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Tosse em crianças: diagnóstico e manejo

A tosse em crianças é uma das queixas mais comuns que os pais enfrentam ao longo da infância de seus filhos. Embora na maior parte das vezes seja apenas um reflexo natural do sistema respiratório em ação, pode ser um sinal de problemas subjacentes que merecem atenção.

Quando grave, ela causa uma grande diminuição na qualidade de vida com comorbidades como incontinência, síncope e disfonia, levando ao isolamento social, depressão e dificuldades de relacionamento.  

Classificação e causas de tosse em crianças
 

A tosse em crianças pode ser classificada em três categorias principais:

  • aguda;
  • subaguda;
  • e crônica.

A tosse aguda geralmente dura menos de três semanas e é comumente causada por infecções virais, como o resfriado comum ou a gripe. A tosse subaguda persiste por três a oito semanas e pode ser causada por infecções respiratórias prolongadas ou irritação dos brônquios. Já a tosse crônica dura mais de oito semanas e pode indicar condições subjacentes mais sérias, como asma, pneumonia ou até mesmo bronquite crônica.

Independentemente da duração exata, a tosse crônica em crianças é diferente da dos adultos devido a diferenças na morfologia das vias aéreas, maior grau de vulnerabilidade a insultos nocivos, controle reduzido do reflexo da tosse e diferenças na maturação do sistema neurológico e imunológico nas diferentes faixas etárias pediátricas.

A tosse crônica em crianças é melhor vista como um sintoma que pode estar presente em várias doenças. Cerca de 35% das crianças em idade pré-escolar relatam tosse em um determinado momento a cada mês; no entanto, até o momento, nenhum estudo comparou sistematicamente a prevalência de tosse crônica em crianças em todo o mundo.  

Principais etiologias
 

As causas da tosse em crianças podem variar amplamente. Além das infecções virais de vias aéreas superiores, causa mais comum de tosse, já mencionada, outras causas comuns incluem alergias, exposição à fumaça do tabaco, asma, sinusite, irritação causada por alérgenos ambientais, dentre outras.  

Avaliação diagnóstica
 

A avaliação inicial da tosse crônica em crianças inclui um histórico detalhado e um exame físico completo para identificar possíveis causas específicas devido a uma doença subjacente. Deve-se considerar idade, exposição a outros familiares doentes, alérgenos ambientais, entre outros fatores.  

O início súbito de tosse em uma criança pré-escolar saudável pode sugerir aspiração de corpo estranho e requer broncoscopia. A tosse paroxística (também designada tosse coqueluchoide ou sindrome pertussis) é caracterizada por acessos semelhantes à tosse, cada um com mais de um minuto e associados a rubor e/ou cianose. Pode ser provocada por vírus (adenovírus, parainfluenza e VSR), B. parapertussis e Mycoplasma pneumonae. 

A presença de sibilos e estertores subcrepitantes pode indicar a bronquite como uma causa possível da tosse. Caso o paciente apresente mal estar, inapetência, vômitos, associados a estertores crepitantes ou redução dos murmúrios vesiculares, podemos estar diante de uma pneumonia bacteriana. Entretanto, essas causas agudas, em geral, são facilmente diagnosticadas e a dificuldade maior se concentra no diagnóstico da tosse crônica.  

Durante a infância, o trato respiratório e o sistema nervoso passam por uma série de processos de maturação anatômica e fisiológica que influenciam o reflexo da tosse. Além disso, as respostas imunológicas passam por processos de desenvolvimento e criação de memoria imunológica que tornam a infecção e as anormalidades congênitas as causas predominantes da tosse em crianças. Assim, pode haver traqueomalácia, bronquite bacteriana prolongada (BBP) e bronquiectasia, além das etiologias comuns, como asma e tosse pós-infecciosa.

