Teste de Rorschach (R-PAS): avaliações psicológicas no contexto forense
O que é Rorschach R-PAS?
O teste de Rorschach é um dos instrumentos que tem se destacado por ser eficaz no estudo de avaliação da personalidade (Nørbech et al., 2016). O R-PAS (Sistema de Avaliação por Desempenho no Rorschach) é o sistema mais atual de correção e interpretação do teste de Rorschach, que envolve pesquisas com análises estatísticas robustas na demonstração de suas propriedades psicométricas (Meyer et al., 2017; Perissinotto, 2019).
As variáveis que avaliam processos cognitivos e perceptuais foram aquelas que apresentaram as mais fortes evidências de validade (Mihura, Meyer, Dumitrascu & Bombel, 2013).
Desenvolvido e publicado originalmente em 1921 por Hermann Rorschach, o Psychodiagnostik de Rorschach (Rorschach, 1942), é um dos testes mais utilizados para a avaliação da personalidade, considerado favorável para o uso privativo do psicólogo no Brasil, em processos de avaliação psicológica (Zilki et al., 2020).
Desde a sua publicação, o instrumento tem sido aperfeiçoado, mantendo em seu eixo estruturante os fundamentos norteadores de seu criador (Zilki et al., 2020). Uma discussão muito presente na literatura, inclui se o Rorschach é um teste ou um método, considerando os diferentes sistemas de interpretação propostos (Hunsley & Bailey, 2001).
Diversas teorias foram propostas para explicar como as respostas do Rorschach fornecem dados válidos sobre aspectos psíquicos e os comportamentos observáveis de uma pessoa. No entanto, não há consenso na literatura de uma teoria que tenha apoio de todos os pesquisadores do Rorschach (Hunsley & Bailey, 2001).
Exner (1989) rejeitou a hipótese projetiva proposta por Frank (1948), que sugeria que as respostas ao Rorschach são totalmente determinadas por reações e experiências emocionais internas. Exner propôs que algumas respostas são informativas sobre a maneira pela qual um indivíduo conceitua o mundo com base em sua constituição psicológica, enquanto outras são amplamente determinadas pelas características do estímulo das manchas de tinta (Hunsley & Bailey, 2001). Os autores Hunsley e Bailey (1999) destacam que o Rorschach tem a dúbia distinção de ser, simultaneamente, um dos mais – se não o mais – acarinhado e o mais desprezado de todos os instrumentos de avaliação psicológica (p. 266).
Exner desenvolveu o Sistema Compreensivo (SC; Exner Jr, & Sendín, 1999) em 1974, que incorporou em seu sistema as informações consideradas cientificamente mais válidas e confiáveis dos cinco principais sistemas norte-americanos do teste de Rorschach disponíveis na época (Zilki et al., 2020).
Pesquisadores do Rorschach Research Council realizaram constantes alterações no SC, visando o aprimoramento científico do instrumento, até o falecimento de Exner, em 2006 (Zilki et al., 2020). Nesse contexto, surge o Sistema de Avaliação por Desempenho no Rorschach (R-PAS), que foi desenvolvido com base em um corpo de pesquisas empíricas, buscando superar as limitações identificadas no SC (Zilki et al., 2020).
Avaliação psicológica, Rorschach R-PAS e o contexto forense
O processo de avaliação psicológica tem por objetivo fornecer informações para orientar a tomada de decisões sobre o indivíduo que está sendo avaliado. É comum o uso de testes psicológicos para explorar características psicológicas, cognitivas e comportamentais do sujeito (Rovinski et al., 2018). Quando o uso dos testes psicológicos ocorre no contexto forense, é crucial levar em conta o impacto dos fatores coercitivos na validação de seus resultados.
Isso ocorre porque a pessoa avaliada, preocupada com as possíveis consequências legais, pode inadvertidamente influenciar ou deliberadamente interferir na produção de suas respostas (Nørbech et al., 2016; Rovinski et al., 2018; Rovinski, 2013).
