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Psicoterapia para pessoas vítimas de abuso sexual

O abuso sexual contra crianças e adolescentes é um tema crucial que precisa ser amplamente debatido. Discuti-lo possibilita a implementação de estratégias de prevenção e intervenção, tanto precoces, como no caso do tratamento psicoterapêutico de crianças e adolescentes que passaram por essa experiência, quanto tardias, para adultos que ainda sofrem com as consequências desse trauma vivido na infância ou juventude.

O que é abuso sexual?

O abuso sexual é uma forma de violência contra crianças e adolescentes. A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2015) caracteriza a violência como “uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”.

Nesse sentido, a violência inclui mais do que atos que resultam em danos físicos, uma vez que suas consequências podem incluir doenças transmissíveis e não transmissíveis, danos psicológicos, comportamentos de risco, deficiência de desempenho educacional ou ocupacional e envolvimento em crimes (OMS, 2018). 

Os maus-tratos, nesse sentido, envolvem violência física, sexual, psicológica/emocional e negligência em relação a bebês, crianças e adolescentes, por pais, mães, cuidadores ou outras figuras de autoridade, e ocorrem mais frequentemente em casa. O abuso sexual é compreendido como uma das formas de maus-tratos, sendo caracterizado pelo “envolvimento de uma criança em atividade sexual que ela não compreende totalmente, para a qual não é capaz de dar consentimento informado, ou para a qual a criança não está preparada em termos de desenvolvimento e não pode dar consentimento, ou que viole as leis ou os tabus sociais da sociedade".

O abuso sexual infantil é evidenciado por essa atividade entre uma criança e um adulto ou outra criança que, pela idade ou desenvolvimento, esteja em um relacionamento de responsabilidade, confiança ou poder, sendo a atividade destinada a gratificar ou satisfazer as necessidades da outra pessoa.

Essa atividade sexual pode incluir, entre outros: a indução ou coerção de uma criança a se envolver em qualquer atividade sexual ilegal; o uso explorador de crianças na prostituição ou em outras práticas sexuais ilegais; o uso explorador de crianças em apresentações e materiais pornográficos” (OMS, 1999). 

Consequências

A vivência de situações como o abuso sexual durante a infância e a adolescência pode acarretar em prejuízos importantes tanto no que tange ao desenvolvimento infanto-juvenil quanto para a vida adulta, com repercussões cognitivas, emocionais, comportamentais, físicas e sociais, que variam para cada indivíduo (Caminha, Schaefer, Lobo, Kristensen & Caminha, 2011). 

Na infância e adolescência, as consequências da vivência de uma ou várias situações de abuso sexual envolvem o desencadeamento de sintomas de ansiedade e depressão, comportamento suicida, comportamentos externalizantes, comportamento sexual inadequado para a faixa de desenvolvimento, Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), Transtorno de Estresse Pós-Traumático Complexo, entre outros (Herbert & Amédée, 2020). 

Tratamento e intervenções

No que se refere ao tratamento de pessoas vítimas de abuso sexual, essas intervenções podem ocorrem tanto na infância e juventude como na adultez, de forma tardia.

Em intervenções na infância e adolescência, em especial, é importante frisar que o tratamento envolve a vítima e o sistema familiar. Esse processo é multifacetado e geralmente requer uma abordagem biopsicossocial (Murray, Nguyen, & Cohen, 2015).

Um estudo de revisão sistemática publicado pela Cochrane buscou avaliar a eficácia de psicoterapias para o tratamento do TEPT em crianças e adolescentes (Gillies, Taylor, Gray, O’Brien, & D’Abrew, 2012). Foram incluídos 14 ensaios clínicos randomizados, totalizando 758 participantes que experienciaram eventos traumáticos, entre eles o abuso sexual, além de violência urbana, desastres naturais, violência doméstica e acidentes automobilísticos.

Seis modalidades de psicoterapias foram avaliadas:

  • (1) terapia cognitivo-comportamental (TCC),
  • (2) terapia de exposição,
  • (3) terapia psicodinâmica,
  • (4) terapia narrativa,
  • (5) aconselhamento e
  • (6) EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através do Movimento dos Olhos).

A maioria dos estudos, que tinham um grupo de tratamento e um grupo controle, demonstraram melhoras significativas nos sintomas de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático. Dentre as psicoterapias comparadas, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) demonstrou a maior eficácia, com melhoras significativas e menores sintomas de estresse pós-traumático e depressão documentados após um ano de tratamento.

Para as terapias narrativas e EMDR, a revisão de Gilles et al. (2012) não relatou nenhuma diferença estatisticamente significativa nos escores de sintomas de estresse pós-traumático e depressão em comparação com os sujeitos controles.  

Em um estudo que realizou uma atualização sobre os tratamentos baseados em evidências para crianças e adolescentes expostos a eventos traumáticos, baseado em 37 artigos publicados entre 2007 e 2014, foi identificado que a TCC e a TCC focada no trauma (TCC-FT) são as modalidades de tratamento com maior nível de evidência, sendo considerados assim, tratamentos bem estabelecidos (Dorsey et al., 2017).

Essa revisão encontrou, ainda, suporte empírico adicional para outras abordagens individuais de TCC com envolvimento dos pais. Foram verificados também avanços nas evidências de versões breves de TCC individual com envolvimento dos pais e evidências ampliadas com jovens culturalmente diversos.  

A TCC-FT é um modelo híbrido que integra elementos de terapias baseadas em exposição às memórias traumáticas, estratégias cognitivo-comportamentais, estratégias de regulação emocional, psicoterapias humanísticas, de apego e familiares em um tratamento projetado para atender às necessidades exclusivas de crianças com problemas relacionados a experiências de vida traumáticas, como o abuso sexual.

Esse tratamento foi desenvolvido para incluir, de forma ideal, a criança e/ou o adolescente (de 3 a 18 anos) e um cuidador que lhe dê apoio, em sessões semanais paralelas.

Os oito componentes da TCC-TF incluem:

  • (1) psicoeducação;
  • (2) relaxamento;
  • (3) modulação afetiva;
  • (4) processamento cognitivo;
  • (5) narrativa do trauma (exposição gradual) e
    reestruturação cognitiva
    do trauma;
  • (6) dessensibilização in vivo;
  • (7) sessão conjunta de pais e filhos;
  • e (8) aprimoramento das habilidades de segurança.

Embora o tratamento seja projetado com componentes específicos, cada um com um conjunto de metas, a TF-CBT é modular e altamente flexível para atender à apresentação individual dos sintomas e às necessidades de diferentes crianças e famílias (Dorsey et al., 2017; Gilles et al., 2012; Lobo et al., 2014).  

O abuso sexual contra crianças e adolescentes é, portanto, um assunto de extrema importância que requer atenção e debate, exigindo uma abordagem abrangente e multifacetada.

Através do debate e da conscientização, é possível criar ambientes em que a prevenção, a identificação precoce e o tratamento adequado sejam priorizados.

É essencial abordar o abuso sexual de forma ampla, considerando intervenções tanto precoces, direcionadas a crianças e adolescentes que vivenciaram o abuso, como tardias, para adultos que enfrentam as sequelas desse trauma ocorrido na infância ou juventude.

Ao trabalharmos juntos e com profundidade e abrangência nesse tema, podemos criar um futuro mais seguro e saudável para as crianças e adolescentes, onde seus direitos e bem-estar sejam protegidos. 

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SOBRE A EDITORA-CHEFE

Carmem Beatriz Neufeld: 
Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).