A BBP não é uma entidade nova e condições semelhantes à BBP foram relatadas na década de 1980. A Sociedade Respiratória Europeia apresentou uma definição confiável para BBP para a prática clínica diária,, quando todos os três critérios a seguir são atendidos:

  • 1) Presença de tosse crônica contínua (>4 semanas de duração) úmida ou produtiva;
  • 2) ausência de sintomas ou sinais (ou seja, indicadores específicos de tosse) sugestivos de outras causas de tosse úmida ou produtiva;
  • e 3) tosse resolvida após um curso de 2-4 semanas de um antibiótico oral apropriado. A BBP pode ser um precursor de bronquiectasia. 

Se houver suspeita de uma causa específica para a tosse crônica, serão necessárias mais investigações. Caso nenhum indicador específico seja detectado e a radiografia de tórax e a espirometria estejam normais, o painel de diretrizes da Sociedade Respiratória Europeia considerou que outro período de observação de até quatro semanas era indicado.

Em caso de persistência da tosse, diferenciar entre  tosse seca ou produtiva. Exposição a irritantes transportados pelo ar (por exemplo, exposição ao tabaco,  combustões, exposição relacionada ao trânsito etc.), exposição a alérgenos ou tosse pós-infecciosa pode ser um motivo para a tosse crônica seca. Tosse produtiva pode indicar processo infeccioso. No Brasil, precisamos lembrar da tuberculose como uma causa possível 

A tosse por hábito/tic é outra etiologia encontrada principalmente em crianças, manifestando as principais características clínicas centrais dos tiques, incluindo supressibilidade, distratibilidade, sugestionabilidade, variabilidade e a presença de uma sensação premonitória, quer a tosse seja única ou um dos muitos tiques. A tosse anteriormente chamada de psicossomática agora deve ser rotulada de transtorno somático da tosse, e esse diagnóstico só deve ser feito após uma avaliação extensa que inclua a exclusão de tique e causas incomuns de tosse crônica. 

A tosse inespecífica é geralmente caracterizada por tosse seca crônica sem indicadores específicos, existindo apenas como sintoma isolado. A maioria das vezes este tipo de tosse está relacionada com tosse pós-infecção viral e/ou aumento da sensibilidade dos receptores da tosse, sem etiologia grave.

Provavelmente, a persistência de tosse por mais tempo em algumas crianças após infecção das vias respiratórias superiores pode estar relacionada com o agente (por exemplo, infecção provocada por
B.pertussis
), mas também com fatores relacionados ao paciente (como a predisposição genética). 

Manejo diagnóstico de acordo com as causas
 

A crianças com tosse inespecífica geralmente não requerem na investigação mais exames além de uma radiografia de tórax e, eventualmente, uma espirometria. 

As crianças com tosse específica (isto é, com outros sintomas indicando doenças específicas) geralmente necessitam de várias investigações, incluindo desde provas de função respiratória até, eventualmente, tomografia axial computorizada (TAC) torácica e seios perinasais, broncofibroscopia, cintigrafia, prova do suor, estudo de refluxo gastroesofágico, entre outros exames complementares.  

As provas de função respiratória em crianças com mais de 6 anos podem mostrar obstrução nas doenças obstrutivas ou restrição em doenças intersticiais/doenças da parede torácica.

A espirometria tem utilidade no diagnóstico de obstrução reversível das vias respiratórias nas crianças com tosse crônica. No entanto, é pouco sensível, um exame normal não exclui doença subjacente.

Em caso de tosse produtiva, deve-se tentar fazer culturas de escarro ou lavado gástrico, uma vez que o lavado broncoalveolar em geral é utilizado em crianças maiores de 6 anos. É importante lembrar que em casos de difícil condução, pode ser necessária a avaliação de especialista pneumologista infantil ou otorrinolaringologista a depender do quadro. 

Manejo terapêutico 
 

Na terapêutica da tosse aguda, não existe evidência do benefício da maioria dos medicamentos vendidos sem prescrição médica, nomeadamente descongestionantes nasais, antitussígenos, mucolíticos e expectorantes, além de anti -histamínicos.

