Terapia do Esquema e Terapia Cognitivo-Comportamental: similaridades e diferenças
Entendendo a Terapia do Esquema (TE)
A Terapia do Esquema (TE) é mais apropriada para aqueles pacientes que apresentam um longo histórico de padrões disfuncionais emocionais, cognitivos e comportamentais e que possuem problemas crônicos complexos. A TE foi desenvolvida para tratar uma variedade de problemas associados a fatores caracterológicos, o que revela ser uma abordagem transdiagnóstica. Contudo, no decorrer da sua evolução, a TE acabou por desenvolver modelos específicos de tratamento para a maioria dos transtornos da personalidade. Achados de pesquisas têm revelado dados importantes acerca da eficácia da TE (Fassbinder & Arntz, 2021). Por exemplo, investigações evidenciam que a abordagem terapêutica foi significativamente eficaz para redução dos sintomas em transtornos depressivos (Körük & Özabacı, 2018). Levou também a efeitos benéficos nos sintomas específicos dos transtornos de ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de estresse pós-traumático, bem como nos esquemas iniciais desadaptativos (Peeters et al., 2021). Além disso, a TE apresentou resultados mais significativos para modificação dos esquemas disfuncionais e redução dos sintomas associados aos transtornos de personalidade em comparação a outros transtornos, como os alimentares, agorafobia, estresse pós-traumático e depressão crônica (Taylor et al., 2017). Demonstrou bons efeitos também no tratamento de transtornos da personalidade, especialmente para o Transtorno de Personalidade Borderline (Bamelis et al., 2014).
As origens da Terapia do Esquema
No início da década de 1980,
Jeffrey Young
, psicólogo estadunidense, iniciou o desenvolvimento da TE (anteriormente conhecida como Terapia Focada no Esquemas). Seu objetivo era tratar indivíduos que possuíam problemas psicológicos generalizados, rígidos e complexos, principalmente no que se refere à regulação emocional e aos relacionamentos interpessoais. Verificou-se que eles não respondiam como o esperado à Terapia Cognitivo-comportamental (TCC) tradicional (Flanagan et al., 2020; Vuijk et al., 2022; Young et al., 2008). Ao avaliar tais pacientes, Dr. Young constatou a presença de padrões de comportamentos disfuncionais persistentes que tiveram sua formação na infância e que dificultavam o processo terapêutico. Curiosamente, esses indivíduos receberam o diagnóstico de transtorno de personalidade. Em busca da compreensão do motivo para que seus pacientes não se beneficiavam da TCC, o psicólogo norte-americano identificou que eles pareciam ter desenvolvido estratégias de enfrentamento como resposta às experiências adversas do passado, como desconfiança, hostilidade e comportamento controlador. Consequentemente, algumas justificativas estavam associadas aos problemas na relação terapêutica e processo terapêutico (Flanagan et al., 2020; Vuijk et al., 2022). Por exemplo, alguns indivíduos aprenderam a suprimir ou evitar suas emoções e pensamentos, o que interferia significativamente em identificar, monitorar, registrar e compartilhar no tratamento. Além disso, devido às estratégias desadaptativas de enfrentamento, muitos pacientes tinham dificuldade em se engajar em uma relação colaborativa com o terapeuta, sendo esta um dos princípios da TCC — a ênfase na colaboração e participação ativa tanto do paciente quanto do terapeuta (Arntz & Jacob, 2013). Dr. Young averiguou outros problemas que envolviam queixas confusas e vagas dos pacientes, o que dificultava a análise do terapeuta para encaixá-los nos alvos tradicionais do tratamento da TCC, além de uma inflexibilidade psicológica persistente. Tudo isso impactava negativamente na responsividade dos indivíduos às técnicas cognitivas da TCC, impossibilitando o alcance de outro princípio da TCC: ser de curta duração. Portanto, para atender às necessidades desses pacientes, Dr. Young desenvolveu a TE (Schaich et al., 2022; Vuijk et al., 2022).
