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Intervenção precoce em saúde mental: importância, possibilidades e resultados

Os transtornos mentais são uma preocupação crescente em todo o mundo, afetando milhões de pessoas de todas as idades. No caso da infância e adolescência, isso não é diferente, houve um aumento significativo em todo o mundo nas últimas décadas (Polanczyk et al., 2015).  De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2021), cerca de 20% das crianças e adolescentes em todo o mundo sofrem de algum transtorno mental. Entre os transtornos mais prevalentes estão a ansiedade, depressão, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e transtornos disruptivos (Polanczyk et al., 2015). 

A intervenção precoce em saúde mental é crucial para mitigar os efeitos desses transtornos. Estudos mostram que quanto mais cedo os sintomas são identificados e tratados, melhores são os resultados a longo prazo (Murta & Barletta, 2015).

Assim, a infância e adolescência é vista como um período crucial para promover prevenção, detecção precoce e intervenção para promover saúde mental (American Psychological Association, 2024). A intervenção precoce pode prevenir o agravamento dos sintomas, reduzir o risco de comorbidades e melhorar significativamente a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias (APA, 2024; Patel et al., 2007). 

Mais especificamente: 

  • Redução de sintomas:
    a intervenção precoce pode reduzir a gravidade dos sintomas de transtornos mentais. Por exemplo, em casos de ansiedade e depressão, técnicas de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) podem ajudar as crianças a desenvolverem habilidade de enfrentamento e a reestruturar pensamentos disfuncionais antes que esses padrões se tornem profundamente enraizados (Hofmann et al., 2012). Isso não só alivia o sofrimento imediato, mas também reduz a probabilidade de episódios futuros (Weisz et al., 2017). 
  • Prevenção de complicações:
    intervenções precoces podem prevenir complicações a longo prazo, como agravamento de sintomas e/ou o desenvolvimento de comorbidades. Crianças com transtornos mentais não tratados têm maior risco de desenvolver problemas adicionais, como dificuldades acadêmicas, problemas de relacionamento e abuso de substâncias (APA, 2024; Merikangas et al., 2010). Ao abordar os sintomas iniciais, é possível evitar que esses problemas se agravem e se multipliquem (Constello et al., 2006). 
  • Melhoria na qualidade de vida:
    a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias pode ser significativamente melhorada com intervenções precoces. Crianças que recebem tratamento adequado têm maior probabilidades de alcançar seu potencial acadêmico e social, o que contribui para uma vida mais satisfatória e produtiva. Além disso, as famílias também se beneficiam, pois a redução dos sintomas do transtorno mental pode diminuir o estresse familiar e melhorar as dinâmicas de relacionamento. A literatura mostra que reduzir fatores de risco ambientais tem o potencial de promover a saúde mental, assim, as intervenções precoces podem ser ampliadas para o contexto familiar e social do indivíduo (Center on the Developing Child, 2015). 
  • Custo-efetividade:
    intervenções precoces são mais custo-efetivas do que tratamentos tardios. Intervir em fatores de risco e tratar sinais e sintomas iniciais geralmente requer menos recursos e tempo do que abordar problemas que se tornaram crônicos e complexos (Chisholm et al., 2016). Além disso, a prevenção de complicações e comorbidade reduz a necessidade de intervenções mais intensivas e caras no futuro (Knapp et al., 2011).  

Possibilidades na intervenção precoce
 

Antes de delinear o plano de tratamento, seja em relação a intervenção precoce ou não, é necessária uma boa avaliação. É importante considerar que o processo de avaliação é uma das competências terapêuticas na prática clínica da saúde mental com crianças e adolescentes (Ferreira et al., no prelo).  

Ferramentas de avaliação, como questionários, escalas e entrevista clínicas, são essenciais para identificar padrões de comportamentos, fatores de risco e proteção e determinar a gravidade de sintomas e transtornos. Além disso, a utilização de instrumentos psicométricos pode ser uma alternativa para auxiliar nesse processo, uma vez que, eles possibilitam um resultado preciso e fidedigno (Hutz et al., 2015). No entanto, para uma avaliação completa, destaca-se o uso de diferentes tipos de ferramentas para uma melhor compilação de resultados.  

Lembrando que no caso de crianças e adolescentes é recomendada uma avaliação multidimensional, englobando multiníveis (as informações sobre os diferentes aspectos da criança/adolescente), multiinformantes (diferentes informantes e contextos) e multimétodos (diferentes instrumentos de avaliação tanto com as crianças como com os demais informantes) (Ferreira et al., no prelo; Lane & Corrie, 2015).  

