Residente de Medicina de Família e Comunidade: competências, rotina e perspectivas
A Residência Médica foi instituída pelo Decreto nº 80.281, de 05 de Setembro de 1977. Ela constitui uma modalidade de ensino de pós-graduação destinado a médicos, sendo considerada o “padrão-ouro” da especialização médica.
O Programa de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade (PRMMFC) teve seu início no Brasil junto à instituição dos primeiros programas de residência. Atualmente, se caracteriza como modalidade de aprofundamento teórico concomitante ao atendimento à população. É supervisionado por médicos de família e comunidade, com programa de duração de 2 anos e acesso direto após o término da graduação, mediante processo seletivo.
O desenvolvimento do Programa é regulamentado pela
Resolução CNRM 09/2020
, de 30 de Dezembro de 2020, que determina os critérios mínimos para a formação de especialistas em Medicina de Família e Comunidade, baseada na Matriz de Competências para Medicina de Família e Comunidade, anexa à Resolução. A Resolução atualiza a Resolução CNRM 01/2015 e a matriz prévia, aprovada em 2017 e publicada em 2019.
Além desses regramentos, os PRMMFC obedecem às regras gerais dos programas de residência médica no Brasil, envolvendo carga horária, férias, estágios opcionais, critérios de avaliação e outros.
Como forma de detalhar a formação do médico de família, foi publicado em 2015 pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) o
Currículo Baseado em Competências para Medicina de Família e Comunidade
. Ele contém as competências classificadas em pré-requisito, essenciais, desejáveis e avançadas para cada área do conhecimento dentro da atuação da MFC, também auxiliando na atuação de médicos já formados e em atuação.
OBJETIVOS DO PRMMFC
Objetivo geral
Formar e habilitar médicos na área da Medicina de Família e Comunidade a adquirir as competências para ser resolutivo em cenários de prática que contemplem os atributos da atenção primária à saúde, sendo eles, acesso, integralidade, longitudinalidade, coordenação do cuidado, orientação Familiar, orientação comunitária e competência cultural.
Objetivos específicos
- Atuar como primeiro contato do paciente com o sistema de saúde, garantindo acesso e atendendo problemas de saúde novos ou agudização de problemas crônicos de cada pessoa, independentemente da idade, sexo ou qualquer outra característica;
- Utilizar de modo racional e eficiente os recursos de saúde através da coordenação do cuidado na gestão, na assistência e na interface com outras especialidades, assumindo um papel de defesa pelo paciente;
- Desenvolver uma abordagem centrada na pessoa, orientada para o indivíduo, a sua família e comunidade;
- Focar a consulta na pessoa, estabelecendo uma relação ao longo do tempo e utilizando ferramentas de comunicação efetiva;
- Desenvolver processo de tomada de decisão e raciocínio clínico, determinado pelas melhores evidências disponíveis, pela prevalência e pela incidência das doenças na comunidade;
- Gerir simultaneamente problemas de saúde agudos e crônicos, de pessoas e coletivos, apoiados em um conceito ampliado de saúde;
- Oferecer uma ampla gama de serviços dentro de seu escopo de ações e adaptar sua prática às necessidades de seus pacientes;
- Conhecer os seus pacientes e sua família e aprofundar esse conhecimento ao longo do tempo;
- Compreender o contexto familiar e comunitário de seus pacientes;
- Desenvolver sua prática considerando o contexto cultural em que está inserido;
- Analisar a estruturação histórica e jurídico institucional do Sistema de Saúde;
- Analisar os aspectos históricos, concepções, políticas públicas e modelos técnico-assistenciais da Atenção Primária à Saúde.
Competências e rotinas por ano de treinamento
Primeiro Ano da Residência - R1
O primeiro ano da residência é focado nos aspectos teóricos e técnicos da especialidade, com atuação clínica dividida principalmente entre o consultório — para atendimento da população designada e participação nas atividades de rotina da Unidade de Saúde — e o território, especialmente para reconhecimento das características da população e para os atendimentos domiciliares.
Ao longo do primeiro ano, é importante que o residente seja orientado por médico de família com possibilidade de discussão de casos clínicos e de aspectos gerenciais em equipe, incluindo a adesão a ferramentas de comunicação não-presencial, estudo de estratégias de qualificação do acesso à população geral ou a segmentos populacionais específicos.
O residente de primeiro ano deve familiarizar-se ao diagnóstico de demanda de sua Unidade de Saúde
—
não havendo mapeamento prévio, é válido o estudo de diagnósticos de demanda já realizados.
O residente deve conhecer as principais necessidades em saúde e recursos disponíveis na população atendida, participando de momentos de educação em saúde com informações baseadas em evidências, competência cultural e foco em ações com maior potencial de impacto na promoção de saúde e no incentivo às mudanças de comportamento em direção à prática de hábitos de vida saudáveis.
