Fisioterapia aquática: benefícios e aplicações clínicas
Segundo a
Resolução n° 443
, de 3 de setembro de 2014, do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), Fisioterapia Aquática é toda a utilização da água nos diversos ambientes e contextos, em quaisquer dos seus estados físicos (sólido, líquido ou gasoso), para fins de atuação do fisioterapeuta no âmbito da hidroterapia, hidrocinesioterapia, balneoterapia, crenoterapia, cromoterapia, termalismo, duchas, compressas, vaporização/inalação, crioterapia e talassoterapia.
O início do uso da água para fins terapêuticos não possui uma data específica, mas registros mostram que desde a antiguidade ela já era muito utilizada. A água já foi utilizada para o controle da febre pelos hindus, para o convívio social na Grécia, para a prevenção de doenças entre os romanos, mas sempre com o objetivo de cura.
A atuação do especialista em fisioterapia aquática poderá ser em todos os níveis de atenção à saúde:
- Primária:serviços de baixa complexidade, constituída pelas unidades básicas de saúde (UBS), equipe de saúde da família (ESF) e núcleo de apoio à saúde da família (NASF);
- Secundária:serviços especializados em níveis ambulatorial e hospitalar, com densidade tecnológica intermediária e;
- Terciária:considera o conjunto de terapias e procedimentos de alta complexidade. Também poderá ser usada em todas as fases do desenvolvimento ontogênico, com ações de prevenção, promoção, proteção, educação, intervenção, recuperação e reabilitação do seu cliente/paciente/usuário.
Princípios e benefícios da fisioterapia aquática
O emprego da água resulta em ótimos efeitos para o paciente. Entretanto, os resultados poderão ser potencializados a partir do conhecimento das propriedades físicas da água, tais como: massa, peso, densidade, densidade relativa, empuxo, viscosidade, pressão hidrostática, tensão superficial, forças coesivas, turbulência, calor específico, calor latente, capacidade térmica e refração. É por meio dos efeitos gerados por essas propriedades que as alterações fisiológicas ocorrem no organismo do paciente, sendo potencializados quando associados ao movimento.
Dependendo da condição funcional do paciente, o uso da fisioterapia aquática pode ser mais recomendado do que o exercício realizado em solo. Conhecer os efeitos da imersão é fundamental para o direcionamento da melhor abordagem ao paciente, considerando as indicações e contraindicações.
Ao entrar na água, a imersão provoca bradicardia e vasoconstrição periférica, resultando no deslocamento do sangue para os órgãos vitais. As alterações hemodinâmicas da imersão estão associadas à pressão hidrostática e à temperatura da água. Esse redirecionamento do sangue das extremidades para o tronco aumenta o retorno venoso e linfático, a pressão intratorácica, a pressão venosa central, a pressão arterial pulmonar e o volume de ejeção e por consequência o débito cardíaco. Adicionalmente, a imersão em água aquecida promove o aumento da circulação sanguínea, vasodilatação periférica e melhora do suprimento sanguíneo para as extremidades, além de favorecer o retorno venoso. Esse aumento na chegada de sangue para as extremidades favorece a oxigenação tecidual, reduz do espasmo muscular e melhora do reparo tecidual. Ainda, a pressão hidrostática atua no compartimento intersticial favorecendo a drenagem linfática e tecidual com efeitos positivos em edemas.
No sistema articular, reduz a sobrecarga e favorece a cinética do movimento com redução da dor. No sistema respiratório, os efeitos são decorrentes da pressão hidrostática que acarreta um aumento do trabalho respiratório e a redução da capacidade vital e do volume de reserva expiratório pela compressão da caixa torácica e do abdome.
Em função das alterações hemodinâmicas, há um aumento do débito urinário (diurese), com perda de volume plasmático, de sódio (natriurese) e de potássio (potassiurese). Esses efeitos são mediados por hormônios, dentre eles, o hormônio natriurético atrial. A sobrecarga cardíaca em função dos efeitos da imersão acaba levando ao aumento do débito urinário.
Para a manutenção da homeostase, há um efeito autonômico com aumento da modulação parassimpática/vagal em função dos estímulos nos receptores de pressão do sistema cardiovascular. Esse aumento na resposta vagal, aumenta o transporte tubular de sódio e diminui a resistência vascular renal pela redução na resposta hormonal (vasopressina) e também do sistema renina-angiotensina-aldosterona.
A temperatura da água influencia na resposta já que a imersão em água fria potencializa a resposta vagal. Os sintomas de dor são beneficiados pela imersão uma vez que a velocidade de condução da informação (aferência) é maior nas fibras de calor do que as fibras de dor. Além disso, a liberação de catecolaminas, aumentando o limiar para dor das pessoas, ou seja, a pessoa passa a tolerar mais a sensação dolorosa que contribui para o restabelecimento da funcionalidade e tolerância ao esforço.
Aplicações clínicas da fisioterapia aquática
A aplicação da fisioterapia aquática aumentou nos últimos anos com o avanço no conhecimento científico sobre os seus efeitos terapêuticos na reabilitação física de muitas doenças e disfunções cinético-funcionais, como as doenças cardíacas, respiratórias, neurológicas, ortopédicas, esportivas e reumatológicas.