Durante e após o processo de avaliação é construído a formulação do caso, que envolve um processo dinâmico e fluído no qual se formulam hipóteses sobre o paciente, seu funcionamento, plano de intervenção e avaliação de resultados. Mesmo quando se fala de intervenção precoce, é fundamental durante esse processo de avaliação e formulação conhecer os fatores de proteção intrínsecos e extrínsecos do paciente e família, pois eles serão partes chave para instilação de esperança e mudança de comportamento (Friedberg & McClure, 2019). 

A TCC é uma abordagem amplamente reconhecida e eficaz para intervenções precoces em saúde mental que objetivam promover ferramentas de promoção de saúde e consequentemente reduzir o impacto de fatores de risco, proporcionando uma trajetória desenvolvimental saudável.  

Dessa forma, os planos de intervenção da TCC englobam técnicas que auxiliam na regulação emocional, reestruturação cognitiva, treinamento de habilidades e prevenção de recaídas que contribuem além de aliviar/reduzir possíveis sintomas também contribuem para proporcionar ao paciente a construção de suas próprias ferramentas de enfrentamento, empoderando sua saúde mental e qualidade de vida (Beck, 2022). 

Mais especificamente sobre o desenvolvimento de habilidades, a literatura aponta que um repertório de habilidades, sejam elas habilidades sociais e/ou para vida, é considerado estratégias de enfrentamento, auxiliando na recuperação de adversidades e permitindo ao indivíduo lidar de forma positiva com as demandas do cotidiano. Sendo assim, as intervenções precoces com crianças e adolescentes embasadas na TCC contam com sessões de psicoeducação e treinamento de habilidades (Ferreira & Neufeld, 2020; Cardoso & Ferreira, 2024). 

Cabe ressaltar que essas intervenções não são exclusivamente em contexto clínico. Estudos apontam que instituições de ensino e saúde são locais propícios para intervenções precoces de promoção de saúde mental. Já na década de 90, a OMS publicou uma diretriz afirmando da importância do desenvolvimento de habilidades para a vida em contexto escolar, enfatizando que a escola é um local que favorece a aprendizagem e o apoio mútuo (WHO, 1997). 

Intervenções em contexto escolar ou de saúde costumam ocorrer em formato grupal. A literatura vem mostrando resultados efetivos para intervenções neste formato, uma vez que estas possibilitam a universalidade, apoio mútuo, senso de pertencimento, forte sentimento de confiança mútua, entre outros benefícios. Além disso, o próprio grupo em si já é um ambiente no qual há a possibilidade de praticar as aprendizagens, se expor e treinar o novo repertório de habilidades (Neufeld, 2011; Wagner et al., 2017). 

Dessa forma, observa-se que o desenvolvimento de habilidades contribui para uma série de resultados, como no estabelecimento de relações saudáveis, rendimento acadêmico, autoestima e características como responsabilidade, cooperação e independência (Del Prette & Del Prette, 2011). Assim, torna-se importante inseri-las nos planos de intervenção precoce independente da modalidade (individual ou grupos) e do contexto a ser inserido (clínica, escolas, instituições de saúde).  

Conclusão
 

A intervenção precoce em saúde mental é uma estratégia essencial para melhorar os resultados a longo prazo para crianças e adolescentes. Reduzir a gravidade dos sintomas, prevenir complicações, desenvolver habilidades, melhorar a qualidade de vida e ser mais custo-efetiva são apenas alguns dos benefícios dessas intervenções.   

Profissionais da saúde mental devem estar atentos à importância de desenvolver competências terapêuticas que auxiliam na construção dessas intervenções precoces com o objetivo de cada vez mais proporcionar ao paciente e família uma gama de ferramentas de enfrentamento, auxiliando em sua trajetória desenvolvimental. Ao adotar essas práticas, é possível fazer uma diferença significativa na vida das crianças, adolescentes e famílias, promovendo uma sociedade mais saudável e resiliente. 

Como citar este artigo:
Ferreira, I. M. F., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (Out., 2024). Intervenção precoce em saúde mental: importância, possibilidades e resultados. Blog do Secad, Artmed.

Autoras

  • Isabela Maria Freitas Ferreira
     

Doutora e mestre em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Especialista em Neuropsicologia pelo IPOG. Formação em Terapia de Esquemas. Integra o Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC-USP), atuando como colaboradora de pesquisa. Coordenadora do Curso de Especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental na Infância e Adolescência do IPECS. Psicóloga clínica em consultório particular.   

  • Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
     

Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Universidade de São Paulo (USP).