Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT): fundamentos e evidências
A Terapia de Aceitação e Compromisso (Acceptance and Commitment Therapy - ACT) é uma abordagem cognitiva comportamental contextual, baseada em evidências e em uma perspectiva transdiagnóstica.
Seu desenvolvimento iniciou-se a partir dos anos 1980, por Steven C. Hayes e colaboradores, e tem como objetivo central promover a flexibilidade psicológica (FP) (Hayes et al., 2021; Zancan et al., 2023; Zhenggang et al., 2020).
Neste artigo, exploraremos os pressupostos, fundamentos e evidências dessa abordagem terapêutica.
Pressupostos e fundamentos da ACT
A Terapia de Aceitação e Compromisso se fundamenta filosoficamente no contextualismo funcional, que evidencia a importância de contextos históricos e situacionais para a compreensão do comportamento humano.
Nesse sentido, a função e o significado contextualmente estabelecidos do evento tornam-se mais importantes do que a ocorrência do evento em si (Hayes, 2016; Hayes et al., 2006; Silveira, 2021; Melo et al., 2018; Miyazaki et al., 2021). Ou seja, a ACT propõe que, para compreender um comportamento, deve-se entender o contexto no qual ele ocorre, de forma que o contexto altera a forma como são vistos o comportamento e sua frequência (Miyazaki et al., 2021).
A ACT fundamenta-se teoricamente na Teoria dos Quadros Relacionais (RFT), um pressuposto da linguagem e da cognição que se estende à compreensão de psicopatologia (Hayes et al., 2008).
O objetivo da ACT não é eliminar a dor ou as experiências internas desagradáveis, uma vez que essas experiências são uma parte inevitável da vida. Em vez disso, a ACT tenta ensinar os pacientes a viver uma vida significativa e com propósito, apesar das dificuldades (Luoma et al., 2007).
A ACT pressupõe que o sofrimento humano é causado pela inflexibilidade psicológica (Hayes et al., 2006; Hayes et al., 2021), sendo esse o conceito central do modelo de psicopatologia da abordagem (Hayes et al., 2021; Zancan et al., 2023).
A inflexibilidade psicológica é caracterizada por um padrão de evitação das experiências negativas ou controle dos sentimentos e pensamentos, em detrimento das ações baseadas em valores de vida. Relaciona-se, ainda, ao controle linguístico excessivo e ao pouco controle das contingências presentes (Hayes et al., 2021; Miyazaki et al., 2021).
O sofrimento humano é inerente à condição humana, mas torna-se agravado quando a inflexibilidade psicológica impede a adaptação ao contexto. Ou seja, é quando processos verbais e cognitivos limitam o repertório do indivíduo em diferentes áreas do funcionamento (Miyazaki et al., 2021; Hayes et al., 2008).
O modelo da inflexibilidade psicológica é composto por seis processos principais:
- Fusão cognitiva.
- Evitação experiencial.
- Atrelamento ao Eu (Self) conceitual.
- Atenção predominante ao passado ou futuro.
- Falta de clareza de valores.
- Inação, impulsividade e persistência da evitação.
Os seis processos do modelo da inflexibilidade psicológica são representados graficamente através de um hexágono, conforme a Figura 1. O Quadro 1 descreve os processos da inflexibilidade psicológica.
⚪ Leia mais: Terapias contextuais: o que são?
Os seis processos terapêuticos fundamentais da ACT
A ACT tem como alvo cada um dos problemas centrais descritos acima, com o objetivo geral de aumentar a flexibilidade psicológica (FP).
A FP refere-se à habilidade de contatar o momento presente de maneira plena e, com base no que a situação oferece, mudar comportamentos ou persistir neles para servir aos valores escolhidos (Hayes et al., 2012; Hayes et al., 2021).
A FP é estabelecida por meio de seis processos centrais da ACT, conforme mostrado na Figura 2. Os processos à esquerda são considerados processos de conscientização (mindfulness) e aceitação, e os à direita de mudança de comportamento e compromisso com os valores (ou processo de ativação comportamental) (Myazaki et al., 2023; Melo et al., 2018).
Cada uma dessas áreas é conceituada como uma habilidade psicológica positiva, não apenas como um método para evitar a psicopatologia (Luoma et al., 2007). Elas estão descritas no Quadro 2.
Evidências da ACT
Um crescente conjunto de evidências mostra que a ACT pode reduzir sintomas depressivos, de ansiedade, estresse e melhorar a qualidade de vida em várias populações (Han et al., 2022; Han et al., 2021; Hughes et al., 2017; Zhenggang et al., 2020). Familiares/cuidadores de pessoas em condições crônicas ou deficiências (Han et al., 2021), pessoas com dor crônica (Hughes et al., 2017), pessoas com sintomas e transtornos psicóticos (Jansen et al., 2020), pessoas com esclerose múltipla (Han, 2021), pessoas diagnosticadas com depressão (Zhenggang et al., 2020) e crianças que necessitam de cuidados especiais (Parmar et al., 2021) estão entre os grupos beneficiados.
A ACT tem se mostrado uma intervenção eficaz no tratamento da depressão e da ansiedade (Swain, et al., 2013; Zhenggang et al., 2020).
Swain e colaboradores conduziram uma revisão sistemática abrangendo 38 estudos e um total de 959 participantes, que preenchiam critérios para o espectro de transtornos de ansiedade, incluindo pessoas com sintomas de ansiedade ou condições comórbidas. Os pesquisadores verificaram que, na maioria dos estudos incluídos (92,11%), foi relatada uma melhora significativa nas medidas de resultados de ansiedade após a aplicação da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT).
Quanto à eficácia da ACT na redução de sintomas depressivos, um recente estudo de metanálise e revisão sistemática verificou 18 estudos e um total de 1.088 participantes de países como China, Canadá, Holanda, Espanha, Irã, Austrália, Suécia, Reino Unido e Finlândia (Zhenggang et al., 2020). Foi observada uma redução significativa nos sintomas de depressão em comparação com grupos de controle, principalmente em pessoas com depressão leve. Contudo, observou-se resultados pouco significativos para pessoas com sintomas graves ou moderados e em crianças e adolescentes (Zhenggang et al., 2020).
Considerações finais
A ACT é uma intervenção psicológica fundamentada na psicologia comportamental moderna, incluindo a RFT (Terapia de Relação Funcional), que utiliza os processos de atenção plena e aceitação, bem como os processos de compromisso e modificação do comportamento, para fomentar a FP (Luoma et al., 2007; Hayes et al., 2021).
Assim, a ACT representa um modelo, não uma técnica específica (Luoma et al., 2007; Hayes et al., 2021). Ela incorpora um modelo de psicopatologia e um modelo de processos de intervenção e saúde.
É uma abordagem à intervenção psicológica e ao funcionamento humano, definida através de seis processos teóricos específicos, todos embasados em princípios fundamentais (Luoma et al., 2007; Hayes et al., 2021).
Como citar este artigo:
Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (2023, 30 set).
Terapia de Aceitação e Compromisso - ACT
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Editoria de Psicologia
Editora-chefe:
Carmem Beatriz Neufeld.Psicóloga. Livre docente em TCC pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora e Mestra em Psicologia pela PUCRS. Fundadora e Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Federação Latino Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO (2019-2022). Presidente-fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023). Bolsista Produtividade do CNPq.
Referências
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