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Reestruturação cognitiva: entenda como aplicar com seu paciente

Na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), a interpretação que fazemos da realidade é a base da construção de significados internos. É por isso, por exemplo, que diferentes emoções, pensamentos e comportamentos são ativadas entre pessoas que vivenciaram a mesma situação (Beck, 2022). A interpretação que fazemos do que experienciamos emerge de vários processos atencionais e mnemônicos que ocorrem simultaneamente em nossos cérebros.  

O processamento cognitivo das informações, apesar de ser bastante eficiente, está sujeito a erros e vieses de resultado, devido à capacidade limitada do cérebro de processar todas as informações que passam por nós, todos os dias. Dessa forma, todos nós temos um filtro atencional que direciona nossas perspectivas para um determinado aspecto (Eysenck & Keane, 2017).   

Na TCC, esses vieses interpretativos podem se relacionar com os processos esquemáticos e sistemas de crenças do indivíduo, emergindo o que se chama de viés de confirmação (Waltman et al., 2023). Os esquemas e crenças são formulações sobre si, sobre o mundo e sobre o futuro (Beck, 2022). O processamento esquemático acontece de forma automática, generalista e não intencional, isto é, não temos consciência dele, funcionando como uma espécie de mantenedor implícito do
status quo
do sistema de crenças.  

Um paciente fictício Pedro com um quadro de ansiedade social, por exemplo, tem a seguinte crença: “eu não tenho valor para as pessoas” e se sente sempre bastante inadequado em situações sociais. A manutenção dessa crença se dá pelo processamento esquemático, que se mantém por um viés cognitivo atencional. Em interações sociais, por exemplo, Pedro presta atenção em acontecimentos que fortalecem a crença de inadequação. Esse primeiro pensamento avaliativo, é chamado de pensamento automático (PA). São por meio dos PAs que os esquemas e sistema de crenças emergem na consciência (Beck, 2022), ou seja, têm-se uma ideia de como a realidade foi interpretada naquele momento por Pedro.   Os vieses cognitivos são manifestações naturais que acontecem em todos nós, porém, eles podem se tornar fatores de risco para psicopatologias. Quando se observa uma alta intensidade e frequência de ativação dos vieses de confirmação, isso reforça  ainda mais um padrão esquemático disfuncional (Waltman et al., 2023).  

No exemplo de Pedro, o mesmo padrão de interpretação e o viés atencional era ativado em quase todas situações sociais, o que já estava trazendo um prejuízo significativo para a sua qualidade de vida, uma vez que se sentia tão “julgado” pelas pessoas que começou a sentir medo de sair de casa.  

Os vieses de confirmação, erros cognitivos ou pensamentos distorcidos podem passar por processos de reestruturação, isto é, podem ser reavaliados e novos significados podem emergir, enfraquecendo a sua força de ativação (Waltman et al., 2023). Esse processo de ressignificação é conhecido na TCC como Reestruturação Cognitiva.
Ele se refere tanto ao processo de ressignificação e flexibilização esquemática, de crenças e pensamentos quanto ao conjunto de estratégias para se promover mudanças de pensamentos e perspectivas.
  Neste artigo, vamos focar em como realizar uma reestruturação cognitiva, pontuando alguns passos iniciais e as características das principais estratégias cognitivas envolvidas no processo (Leahy, 2018). 

É importante lembrar que a reestruturação cognitiva é um processo que envolve mudanças de atribuição de significados internos, sendo por si só um processo complexo. Se for realizada de forma descontextualizada, pode trazer bastante desconforto e prejuízos para o paciente (Waltman et al., 2023). Dessa forma, vale enfatizar aqui passos anteriores à aplicação das técnicas que vão embasar a execução das ferramentas: 

  • Vínculo terapêutico ou relação terapêutica (ver Alves, 2017):
    a construção de um vínculo entre terapeuta e paciente é essencial para o processo de reestruturação, uma vez que é por meio dele que se faz possível construir uma relação de confiança e de colaboração. 
  • Psicoeducação (ver Carvalho, Malagris & Rangé, 2019)
    : é importante que os pacientes consigam compreender o modelo cognitivo, e entender os conceitos de pensamento, emoções, comportamentos, crenças, distorções cognitivas etc. É importante frisar que os conceitos precisam fazer sentido para o paciente e também precisam estar relacionados à história de vida dos mesmos. 
  • Empirismo Colaborativ
    o: o empirismo colaborativo diz respeito ao modo como o trabalho será realizado durante a terapia e está intimamente relacionado ao vínculo terapêutico. O empirismo colaborativo se define portanto como uma parceria entre paciente e terapeuta que se baseia em uma colaboração mútua e ativa entre terapeuta e paciente. 

O conjunto de práticas listados acima são a base para o processo de reestruturação que, como já foi dito anteriormente, não se limita apenas à aplicação de técnicas por si só. As práticas só fazem sentido quando são alinhadas à conceitualização de caso, pela qual o quadro de funcionamento do paciente é traduzido dentro dos pressupostos da TCC (Neufeld & Cavenage, 2010).  

