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Fraqueza muscular adquirida em UTI: causas, avaliação e estratégias de reabilitação

A identificação de indivíduos com maior risco de desenvolver fraqueza muscular adquirida na unidade de terapia intensiva (FMA-UTI), conhecida em inglês como ICU-acquired weakness (ICU-AW), representa um desafio significativo para a equipe multiprofissional atualmente. Esse diagnóstico clínico refere-se à fraqueza muscular em pacientes críticos, que não pode ser atribuída a outras causas além da própria doença crítica.

A FMA-UTI é tipicamente sistêmica, simétrica, e afeta a musculatura proximal dos membros e a musculatura respiratória. Os músculos faciais e oculares permanecem inalterados. As apresentações clínicas podem ser heterogêneas e dependem da idade, condição clínica, severidade do acometimento, tempo de internação na UTI e o uso de ventilação mecânica.  

A causa do desenvolvimento da fraqueza muscular adquirida na unidade de terapia intensiva (FMA-UTI) é multifatorial. No entanto, a condição pode ser exacerbada em um cenário de imobilidade. Além disso, o uso de medicamentos como corticosteroides e bloqueadores neuromusculares pode agravar significativamente o quadro de fraqueza muscular. 

A FMA-UTI pode se iniciar devido a uma alteração nervosa, conhecida como polineuropatia de doença crítica, ou diretamente na musculatura, chamada miopatia de doença crítica. Quando ambas as condições ocorrem simultaneamente, o quadro é denominado neuromiopatia do doente crítico.

A prevalência de FMA-UTI varia consideravelmente dependendo da população estudada, dos fatores de risco, do momento da avaliação, dos métodos diagnósticos, da função muscular pré-hospitalar e do estado funcional geral. Estima-se que essa prevalência seja em torno de 43%, com a incidência aumentando significativamente entre os pacientes com sepse.

As consequências da internação em um ambiente hospitalar complexo é um dos grandes desafios do século 21 para pacientes que experienciaram uma unidade de terapia intensiva (UTI). Sobreviventes de doenças críticas enfrentam como consequências da internação: redução da capacidade funcional que pode durar até 5 anos após o período na UTI, redução na função pulmonar, muscular força e capacidade de esforço. Esses fatores impactam negativamente nas atividades de vida diárias e têm sido associados a menor qualidade de vida relacionada à saúde. 

Além disso, essas consequências dificultam a retomada dos papéis familiares e sociais, causando um grande ônus socioeconômico. Intervenções de reabilitação precoce podem ser eficazes no tratamento dos déficits funcionais associado à permanência na UTI. 

Causas e consequências da fraqueza muscular em UTI 

As causas para a FMA-UTI podem ser divididas em fatores modificáveis e não-modificáveis. 

Os fatores de risco modificáveis incluem hiperglicemia, administração de nutrição parenteral, administração de drogas vasoativas, bloqueadores neuromusculares, corticosteróides, sedativos, alguns antibióticos (aminoglicosídeos, vancomicina) e imobilismo. 

Quanto aos fatores de risco não-modificáveis, a severidade da doença, sepse e inflamação, falência múltipla de órgãos e longos períodos em ventilação mecânica são preditores de FMA-UTI. Quanto maior o tempo em ventilação mecânica, menor é a chance de sucesso na extubação. 

O
turnover
de proteínas na musculatura é crucial e permite ao organismo responder a mudanças rápidas. Fatores como a idade naturalmente atrasam o processo anabólico muscular com efeitos a médio e longo prazo e risco de desenvolvimento de sarcopenia. Em pacientes críticos, a sepse e demais fatores de risco podem influenciar negativamente na síntese proteica. 

Esse estado de estresse também desencadeia uma resposta autonômica com a ativação do sistema nervoso simpático, liberação de hormônios catabólicos (por exemplo, catecolaminas e glicocorticóides) e secreção de citocinas pró-inflamatórias; estes ativam a proteólise, resistência ao anabolismo, fraqueza e atrofia muscular. 

As principais cascatas de sinalização celular para o anabolismo, como IGF-1/insulina, Akt e mTOR, encontram-se inibidas em processos de sepse e podem contribuir para a degradação proteica. Por outro lado, a ativação das vias das caspases, lisossomas autofágicos e sistema ubiquitina-proteossoma contribui para o aumento na proteólise. 

Outro fator que parece influenciar na força muscular é a alteração na função do retículo sarcoplasmático. O retículo sarcoplasmático é responsável pela ligação e liberação de cálcio no músculo esquelético para a contração muscular. A sepse tem um efeito negativo significativo na homeostase do cálcio; reduz a liberação de cálcio no retículo sarcoplasmático, aumenta a sensibilidade das proteínas contráteis ao cálcio, afeta a excitabilidade da membrana no músculo esquelético e leva à diminuição da força muscular. 

Da mesma forma, a sepse pode causar alterações nos canais iônicos de Na+ (sódio) e K+ (potássio) levando a distúrbios elétricos e, por consequência, na excitabilidade da membrana plasmática afetando a função neuromuscular. A disfunção mitocondrial também acompanha a alteração que ocorre em nível celular com a deficiência na produção de ATP, superprodução de espécies reativas de oxigênio e liberação de citocromo c no citosol celular, dentre outros efeitos.

Avaliação e estratégias de reabilitação

A avaliação da FMA-UTI é realizada clinicamente por meio da avaliação da força muscular. Algumas ferramentas úteis incluem o Medical Research Council Score (MRC-SS), que avalia seis principais grupos musculares: abdutores bilaterais do ombro, flexores do cotovelo, extensores do punho, flexores do quadril, extensores do joelho e dorsiflexores do tornozelo. Pacientes com pontuação total inferior a 48 são diagnosticados com FMA-UTI, enquanto aqueles com pontuação inferior a 36 são diagnosticados com FMA-UTI grave. A dinamometria com equipamento portátil também pode ser utilizada, com valores limites de força de preensão para FMA-UTI sendo < 11 kg para homens e < 7 kg para mulheres.

