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Febre de Origem Indeterminada (FOI): etiologias, abordagens diagnósticas e terapêuticas

Febre de origem indeterminada (ou obscura) (FOI) é uma situação infrequente, porém muito desafiante na prática clínica. A primeira descrição de FOI é de 1961, pelos médicos norte-americanos Petersdorf e Beesom. Foi definida como uma temperatura corporal de pelo menos 38,3°C, com uma duração de pelo menos 3 semanas e com pelo menos 1 semana de investigação hospitalar sem diagnóstico.   

Apesar desta definição não ser mais considerada adequada e de terem surgido outras propostas para definição de FOI, o conceito central se mantém:
a presença de febre com duração suficiente para descartar causas autolimitadas e sem uma etiologia determinada após investigação adequada
. Além disso, existem propostas de subclassificações de FOI, como FOI clássica, nosocomial, relacionada à imunossupressão ou relacionada a viagens. Neste texto, focaremos na abordagem geral de FOI.  

Mais de 200 causas diferentes de FOI já foram descritas. Estudos de séries de casos são úteis para guiar a investigação e compreender mudanças nos padrões de diagnósticos ao longo dos anos. Apesar dos avanços em técnicas de diagnóstico, a taxa de pacientes que se mantêm sem diagnóstico após a investigação continua por volta de 30-50%, números semelhantes às primeiras séries de casos. A chance de não se chegar a um diagnóstico definitivo aumenta com a duração da febre e com a recorrência dos episódios; FOI com mais de um ano de duração a chance de diagnóstico é remota.   

Alguns conceitos sobre o processo de investigação são importantes. O primeiro é que anamnese, exame físico e exames gerais iniciais usualmente não são suficientes para o diagnóstico, mas são muito úteis para apontar dicas de como prosseguir a investigação com recursos mais caros e focados. Os casos de FOI mais desafiantes são aqueles sem sintomas localizatórios.   

O segundo aspecto é que uma abordagem sistematizada é bastante útil. Apesar de ser assunto em debate, alguns autores recomendam que haja com um protocolo pré-definido com um conjunto mínimo de exames a serem feitos antes de qualquer exame específico.  

Por fim, o médico deve definir o contexto (hospitalar ou ambulatorial) e a estratégia (em sequência ou em paralelo) de investigação. Pessoas com quadros mais agudos, com sinais de risco de vida ou piorando rapidamente, a tendência é optar com investigação com o paciente internado e com exames correndo em paralelo.  

Investigação inicial
 

Exame clínico
 

A entrevista médica talvez seja o principal recurso diagnóstico em pacientes com FOI. Atrasos no diagnóstico da causa da FOI podem ser atribuídos em alguns casos a falhas na entrevista. Não se deve considerar a entrevista como uma ferramenta limitada no tempo, realizada apenas no primeiro contato com o paciente, mas sim um processo em que se "vai e vem" de acordo com que vão surgindo novas informações.   

Revisar a história com familiares pode ser importante para detectar detalhes que podem passar despercebidos (ou mesmo serem filtrados) pelo paciente. Também é a partir dela (junto com exames gerais) que surgirão dicas para hipóteses a serem seguidas. Por fim, pode se suspeitar de categorias etiológicas a partir de dados da história e exame físico,  

  • Perda de peso marcada (~ 1 kg por semana), especialmente se acompanhada de anorexia, sugere
    doenças neoplásicas
    . Prurido após banho quente também sugere este grupo de causas. E, em pessoas com história prévia de neoplasia, deve-se estar atento a recorrências e novas neoplasias.  
  • Procedimentos cirúrgicos prévios (abscessos), cáries e doença periodontal (endocardite) e exposição à tuberculose devem levantar a suspeita de
    causas infecciosas
    . Exposições a animais ou ambiente rural devem levantar a suspeita de brucelose, doença da arranhadura do gato, toxoplasmose, histoplasmose, entre outros. Exposição a enchentes e áreas de alagamento sugerem leptospirose. Imunossupressão deve gerar atenção a citomegalovírus, tuberculose (inclusive com manifestações em sítios atípicos), criptococose, entre outros. Exame de fundo de olho pode ajudar a identificar tuberculose, toxoplasmose e histoplasmose, além de poder sugerir também causa neoplásica, como mixomas atriais. 
  • Pacientes em que artralgias (em especial com artrite) e mialgias são parte dos sintomas cardinais, deve-se estar atento a
    causas reumatológicas e inflamatórias
    . Por outro lado, calafrios falam contra este grupo de causas (e falam a favor de causas infecciosas). História familiar de doenças auto-imunes também deve gerar suspeita deste de doenças inflamatórias.
    Rash
    e úlceras orais podem indicar lúpus eritematoso sistêmico, doença de Still do adulto (mas também doenças virais). Alterações de pulsos periféricos deve alertar para vasculites, em especial Takayasu.  
  • Por fim, o último grupo de causas de FOI são
    doenças variadas
    . Por englobar doenças com mecanismos muito variados não existem manifestações típicas do grupo. Apesar disso, sintomas cíclicos devem gerar atenção para neutropenia cíclica e febre do mediterrâneo, ser profissional da saúde sugere a possibilidade de transtorno factício e exposição a certos fármacos (anticonvulsivantes, antipsicóticos e inibidores da recaptação da serotonina, alopurinol e alguns antibióticos) deve lembrar da possibilidade de febre medicamentosa.   