Abaixo, serão sumarizados os temas principais a serem trabalhados no Primeiro Ano de residência, seguindo o preconizado pela Matriz de Competências e pelo Currículo Baseado em Competências.
Aspectos teóricos
- Atributos da Atenção Primária à Saúde
- História e organização dos sistemas de serviços de saúde
- Ferramentas de abordagem individual, familiar e comunitária
- Raciocínio clínico
- Ferramentas e habilidades de comunicação
- Pesquisa médica
- Gestão em saúde e organização do Processo de Trabalho
- Trabalho em equipe
- Avaliação da qualidade e auditoria
- Vigilância em Saúde
- Docência
Aspectos clínicos
- Abordagem e manejo de sinais e sintomas relacionados aos diferentes sistemas e órgãos do corpo, com foco nos problemas de saúde mais prevalentes da população e nos principais motivos de consulta da população atendida
- Realização de pequenos procedimentos ambulatoriais
- Atendimento de urgência e emergência
- Rastreamentos e níveis de prevenção
- Cuidados paliativos
- Atendimentos no ciclo gravídico-puerperal, saúde da criança e do adolescente, saúde da mulher, saúde do homem e saúde do idoso
Segundo Ano da Residência - R2
O segundo ano de residência em geral tem atividades de participação do residente em equipes de outros níveis de atenção, visando aprofundamento técnico e clínico, exercício da coordenação do cuidado e qualificação dos critérios de referência e contrarreferência para sua prática diária.
Ainda do ponto de vista clínico, a carteira de pacientes envolve o manejo de situações clínicas mais complexas em ambiente de consultório ou domiciliar, com abordagem de problemas indiferenciados e problemas de saúde mental graves, por exemplo. No segundo ano da residência, o Residente deve dominar os níveis de Prevenção com foco na Prevenção Quaternária, coordenando o cuidado em saúde em especial de pacientes pós-internação hospitalar ou em acompanhamento conjunto com múltiplas especialidades.
Como forma de complementação do arsenal de ferramentas de trabalho, o segundo ano de residência é o momento de aprofundar as técnicas de abordagem familiar e de conhecer e analisar os níveis de intervenção familiar. Na abordagem comunitária, o R2 deve tomar frente na seleção de prioridades para atuação da equipe, lançando mão de ações intersetoriais.
Do ponto de vista mais teórico, devem ser detalhadas estratégias e recursos para qualificação do acesso, incorporação de tecnologias à rotina de trabalho como ferramentas de comunicação não-presencial, atendimento clínico remoto e telessaúde, delimitando as estratégias mais eficientes para cada grupo populacional e condição clínica.
É desejável período de experiência em local de gestão de serviços de saúde, com envolvimento em ações destinadas à utilização racional dos recursos e à seleção de ações e iniciativas baseadas em evidências e voltadas às necessidades em saúde da população.
Para locais com cenários de ensino de graduação é recomendado que o residente de segundo ano desenvolva ações de docência, de modo supervisionado e com foco no desenvolvimento de habilidades e de fixação de conteúdos aprendidos.
Por fim, a ação de pesquisa e busca de evidências, que deve permear todo o programa, culmina em uma produção científica que deve seguir o detalhamento preconizado pelo PRMMFC.
Perspectivas após o término da residência
Concluídos os dois anos de programa e obtida a aprovação, o médico passa a ser formalmente reconhecido como Médico de Família e Comunidade, podendo efetuar o registro de especialidade junto à Regional do Conselho Federal de Medicina do seu estado.
Após a formação, o mercado de trabalho para o médico de família é amplo, o que justifica a variedade de atividades incluídas na rotina dos residentes de primeiro e segundo ano.
Mantendo os princípios que norteiam a ação da especialidade, o médico de família deve manter-se atento às novas demandas da sociedade e à evolução dos sistemas de serviços de saúde, lançando mão de tecnologias, como ferramentas de mineração de dados e de uso de inteligência artificial, visando otimização do processo de trabalho e qualificação da atenção prestada.
Alguns campos de atuação incluem:
- Assistência clínica direta ao paciente — de forma presencial ou remota —, a outros médicos ou em serviços de regulação clínica;
- Trabalho em cenário público ou privado;
- Atuação gerencial em serviços públicos e privados, assumindo cargos de gestão;
- Atividades de pesquisa, preceptoria e docência;
- Produção de conteúdos clínicos e técnicos para outros serviços e redes sociais.
A Residência em Medicina de Família e Comunidade é, portanto, um ‘laboratório orientado’ na qual o médico tem a oportunidade de experimentar diferentes contextos e cenários de atuação.
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