Para realizar a avaliação da FMA-UTI, é essencial a cooperação dos pacientes, o que pode ser difícil em casos de delirium, coma ou sedação. Em situações mais complexas, medidas como biópsia muscular e testes de condução nervosa são utilizados para identificar a condição. No entanto, esses métodos são invasivos, caros, exigem conhecimentos especializados significativos e nem sempre estão disponíveis no ambiente clínico. Uma ferramenta que tem ganhado espaço na UTI é a ultrassonografia, que oferece uma medida não volitiva, nova e promissora, permitindo a identificação de alterações na estrutura e morfologia muscular de maneira não invasiva.

Vale destacar que a mobilização precoce é segura, com a maioria dos eventos adversos sendo decorrentes de alterações hemodinâmicas e/ou ventilatórias, que são de baixa frequência e reversíveis com a interrupção da intervenção. Essa prática é indicada para adultos internados em UTI, preferencialmente em respiração espontânea, cooperativos e sem hipertensão intracraniana. No entanto, embora a mobilização precoce em pacientes sedados, não cooperativos e em ventilação mecânica possa apresentar limitações, ela não deve ser considerada uma contraindicação.

Quanto às alternativas para a reabilitação, a bicicleta ergométrica ou cicloergometria se destacam. Estudos já demonstraram efeitos positivos na capacidade funcional, avaliada através do teste de caminhada de seis minutos, no momento da alta hospitalar. Um ponto positivo é que o paciente pode se exercitar tanto de forma ativa quanto passiva, ou seja, mesmo estando sedado e em ventilação mecânica. A literatura indica que essa intervenção é segura no ambiente hospitalar, mas ainda são necessárias mais informações sobre os efeitos do uso do cicloergômetro em desfechos como dias de hospitalização, tempo de ventilação mecânica, função motora e qualidade de vida. Normalmente, os efeitos das intervenções são acompanhados de atividades multicomponentes, gerando um viés nas análises e dificultando a determinação do efeito único do ciclismo.

Uma recente meta-análise procurou esclarecer até que ponto a mobilização precoce, associada ou não à estimulação elétrica neuromuscular (EENM), em comparação com os cuidados habituais, reduz a incidência de FMA-UTI em pacientes críticos. Foram incluídos 9 estudos na análise final, totalizando 841 pacientes (419 no grupo de intervenções e 422 no grupo de cuidados habituais). As intervenções envolveram mobilização precoce, EENM ou ambas. As intervenções precoces demonstraram reduzir a probabilidade de desenvolver FMA-UTI nas amostras estudadas. Outra modalidade que pode ser útil em pacientes ventilados mecanicamente ou logo após o desmame da ventilação é o treinamento muscular inspiratório.

É uma técnica que pode ser utilizada acoplando o dispositivo ao sistema da ventilação ou usando o equipamento portátil. A intensidade prescrita será baseada na pressão inspiratória máxima e, dependendo da literatura, pode chegar até 70% da PImax. Trata-se de uma técnica de baixo custo, segura e viável no cenário de alta complexidade, tendo resultados tanto na força muscular inspiratória quanto na qualidade de vida de pacientes que cursaram em ventilação mecânica por 7 dias ou mais.  

Intervenções para melhoria da funcionalidade e qualidade de vida 

A abordagem no paciente crítico deve ser multiprofissional, e cabe à equipe a responsabilidade de identificar pacientes elegíveis para a mobilização precoce, avaliando as indicações e contraindicações para essa terapêutica. 

No entanto, é responsabilidade do fisioterapeuta definir o modelo de intervenção mais apropriado e sua dosagem (intensidade, frequência, sobrecarga, manutenção ou interrupção), com o objetivo de reduzir o tempo de internação hospitalar e restaurar a funcionalidade do paciente. 

Nem todos os pacientes são elegíveis para a reabilitação precoce, como, por exemplo, pacientes terminais, aqueles com hipertensão sistólica (pressão arterial sistólica > 170 mmHg) ou intracraniana, fraturas instáveis, infarto agudo do miocárdio recente com queda dos batimentos cardíacos > 20% ou mais durante as atividades, e feridas abdominais abertas. Déficits cognitivos e neurológicos profundos podem ser considerados como limitações, mas não como contraindicações.

Nos pacientes elegíveis, a mobilização precoce pode ser iniciada com a mobilização passiva de determinadas articulações (10–20 vezes, 2 vezes ao dia), exercícios ativos totalizando 1 hora por dia ou fracionados em 2 sessões de 30 minutos, com progressão para a ortostase assistida por até 1 hora por dia. 

O cicloergômetro passivo pode ser utilizado por 20 minutos, com 20 ciclos por minuto, enquanto o cicloergômetro ativo pode ser realizado em duas sessões diárias de 10 minutos, totalizando 20 minutos por dia. 

Os efeitos da mobilização precoce em pacientes críticos estão diretamente relacionados a uma melhor funcionalidade no momento da alta hospitalar, maior autonomia e tolerância nas atividades diárias, com progressão ao longo dos meses após a alta. 

Segundo as Diretrizes Brasileiras de Mobilização Precoce em Unidade de Terapia Intensiva, a mobilização precoce proposta não interfere no tempo de internação na UTI e no hospital, e não promove nem aumenta a taxa de mortalidade nos pacientes submetidos, uma vez que o óbito depende de diversos fatores, como a condição clínica prévia ou adquirida pelo paciente na UTI e a idade.

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