TDAH em adultos: processo de avaliação, diagnóstico e tratamento
Definição
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é categorizado como um tipo de transtorno do neurodesenvolvimento no qual há prejuízos relacionados à desatenção, desinibição, desregulação, impulsividade e hiperatividade.
Em 2019, a Organização Mundial da Saúde indicou o TDAH como um dos transtornos mais frequentes na população mundial (World Health Organization, 2019). O manual estatístico dos transtornos mentais (DSM V - Diagnostic and Statistical Manual, 5th edition – Text Revision) mostra uma prevalência mundial de 5% em crianças e 2,5 % em adultos (American Psychiatric Association, 2022). No Brasil, os dados ainda são mais difusos, porém estima-se que segue o mesmo padrão da prevalência mundial (Francisco et al., 2021; Von Borowski, da Silva & Lopes, 2023).
No DSM-5-TR, são listados 18 sintomas que se distribuem entre, problemas relacionados à desatenção (“e. Frequentemente tem dificuldade em organizar tarefas e atividades (por exemplo, dificuldade em gerenciar tarefas sequenciais; dificuldade em manter materiais e pertences em ordem; trabalho bagunçado e desorganizado; tem má gestão de tempo; não cumpre prazos)”) e problemas relacionados à hiperatividade (“e. Está frequentemente “em movimento”, agindo como se estivesse “conduzido por um motor”) (American Psychiatric Association, 2022).
O diagnóstico inclui três apresentações diferentes: combinada, predominantemente desatento e predominantemente hiperativo. A apresentação combinada é a tida como mais grave, na qual pelo menos 12 dos 18 sintomas listados no manual são observados durante um período de pelo menos 6 meses. A apresentação predominantemente desatenta se refere a predominância dos critérios relacionados aos problemas de atenção. Essa mesma lógica vale para a apresentação predominantemente hiperativa.
Apenas a observação ou a presença dos sintomas listados nos critérios do Manual é suficiente para o diagnóstico. Quatro outros critérios gerais (que valem para todos os tipos de apresentação) acrescentam que os problemas devem ter sido observados durante a infância ou adolescência (antes dos 10 anos de idade); além disso, os sintomas aparecem em mais de um contexto, com “evidências claras” dos prejuízos na vida do indivíduo; por fim, os sintomas não podem ser explicados por outros transtornos do humor.
Nas edições mais antigas do DSM, os critérios listados no manual direcionaram mais a descrição da sintomatologia para o contexto da infância, não ficando tão clara a expressão dos sintomas nos adolescentes e adultos. Na versão revisada, já são adicionados exemplos de manifestações nessas faixas do desenvolvimento.
Além disso, para essas faixas etárias, ao invés de pelo menos 6 critérios, apenas 5 (ou mais) devem estar presentes, uma vez que os estudos mostraram significativo impacto clínico na vida adulta mesmo com menos sintomas (Barkley & Benton, 2016). Isso se justifica porque os sintomas do TDAH se cronificam ao longo do desenvolvimento quando não recebe a atenção e o tratamento adequado (da Silva et al., 2022).
A expressão dos sintomas pode mudar ao longo do desenvolvimento. Estudos mostram que a agitação motora pode ser menos frequente na vida adulta, aparecendo com maior frequência uma agitação mental (estar sempre querendo estar com a mente ocupada, por exemplo).
Obs.:
O diagnóstico de TDAH só é possível quando os sintomas estão presentes na infância, antes dos 12 anos. Se os sintomas (parecidos com o do TDAH) só aparecem durante a vida adulta, é importante investigar condições primárias como tumor cerebral ou até outros transtornos mentais, como transtorno por uso de substância. Dessa forma, não caracterizaria o TDAH.
Processo de avaliação e diagnóstico
A avaliação é uma etapa crucial para o diagnóstico do TDAH. O diagnóstico é realizado a partir de uma avaliação clínica com o rastreio dos comportamentos do indivíduo. Apesar de existirem estudos mostrando diferenças entre o funcionamento do cérebro de um indivíduo com e sem TDAH, bem como estudos com gêmeos mostrando alta porcentagem de hereditariedade do transtorno, não existem marcadores biológicos ou de imagem que indiquem a presença do transtorno.