Em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica moderada e severa foram descritos efeitos semelhantes aos exercícios de intensidade moderada realizados no solo sobre a capacidade funcional, função pulmonar (volume expiratório forçado no 1° segundo - VEF1), na pressão inspiratória e expiratória máxima (PImax e PEmax) e no índice BODE.
Pacientes com osteoartrite (AO) também podem se beneficiar dos exercícios na água. A OA é uma condição caracterizada por dor articular, limitação do movimento e que até o momento não apresenta cura. Recentemente, foi demonstrado que há evidências de qualidade moderada. O exercício aquático pode ter efeitos pequenos, de curto prazo, mas clinicamente relevantes na dor, incapacidade e qualidade de vida relatadas pelos pacientes com OA de joelho e quadril.
Em pacientes com doença arterial coronariana, 12 semanas de treinamento físico em circuito aquático foram bem tolerados e melhoraram a função endotelial vascular. A melhora na função vascular reduz a chance de eventos adversos, como morte, nessa população. Em outro estudo, o treinamento no meio aquático foi bem tolerado e melhorou a capacidade aeróbica, a força muscular de membros inferiores e a gordura corporal de maneira similar ao grupo que realizou treinamento em circuito na academia.
Em mulheres com ou em risco de linfedema relacionado ao câncer de mama, o exercício aquático em ritmo lento, na forma de Ai Chi modificado, foi mais eficaz do que o exercício aquático convencional na redução do volume do braço imediatamente após a intervenção. No entanto, não foi sustentada após 1h após a intervenção.
Já em pacientes que realizaram cirurgia do ligamento cruzado anterior, a reabilitação aquática pode ser benéfica nas fases iniciais da reabilitação com a descarga de peso precoce, mobilização articular e redução dos níveis de dor.
Técnicas terapêuticas na piscina
O método dos anéis de Bad Ragaz é uma técnica da fisioterapia aquática que associa exercícios em flutuação sustentada às propriedades físicas da água. As propriedades de flutuação, turbulência, pressão hidrostática, tensão superficial e temperatura favorecem um programa de exercícios de resistência progressiva, estabilização e relaxamento.
A técnica conta com a participação do paciente no controle da resistência:
- o apoio e as fixações manuais do fisioterapeuta facilitam o movimento devido à estimulação da pele, dos músculos e dos proprioceptores;
- os comandos verbais precisos do fisioterapeuta favorecem o movimento ativo do paciente;
- os padrões de exercícios de “empurrar” e “puxar” atuam sobre as articulações e terminações nervosas sensitivas e auxiliam o reflexo de estiramento do músculo;
- há estimulação da musculatura mais fraca pela facilitação dos músculos mais fortes, fenômeno denominado irradiação;
- a graduação de dificuldade dos exercícios é progressiva conforme as resistências manuais (distais e proximais) do fisioterapeuta facilitando que os movimentos ocorram de maneira natural e funcional.
Outro método tradicional como recurso terapêutico é o método Halliwick, que é muito conhecido pelos efeitos positivos sobre a melhora e/ou aquisição do equilíbrio e da estabilização postural. Esses efeitos se devem ao fato de as manobras e posturas do método exigirem que o paciente realize constantes ajustes para organizar e alinhar o corpo no meio líquido.
Além desse efeito sobre o equilíbrio e a estabilização postural, o método promove melhora da mobilidade articular, em razão da liberdade de movimento, controle da respiração, adaptação ao meio líquido e, consequentemente, o incremento do desempenho e da flexibilidade muscular e o alívio da dor, favorecendo a independência e a autonomia do paciente.
Conforme o paciente vai adquirindo habilidades motoras para se manter ou mudar as posturas preconizadas pelo método, de forma controlada, ele será capaz de responder com destreza a diferentes situações, estímulos e tarefas, criando movimentos com eficiência e independência.
Esse método é muito importante para a aquisição e a melhora do equilíbrio, pois, na água, o corpo precisa fazer ajustes para igualar a força da gravidade com a do empuxo e, se isso não for alcançado, o corpo torna-se instável, causando torques rotacionais e reações automáticas de equilíbrio e estabilização postural.
A metodologia do Halliwick é baseada em quatro princípios de instrução, que seguem a ordem pela qual o córtex cerebral aprende o movimento físico. São eles: adaptação mental, restauração do equilíbrio, inibição e facilitação.
A hidrocinesioterapia é um dos recursos mais utilizados na fisioterapia aquática. Os exercícios terapêuticos realizados no meio líquido, que compõem a hidrocinesioterapia, trazem diversos benefícios para a reabilitação física de pacientes com diferentes disfunções cinético-funcionais, pois combinam os efeitos dos movimentos com os efeitos físicos e térmicos da água aquecida.
Tais exercícios podem, ainda, ser aplicados com o uso de diferentes recursos mecanoterápicos, como espaguetes, palmares, halteres, degraus, camas elásticas, coletes, entre outros, que facilitam, dificultam ou dão suporte aos movimentos.
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