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Transtornos de aprendizagem: identificação, diagnóstico e intervenção

Os transtornos de aprendizagem são um conjunto heterogêneo de sinais e sintomas relacionados à uma dificuldade persistente do indivíduo em processos de aprendizagem envolvendo prejuízos em habilidades específicas como leitura, escrita e/ou matemática.  

Estima-se uma prevalência entre 5% a 15% de crianças com idade escolar no Brasil. (APA, 2023).   

Os prejuízos na aprendizagem podem persistir até a vida adulta, estando relacionados à impactos negativos, como baixo desempenho na escola (na vida acadêmica ao longo da vida), maiores índices de abandono no ensino médio, menores rendimentos ocupacionais e maiores taxas de desemprego. Além disso, os prejuízos se relacionam a piores indicadores de saúde mental e sofrimento psicológico.   

Histórico e conceito
 

Grigorenko et al. (2020) descreve o histórico por trás da definição e identificação dos transtornos de aprendizagem em três diferentes vertentes. A primeira vertente se iniciou no século XVII quando foi divulgado entre a comunidade científica o primeiro estudo de caso de um indivíduo que havia perdido a habilidade leitora causada por um acidente vascular cerebral. Essa vertente apresenta uma perspectiva médica e se baseia nos estudos de casos de indivíduos que sofreram lesão cerebral e que perderam as habilidades na matemática ou na leitura.  

Um pouco mais tarde, já no século XX, começaram a ser divulgados também os relatos de casos de crianças com prejuízos na aprendizagem de leitura de palavras que não eram explicados por lesões cerebrais e por fatores como motivação e inteligência.  

A segunda vertente, por sua vez, se refere à primeira edição do Manual Diagnóstico Estatístico em 1952, no qual, orientado por uma perspectiva biológica, descreveu as dificuldades de aprendizagem dentro de uma categoria maior relacionada às “síndromes cerebrais crônicas de causa desconhecida”. Estavam incluídos também em tal categoria os problemas comportamentais como impulsividade e hiperatividade (hoje conhecido como Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade -TDAH).  

Apenas na terceira edição do DSM, em 1980, que os TAs foram discriminados das dificuldades comportamentais. No DSM-IV, os prejuízos de habilidades de leitura, escrita e matemática foram separados em categorias distintas. No entanto, na quinta versão do DSM (DSM-V) e o DSM-V versão revisada (DSM-5-TR), as habilidades foram consideradas dentro de uma mesma categoria.  

Retornando para as vertentes históricas propostas por Grigorenko et al. (2020), a terceira vertente é caracterizada pelos esforços dos estudos de intervenções baseadas nos modelos cognitivos e de linguagem que emergiram a partir da década de 60. Nessa vertente, o conceito de TAs começou a ser melhor compreendido a partir de seus critérios de exclusão (dificuldades não explicadas por um comprometimento cognitivo global, lesões cerebrais, adversidades psicossociais ou falta instrução adequada). Vale ressaltar que neste momento ficou muito popular a teoria da dissociação entre QI e os testes de habilidades acadêmicas, porém tal teoria foi perdendo força devido às evidências acumuladas da sua baixa validade interna. 

Essas três vertentes históricas apontam para a heterogeneidade das manifestações das TAs. No entanto, o que é consenso entre os estudiosos é de que os TAs são um “insucesso inesperado”. Algo ainda controverso na literatura sobre os TAs é se esse “inesperado” é avaliado por meio dos critérios de exclusão, critérios de inclusão ou por meio da presença de prejuízos persistentes mesmo sem a apresentação de instrução especializada (versão proposta pelo DSM-5-TR) (Grigorenko et al., 2020).   