Até agora, pontuamos algumas considerações práticas que embasam o processo de reestruturação e flexibilização como um todo. A seguir, será apresentado a descrição de técnicas mais específicas que propõem exercícios que envolvem questionamento e avaliação dos vieses cognitivos.   

Estratégias terapêuticas que promovem questionamento e avaliação dos vieses cognitivos 

Registro de Pensamentos Disfuncionais (RPD)

O RPD envolve o registro dos pensamentos automáticos de acordo com a situação desencadeante.

Exemplo:

Terapeuta: “Pedro, agora que já conversamos sobre o que são as emoções, pensamentos e comportamentos, eu gostaria de te mostrar uma técnica, na qual anotamos as emoções, pensamentos e comportamentos quando acontecerem situações em que você tenha se sentido mal.”

Objetivos e possibilidades de aplicação:

  • acessar pensamentos automáticos e associá-lo à situação, emoção e comportamento.  

Questionamento socrático

Também conhecida como questionamento Beckiano, envolve a execução de perguntas abertas e questionamentos que, somado a um trabalho colaborativo e empático, que traz para à superfície crenças e esquemas. O acesso aos conjuntos esquemáticos possibilita posterior aplicação do questionamento socrático para gerar reflexões sobre as incongruências e vieses associadas às crenças.

Exemplo:

Terapeuta: “Pedro, nós conseguimos identificar que nas situações sociais você sente medo e pensa que as pessoas podem te julgar. É isso mesmo? O que você acha de a gente pensar juntos porque esse julgamento das pessoas ganha esse significado para você?”

Objetivos e possibilidades de aplicação:

  • acessar a realidade por meio da exploração de ideias;
  • compreender os conceitos;
  • diferenciar o desconhecido do conhecido;
  • compreender a lógica aplicada aos processos dos pensamentos, emoções e comportamentos.  

Exame de evidências 

Levantamento colaborativo de situações e acontecimentos da vida do paciente que contrariam ou evidenciam um pensamento.

Exemplo:

Terapeuta: Pedro, estamos entendendo que existem pensamentos que às vezes podem ser enviesados, inflexíveis, distorcidos… você consegue pensar em algum pensamento seu assim, que já tenha percebido?

Pedro: Humm, acredito que pode ser o pensamento de que todo mundo vai me julgar né?

Terapeuta: “É um ótimo exemplo!! Podemos fazer uma pergunta para este pensamento…será que é todo mundo mesmo que está te julgando?”

Objetivos e possibilidades de aplicação:

  • análise das evidências disponíveis na realidade que sejam contra ou a favor das interpretações enviesadas ou distorcidas. 

Continuum Cognitivo

Análise das situações utilizando um espectro de 0 a 100, por exemplo, para gerar no paciente a reflexão da possibilidade da existência de uma avaliação intermediária entre a interpretação tudo ou nada.

Exemplo:

Terapeuta: “Pedro, vamos tomar o pensamento que me falou sobre sentir medo de passar mal em contextos sociais…vou desenhar aqui uma régua, na qual vamos colocar dois pontos, de um extremo vamos pensar na situação em que você está bem relaxado, sem preocupação alguma, do outro extremo, vamos colocar que você realmente passe mal. Olhando para esta régua, será que conseguiríamos pensar em alguma alternativa no meio entre esses dois extremos?”

Objetivos e possibilidades de aplicação:

  • flexibilização pensamento “tudo ou nada” ou dicotômico.

Conclusão

A reestruturação cognitiva, portanto, trata-se do processo de reestruturação de significados esquemáticos e de crenças, partindo-se do pressuposto da aprendizagem corretiva que embasa o processo terapêutico proposto pela Terapia Cognitivo-Comportamental.

A reestruturação não se resume apenas a um conjunto de técnicas, mas uma aplicação conjunta de práticas que integram vínculo terapêutico, empirismo colaborativo e conceitualização cognitiva. Por fim, neste texto, também abordamos algumas técnicas direcionadas à reestruturação e flexibilização de crenças e pensamentos.

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Autoras

Myrian Machado de Paula Silveira 

Psicóloga e Mestra em Neurociências pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG-BH). Doutoranda no programa de pós-graduação em Psicobiologia da Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto (USP-RP). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCL-RP) da Universidade de São Paulo (USP). 

Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo 

Psicóloga e Mestra em Psicologia – área de concentração Cognição Humana pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais com Formação em Terapia do Esquema. Professora em cursos de Pós-Graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Cognitivo-Comportamental na Infância e Adolescência e Terapia do Esquema. Supervisora Clínica. Pesquisadora Colaboradora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP). 

SOBRE A EDITORA-CHEFE

Carmem Beatriz Neufeld:
 Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).