Como a maior parte dos transtornos mentais, o TDAH é interpretado dentro da lógica dimensional, isto é, os sintomas são interpretados dentro de um nível de gravidade, considerando seus impactos nas diversas áreas de vida do indivíduo (trabalho, relacionamento, estudos).
A avaliação inclui a realização de entrevistas com os pacientes, mas também com outras fontes como familiares e cônjuges. É comum que alguns pacientes com TDAH tenham dificuldades em relembrar a extensão dos sintomas durante sua infância e muitos prejuízos podem ser observados pelos familiares e pessoas próximas.
A avaliação também pode contar com testes e escalas autoaplicáveis de rastreio de sintomas. Os testes incluem teste inteligência, testes que avaliam memória, função executiva, atenção, leitura, ortografia e matemática. É importante que a avaliação e o diagnóstico sejam realizados de forma interdisciplinar envolvendo mais de um profissional, por exemplo, um psiquiatra e um neuropsicólogo.
Diversos estudos mostraram perfis neuropsicológicos mais frequentes nos pacientes com TDAH, como por exemplo, os adultos com TDAH tendem a obter escores menores em testes que medem atenção, inibição e memória de trabalho.
Apesar dessas informações direcionarem o diagnóstico, é importante frisar que apenas o desempenho reduzido nesses testes não confirma totalmente o diagnóstico, uma vez que 35 a 65% das pessoas com TDAH conseguem um bom desempenho nesses testes (Barkley & Benton, 2016).
Tratamento
O tratamento para o TDAH no adulto, da mesma forma que a compreensão sobre esse transtorno nessa faixa etária, são movimentos mais recentes da literatura comparados à infância (Barkley & Benton, 2016). O tratamento mais eficaz indicado para o TDAH é a combinação entre medicamento e terapia, especialmente a terapia cognitivo-comportamental.
Os medicamentos de primeira escolha utilizados no tratamento do TDAH são os psicoestimulantes como o metilfenidato (Ritalina), e o Lis-dexanfetamina (Venvanse).
A terapia cognitivo-comportamental para o TDAH, principalmente com adultos, inclui estratégias de resolução de problemas, treinamento de habilidades sociais, organização da rotina, estratégias de regulação emocional, mindfulness, auto instrução, entre outros (de Souza & da Silva, 2021).
Um dos maiores estudiosos do TDAH, Russell A. Barkley, que escreveu diversos livros sobre o assunto, aponta para a importância de se enfatizar e potencializar, durante o tratamento, os pontos fortes dos indivíduos, bem como seus interesses e motivações (Barkley & Benton, 2016).
No Brasil, o transtorno ganhou seu reconhecimento. Hoje existe a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), que promove iniciativas educativas e grupos de apoio, sendo difusor de informações sobre o diagnóstico, avaliação e tratamento do transtorno.
Além disso, um projeto de lei foi aprovado em 2021 que garante ao estudante com TDAH ou transtorno de aprendizagem assistência durante as aulas e no ano seguinte. A
portaria Nº 14 de 29 de julho de 2022
aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (Portaria nº 14/2022).
Conclusão
O TDAH é um transtorno já bastante estudado e consolidado na literatura. O TDAH na vida adulta, apesar de ter recebido mais atenção dos pesquisadores apenas algumas décadas depois, é real e, quando não tratado de forma adequada, traz impactos significativos em diversas áreas de vida do indivíduo, além do sofrimento subjetivo.
Como citar este artigo:
Silveira, M. M. P. S., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (Mai., 2024). TDAH em adultos: processo de avaliação, diagnóstico e tratamento. Blog da Artmed.
Autoras
- Myrian Machado de Paula Silveira
Psicóloga e Mestra em Neurociências pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG-BH). Doutoranda no programa de pós-graduação em Psicobiologia da Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto (USP-RP). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Psicóloga Certificada pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas. Pesquisadora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCL-RP) da Universidade de São Paulo (USP).
- Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora Clínica no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Universidade de São Paulo (USP).
SOBRE A EDITORA-CHEFE
Carmem Beatriz Neufeld:
Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).