Diagnóstico
 

De acordo com o DSM-5-TR, os transtornos de aprendizagem estão situados dentro dos transtornos do neurodesenvolvimento, sendo caracterizado em 4 critérios, sendo eles:  

  • (A) dificuldades e prejuízos na aprendizagem persistente há pelo menos 6 meses; 
  • (B) as capacidades acadêmicas estão quantitativa e qualitativamente abaixo do esperado para idade cronológica do indivíduo (acessadas a partir de uma avaliação “clínica abrangente” de forma individualizada), trazendo impactos significativos nos âmbitos de vida diária, educacional e ocupacional;  
  • (C) os prejuízos na aprendizagem inicial no processo de escolarização, mais especificamente no Ensino Fundamental quando as crianças começam a ler e a escrever. As dificuldades se manifestam na medida em que as demandas para o desenvolvimento das habilidades acadêmicas começam a exceder as capacidades do indivíduo;  
  • (D) além das dificuldades serem persistentes, elas não podem ser explicadas por fatores como deficiência intelectual, acuidade visual ou auditiva, por outros transtornos neurológicos ou mentais, instrução inadequada e adversidade sociodemográfica. 

No critério A, são descritas 6 dificuldades relacionadas à leitura, escrita e às habilidades matemáticas, indo de encontro às três especificidades apontadas no manual: “com dificuldades na leitura” (Dislexia), com “com deficiência na expressão escrita” e “com deficiência em matemática” (Discalculia) (APA, 2023).  

A dislexia se caracteriza por prejuízos no reconhecimento dos fonemas, afetando o reconhecimento e leitura de palavras, consequentemente reduzindo a fluência e a compreensão leitora.  A deficiência na expressão escrita por sua vez se caracteriza por prejuízos relacionados à habilidade ortográfica, gramatical e de pontuação, afetando a “clareza ou organização da expressão escrita” (APA, 2023). A discalculia diz respeito a dificuldades relacionadas ao senso numérico, memorização dos fatos, fluência de cálculos e raciocínio matemático (APA, 2023).  

Pesquisas apontam alta prevalência de comorbidade dos TAs com problemas comportamentais e transtornos mentais como TDAH, ansiedade e depressão. A presença das comorbidades podem dificultar o diagnóstico dos TAs, uma vez que as dificuldades comportamentais e emocionais podem impactar no processo de aprendizagem. Dessa forma, é importante que a avaliação seja realizada de forma cuidadosa e multidisciplinar, envolvendo diferentes profissionais da saúde e da educação.   

Os TA também se associam a déficits em processos como atenção, memória, funções executivas, percepção, processos de linguagem e até mesmo afetando as habilidades sociais (Grigorenko et al., 2020). Dessa forma, a avaliação neuropsicológica também é uma ferramenta importante para se avaliar não apenas as especificidades dos prejuízos e dificuldades, mas também ajuda a caracterizar as forças, fatores protetivos e capacidades preservadas dos indivíduos (Grigorenko et al., 2020, Back et al., 2020).  

Etiologia
 

Não existe apenas uma causa para os TAs, porém alguns fatores etiológicos como estrutura e função neural, fatores genéticos e ambientais já foram demonstrados na literatura. Estudos de imagem cerebral apontam uma possível associação entre os prejuízos no processo de aprendizagem com alterações e deficiências de conectividade cerebral, bem como diferenças no volume de estruturas (Grigorenko et al., 2020). Além disso, fatores genéticos também parecem estar associados aos TAs. Estudos apontam um risco relativo aumentado para dificuldade na leitura se pelo menos um membro da família for diagnosticado, sendo esse risco ainda maior quando um parente de primeiro grau como pai ou irmãos apresenta diagnóstico prévio de transtorno de aprendizagem (Grigorenko et al., 2020). 

 Os fatores ambientais dizem respeito também a fatores de risco que se associam ao ecossistema da criança. Esses fatores vão desde cultura, condição socioeconômica, acesso à alfabetização adequada, nascimento prematuro, realização do pré-natal, importância e estímulo da família para a leitura. Mais recentemente, a literatura compreende a etiologia dos transtornos de aprendizagem como uma sobreposição e uma relação entre todos esses fatores, genéticos de estrutura e os fatores ambientais (Grigorenko et al., 2020; APA, 2022).  

