades cutâneas.  

Antes do uso de qualquer um desses medicamentos, os pacientes devem ser encaminhados a um especialista em dermatite atópica que esteja familiarizado com o tratamento da manifestação grave para avaliar os benefícios relativos de terapias alternativas. 

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