Um importante corpo de estudos demonstra que o Rorschach encontra-se entre os instrumentos de avaliação da personalidade mais pesquisados no contexto forense (Benjestorf et al., 2013; Erard, 2012; Erard et al., 2014; Meyer et al., 2017; Society for Personality Assessment, 2005; Viglione & Meyer, 2008), através do fornecimento de medidas válidas e confiáveis, ainda que estudos apontem a necessidade de mais pesquisas para estabelecer a confiabilidade e a validade do R-PAS em contextos forenses (Viglione et al., 2022).
Você sabia?
Os resultados empíricos dos estudos do Rorschach sobre variáveis relevantes, inclusive aqueles com diferentes amostras forenses, foram variados (De Ruiter, 2021). Embora não haja uma relação individual entre determinadas variáveis do Rorschach e traços forenses relevantes, como psicopatia ou hostilidade, o Rorschach fornece valorosos insights sobre características estruturais e temáticas dos perfis de pacientes forenses, lançando luz sobre a dinâmica psicológica por trás de atos violentos (De Ruiter, 2021).
Além disso, o Rorschach também tem sido usado na avaliação da psicopatia, conforme definido pela Lista de Verificação de Psicopatia de Hare (Hare, 2003), com estudos mostrando associações entre psicopatia e determinadas variáveis do Rorschach, como respostas de Potencial Agressivo (AgPot), COP, SumT e PER (Gacono & Meloy, 2009).
É importante frisar que o Rorschach é adequado para a finalidade de compreender a dinâmica da personalidade do indivíduo quanto ao que ele pensa, sente e se comporta. No contexto forense, portanto, implica em entender a dinâmica psicológica por trás do ato violento, agressivo e/ou criminoso, podendo estar fora ou não dos padrões do indivíduo. Nesse sentido, não existem evidências que embasem seu uso para discriminar entre determinados tipos de categorias de diagnóstico (De Ruiter, 2021).
Quais resultados podem ser observados através do teste de Rorschach no contexto forense?O teste de Rorschach fornece percepções sobre o estado psicológico do indivíduo avaliado, esclarece os pontos fortes, os pontos fracos e os pontos adaptativos na forma como o indivíduo gerencia o estresse, percebe o ambiente, forma conceitos e ideias, experimenta e expressa sentimentos, vê a si mesmo e se relaciona com outras pessoas.
O teste de Rorschach fornece informações valiosas sobre a dinâmica psicológica e os traços de populações forenses, contribuindo para a base de evidências em avaliações forenses e fortalecendo as conclusões do avaliador no contexto da avaliação psicológica (De Ruiter, 2021).
No entanto, embora o Rorschach possa fornecer percepções sobre características estruturais e temáticas dos perfis de pacientes forenses, os resultados empíricos dos estudos do Rorschach sobre variáveis relevantes são mistos, indicando que o teste pode não fornecer resultados claros e definitivos de forma consistente em avaliações forenses (De Ruiter, 2021).
Conclusão
O Rorschach R-PAS (Sistema de Avaliação por Performance no Rorschach) foi desenvolvido em uma perspectiva centrada em evidências e com rigor conceitual e empírico. Destaca-se como uma ferramenta eficaz na avaliação da dinâmica da personalidade, em um sistema de avaliação baseado em análises estatísticas robustas.
No contexto forense, o Rorschach emerge como um instrumento amplamente pesquisado, oferecendo percepções valiosas sobre a dinâmica psicológica, características estruturais e temáticas dos perfis de pacientes forenses.
Apesar das contribuições, é crucial considerar a influência dos fatores coercitivos no contexto forense ao interpretar os resultados. Além disso, os resultados empíricos sobre variáveis relevantes ao contexto forense são mistos (De Ruiter, 2021). É crucial considerar que os resultados de um teste devem ser sempre considerados dentro do contexto do processo de avaliação psicológica, e nunca de forma única e isolada.
Como citar este artigo:Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (2024, 31 jan.).Teste de Rorschach (R-PAS): avaliações psicológicas no contexto forense. Blog do Secad.
SOBRE A EDITORA-CHEFE
Carmem Beatriz Neufeld:
Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).