Apesar de haver muitas descrições históricas de padrões de febre para identificar causas (malária, febre tifóide, linfoma), esses padrões carecem de acurácia suficiente para serem úteis. Por outro lado, é muito importante aferição adequada e objetiva da febre, para evitar investigações por erros de medidas. Outra questão importante é fazer aferições sob observação direta de um membro da equipe para indivíduos que está se suspeitando de febre factícia.   

Exames complementares
 

Nesta primeira fase da investigação, existem dois grupos de exames complementares: os que devem ser solicitados de acordo com as hipóteses levantadas pela história e exame físico, por sintomas ou sinais sugestivos de alguma etiologia e os exames gerais que fazem parte desta primeira busca por "dicas" que auxiliem a direcionar a investigação. Não existe uma lista definitiva de exames recomendados para investigação de FOI, mas listamos aqui os mais comuns na literatura:  

  • Hemograma com plaquetas e avaliação do sangue periférico; 
  • Eletrólitos e função renal, atentando para cálcio e fósforo; 
  • Provas de função e dano hepático; 
  • Hemoculturas (pelo menos um par) e, conforme a suspeita e disponibilidade, solicitar incubação e uso de meios para germes de crescimento lento; 
  • Exame comum de urina e cultura; 
  • Sorologias de HIV, citomegalovírus, Epstein-Barr, toxoplasmose e, conforme a suspeita, vírus associados com dano hepático, como hepatites e herpes; 
  • Fator reumatóide e fator antinuclear; 
  • Hemossedimentação, proteína C reativa e ferritina; 
  • Imagens de tórax, abdome e pelve (usualmente tomografias, se disponível). Alguns textos sugerem apenas TC de abdome e pelve na primeira avaliação por que a acurácia de exames tomográficos de corpo inteiro em pacientes com FOI é limitada. 

Manejo inicial
 

Além desses primeiros passos diagnósticos que, com sorte, já indicarão uma etiologia e assim um manejo, algumas considerações de condutas podem ser feitas. A primeira é suspender o uso de todos os medicamentos que não forem considerados essenciais da prescrição do paciente. Um diário de febre pode ser útil em pacientes ambulatoriais, não só para identificar padrões de febre (pouco específicos), mas para documentar a presença da mesma. Uso de antitérmicos não é mandatório, mas pode ser recomendado para pessoas que têm desconforto com a febre. Por fim, deve-se evitar tratamentos empíricos, seja com corticoide, seja com antibióticos, sem uma hipótese clínica clara; uma exceção a essa regra é no caso de sinais de instabilidade e suspeita de sepse, quando antibióticos fazem parte da abordagem inicial do paciente.  

Um aspecto a ser considerado neste momento é a necessidade de internação. Se o paciente se encontra estável, com possibilidade de retorno ambulatorial e não houver limitações para a investigação, pode-se manter o manejo ambulatorial com retornos frequentes (semanais). Por outro lado, se algum desses fatores limitar a investigação adequada ou houver necessidade de observação direta do paciente por um período, internação hospitalar acaba sendo necessária.   

Investigação adicional
 

Em algumas séries, a taxa de resolução espontânea pode chegar a 25%. Quando isso ocorre, deve-se suspender antitérmicos que estejam eventualmente em uso e observar o paciente quanto à recorrência. Sugere-se não prosseguir a investigação se não houver sintomas ou sinais de doença adicionais.   

Na persistência da febre, os exames adicionais devem ser guiados pelo quadro do paciente e exames gerais realizados anteriormente. Frequentemente biópsias são necessárias para o diagnóstico da etiologia da FOI. Os tecidos mais comumente biopsiados são linfonodos, pele e medula óssea.   

Quanto aos linfonodos, linfonodos cervicais posteriores, infra ou supraclaviculares, epitrocleares e intracavitários (torácicos hilares, mediastinais e retroperitoneais) tem maiores rendimentos; por outro lado, linfonodos cervicais anteriores, axilares e inguinais tem maior chance de mostrar inflamação crônica inespecífica.  

Biópsias de pele normalmente são realizadas em lesões suspeitas, mas existem relatos de diagnóstico de linfoma intravascular com biópsias de pele normal (após longa e extensa investigação negativa). Por fim, biópsia de medula óssea é útil especialmente útil para pacientes com citopenias. Além do diagnóstico de doenças hematológicas, também auxilia para identificar doenças infecciosas (como tuberculose, micoses sistêmicas e brucelose), assim deve-se lembrar de enviar material também para microbiologia.   

Ainda como opção diagnóstica em pacientes em que não se chega a uma conclusão, exames cintilográficos podem ser utilizados. Eles são menos úteis que tomografia com PET (ver a seguir), mas tem rendimento de até 35% e podem ser utilizados em alguns contextos.   

Por fim, pacientes que seguem sem diagnóstico, mas estão estáveis e em bom estado geral, pode-se optar por observação periódica. Progredir investigações a esmo, sem hipótese clara, tende a gerar custos e ansiedade com baixa chance de um diagnóstico. É neste contexto (investigação negativa, febre persistente e bom estado geral) que se deve suspeitar e investigar transtorno factício.   

Tomografia com PET como recurso adicional?
 

Parte da literatura e alguns estudos primários têm sugerido que tomografia corporal com PET (​​do inglês
positron emission tomography
) é um exame valioso para pacientes com FOI que não se identifica etiologia após investigação inicial. Em uma revisão sistemática com metanálise recente, a tomografia com PET contribuiu com o diagnóstico em 70% dos casos e apresentou sensibilidade de 65% e especificidade de 85%. Dessa forma, apesar de ser um exame de acesso restrito e de alto custo, é uma ferramenta adicional para investigação, em especial para situações em que há persistência da febre e permanece sem diagnóstico.

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