Estratégias de intervenção
 

Da mesma forma que o processo diagnóstico, o processo de intervenção dos TAs precisa ser realizado de forma multidisciplinar e abrangente, uma vez que problemas comportamentais internalizantes e externalizantes também precisam receber atenção necessária quando estão presentes (Back et al., 2020). A intervenção multidisciplinar pode envolver desde intervenções farmacológicas, utilizadas para o tratamento principalmente das comorbidades, avaliação e intervenção fonoaudiológica e de terapia ocupacional (Back et al., 2020).  

Apesar das dificuldades inerentes de aprendizagem, os indivíduos com diagnóstico de TA conseguem aprender quando um plano pedagógico específico e adequado é aplicado. Vale ressaltar que a aplicação apenas de treino isolado de habilidades, como consciência fonológica ou memória operacional, sem estratégias voltadas para leitura de palavras e habilidades aritméticas, não são suficientes para uma intervenção eficaz nos prejuízos de leitura e matemática (Fletcher et al., 2009). 

As intervenções psicopedagógicas incluem a avaliação detalhada das dificuldades do indivíduo, bem como a construção de um plano de intervenção individualizado baseado em metas de aprendizagem e avaliação do progresso. É muito importante na intervenção dos TA a participação ativa e colaborativa da família e da escola. A adaptação curricular dos conteúdos ensinados na escola também é uma estratégia fundamental para a intervenção dos prejuízos de aprendizagem (Back et al., 2020). 

No Brasil, o direito a um sistema educacional inclusivo é garantido por legislações, sendo uma delas a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/15; Artg. 27, 28 e 30) das Normas Gerais da Educação. Outro exemplo é A Lei N° 9394/96 Art.12 trata da garantia da elaboração e realização de uma proposta pedagógica individualizada. Da mesma forma que o primeiro artigo da Lei Nº 14.254/2021 (artigo único) garante o apoio integral para os alunos com TDAH, dislexia com e outros TAs. Vale destacar que a educação inclusiva se refere à garantia de direito de uma educação de qualidade, não se restringindo apenas à educação especial.  

Conclusão
 

Este artigo teve como objetivo levantar um pouco do histórico, conceito, etiologia e intervenções para os TAs. Portanto, os transtornos de aprendizagem podem ser compreendidos como prejuízos e “insucessos inesperados” que se manifestam tanto pelas dificuldades em habilidades de leitura, escrita e matemática, mas também em dificuldades comportamentais como esquiva e oposição ao processo de aprendizagem.  

O diagnóstico dos TA é clínico e multidisciplinar, sendo necessário uma avaliação cuidadosa dos profissionais para compreender se os sintomas não são explicados por outras questões como transtornos neurológicos e mentais. A etiologia dos TAs envolve a interação de fatores neurais, de função, ambientais e genéticos.  

Por fim, os educandos com transtornos de aprendizagem são capazes de aprender, mas para isso se faz necessário intervenções pedagógicas específicas, nas quais escola e família devem estar integradas, podendo ser necessário intervenção integrada por diferentes especialidades como fonoaudiologia, terapia ocupacional e psiquiatria. Vale ressaltar que existem leis brasileiras que garantem acesso de educação especializada e inclusiva para todos os educandos, prevendo desde a construção de um plano individualizado e adaptação curricular até direito a acompanhamento integral no ambiente escolar.   

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Como citar este artigo:
Silveira, M. M. P., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (Set., 2024).
Transtornos de aprendizagem: identificação, diagnóstico e intervenção.
Blog do Secad. 

Autoras
 

  • Myrian Machado de Paula Silveira 
     

Psicóloga e Mestra em Neurociências pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG-BH). Doutoranda no programa de pós-graduação em Psicobiologia da Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto (USP-RP). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCL-RP) da Universidade de São Paulo (USP).  

  • Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
     

Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Universidade de São Paulo (USP).