Sabemos também que os medicamentos não devem ser utilizados sem prescrição médica, sobretudo em crianças com menos de 2 anos.  Deste modo, estudos que determinem a ineficácia destes medicamentos poderiam evitar efeitos adversos, sobretudo quando usados de forma inadequada, assim como impedir custos acrescidos para os pais, absentismo ao trabalho e idas mais frequentes a consultas. 

A terapêutica da tosse crônica depende da etiologia. Em caso de tosse inespecífica, a medida terapêutica mais ajustada será a de “ver, aguardar e rever” . Os anti -histamínicos parecem não ser benéficos e estão associados a vários efeitos secundários. Os corticoides inalados utilizados em crianças com mais de 2 anos e com tosse inespecífica foram utilizados em estudos, revelando que poderá haver ligeira melhoria com doses muito elevadas de beclometasona, mostrando pouco impacto clínico e aparecimento de eventuais efeitos secundários.  

A antibioticoterapia, pode estar indicada e ser eficaz para os casos de tosse produtiva persistente (com mais de 21 dias), há estudos que evidenciaram melhora em relação ao placebo com o uso de Amoxicilina+clavulanato, mas é necessário evitar o uso irracional de antibióticos, uma vez que na maior parte das vezes as crianças apresentam IVAS repetidas e não necessariamente uma infecção bacteriana.

Devemos pensar no incremento da resistência aos antibióticos como um problema a ser combatido por todos. Qualquer criança com uma terapêutica empírica deve ser reavaliada e, se não houver uma resposta, esta deve ser descontinuada. 

As terapêuticas médicas do refluxo gastroesofágico carecem de estudos conclusivos e, cada vez mais, essa tem sido uma causa não relacionada a tosse crônica em crianças por pneumologistas infantis.

Em qualquer criança com tosse, a exposição ao fumo do tabaco e/ou a outros tóxicos pulmonares ambientais deve ser evitada.  Nas crianças com mais idade e adolescentes pode existir a influência de factores psicológicos, podendo ocorrer isoladamente (neste espectro: desde a síndroma de la Tourette até ao tique vocal) ou coexistir com outra etiologia orgânica. Em casos selecionados, pode ser necessário recorrer também a uma abordagem terapêutica e psicológica.   

Finalmente, é necessário destacar a importância da relação entre profissional e famílias. De fato, existem muitos pais de crianças com tosse com preocupações relevantes: medo que a criança tenha crise de asma, síndroma de morte súbita, que “morra” por asfixia, que fique com lesão permanente do tórax, que tenha distúrbios do sono e que se sinta desconfortável.

Associam-se a estas preocupações as informações disponíveis, principalmente na internet, muitas vezes incorretas ou interpretadas de forma errada. Fornecer aos pais a informação correta pode reduzir a sua ansiedade e a necessidade de uso indevido de medicamentos. . 

Conclusão

O tratamento da tosse em crianças deve sempre visar tratar a causa subjacente, quando identificada, sobretudo nos quadros de tosse crônica. Isso pode incluir o uso de antibióticos para infecções bacterianas e corticosteroides inalados para asma.  

Além do tratamento da causa subjacente, medidas adicionais podem ajudar a aliviar a tosse e melhorar o conforto da criança. Isso pode incluir a ingestão adequada de líquidos, uso de umidificadores de ar para manter o ambiente úmido, evitar fumaça de cigarro, e outros irritantes ambientais, e manter a criança em repouso adequado durante o período de recuperação.  

A tosse em crianças pode ser um sintoma preocupante para os pais, mas, na maioria dos casos, é apenas um reflexo do sistema respiratório em ação. No entanto, é importante estar atento a sinais de alerta e buscar avaliação médica especializada se a tosse persistir ou piorar, especialmente se estiver acompanhada de outros sintomas preocupante.

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