TE e TCC: similaridades e diferenças
A TE é considerada uma abordagem terapêutica integrativa e inovadora, pois foi desenvolvida como uma extensão da TCC tradicional, conforme mencionado. Contudo, ela se baseia também na teoria do apego, em conceitos psicodinâmicos, na Gestalt e nas terapias focadas na emoção. Um dos pressupostos da TE, extraído da TCC, é que todos os indivíduos desenvolvem esquemas na fase da infância (Young et al., 2008). Esquemas sãos estruturas cognitivas complexas que processam estímulos, fornecem significado e ativam sistemas psicobiológicos relacionados, como afeto, cognição, motivação e comportamento (Beck & Haigh, 2014). Em interação com fatores biológicos e culturais, denominados de Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs), específicos esquemas podem se tornar disfuncionais (p. ex., negativismo, subjugação, fracasso, abandono, dependência, grandiosidade, inibição emocional, busca de aprovação e negativismo) ao se desenvolverem quando necessidades emocionais centrais (p. ex., segurança, aceitação, estabilidade, nutrição, autonomia, autoexpressão, autocontrole, autonomia e limites realistas) não são atendidas durante os anos de formação (Wainer et al., 2016; Young et al., 2008). Diversos fatores podem estar associados, como deficiências no ambiente das crianças ou uma combinação de eventos traumáticos (p. ex., abuso emocional, sexual, físico ou bullying) em interação com o temperamento da criança. Em decorrência, os indivíduos desenvolvem padrões comportamentais específicos, nomeados de estilos de enfrentamento e que podem ser de três tipos: rendição ou resignação, evitação e compensação excessiva ou hipercompensação. Tais respostas padronizadas resultam em modos esquemáticos, que descreve o estado emocional-cognitivo-comportamental momentâneo da pessoa. Em suma, os modos esquemáticos (p. ex. criança vulnerável, criança feliz, protetor desligado e pai/mãe exigente) é um conjunto de esquemas e processos que, em certas situações, determinam os pensamentos, sentimentos e ações dos indivíduos. Quando ativados, os modos esquemáticos desadaptativos, por meio das estratégias de enfrentamento disfuncionais, podem bloquear o acesso a emoções e necessidades primárias e resultam em necessidades e problemas não atendidos que persistem na vida adulta (Schaich et al., 2022; Vuijk et al., 2022; Young et al., 2008). A TE tem como foco modificar os esquemas disfuncionais e modos desadaptativos para esquemas e modos mais flexíveis e menos extremos, bem como desenvolver um conjunto de estratégias de enfrentamento adaptativas para possibilitar que os indivíduos tenham uma visão mais positiva e realista de si, dos outros e do mundo (Vuijk et al., 2022). Para isso, é essencial que o terapeuta realize uma avaliação que envolve a compreensão dos sintomas atuais do paciente, relacionamentos importantes e história do início da vida. Assim, é possível elaborar uma conceitualização de caso e, por fim, de acordo com a necessidade, utilizar um grupo eclético de intervenções para facilitar a mudança, incluindo: intervenções cognitivas, comportamentais (p. ex., dramatização, experimentos comportamentais, treinamento de habilidades, resolução de problemas, ativação comportamental ou técnicas de relaxamento) e experimentais (p. ex., diálogos de cadeira e reescrita de imagens) (Schaich et al., 2022). No entanto, ressalta-se que para a ocorrência de resultados positivos é essencial estabelecer uma relação terapêutica funcional com confiança e apego, sendo construída usando uma confrontação empática e reparação parental limitada (Vuijk et al., 2022). Desse modo, segundo Arntz e Jacob (2013), quando se compara com a TCC, a TE tem como foco:
- Emoções desagradáveis,uma vez que os padrões problemáticos em pacientes com transtornos de personalidade geralmente são mantidos por experiências emocionais problemáticas. Por exemplo, pacientes com transtorno de personalidade borderline geralmente experimentam instabilidade afetiva com irritabilidade ou ansiedade intensa ou sentimentos crônicos de vazio ou raiva intensa. Nesses casos, utilizar técnicas cognitivas conforme indicado pela TCC padrão tem resultados com baixa eficácia. Por outro lado, intervenções experienciais são mais adequadas.
- Questões da infância, que são mais consideradas do que na TCC tradicional. As informações biográficas são usadas principalmente para validar os pacientes, possibilitando-lhes compreender a origem infantil de seus padrões comportamentais disfuncionais. A TE promove a compreensão pelos pacientes dos seus próprios padrões atuais como resultado de condições disfuncionais durante a infância e adolescência.
- A relação terapêutica, que desempenha um papel muito importante na TE. A relação terapêutica é conceituada como uma espécie de “reparentalidade limitada”, o que significa que o terapeuta assume o papel de pai e demonstra um comportamento caloroso e atencioso com o paciente. Contudo, deve ser dentro dos limites da relação terapêutica que é uma relação profissional. Ressalta-se que toda a função reparadora deve ser adaptada aos problemas ou esquemas individuais do paciente. Particularmente, para pessoas com transtornos de personalidade, o relacionamento terapêutico é considerado como o lugar no qual o paciente pode ousar se abrir e mostrar sentimentos dolorosos, experimentar novos comportamentos sociais e mudar padrões interpessoais. Portanto, os pacientes trabalham em seus problemas por meio da relação terapêutica.
Para obter uma compreensão mais específica sobre as particularidades da TE, inclusive sobre aplicações da abordagem e técnicas comumente utilizadas,
orienta-se a leitura do
e-book Terapia do Esquema: da Teoria à Prática
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Editoria de Psicologia
Editora-chefe: Carmem Beatriz Neufeld.Psicóloga. Livre docente em TCC pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora e Mestra em Psicologia pela PUCRS. Fundadora e Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Federação Latino Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO (2019-2022). Presidente-fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023). Bolsista Produtividade do CNPq.