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Transtorno da Personalidade Borderline: causas, sintomas e tratamentos

O transtorno da personalidade borderline (TPB) é uma condição reconhecida por causar considerável sofrimento psicológico às pessoas afetadas.

Com uma prevalência estimada entre 1% e 6% na população geral (APA, 2023) e mais de 50 anos de pesquisas dedicadas a encontrar intervenções eficazes para seu tratamento (Linehan, 2010), fica evidente por que a comunidade científica da saúde mental concentra sua atenção nesta condição.

O que configura o TPB? 

Para que uma pessoa seja diagnosticada com transtorno de personalidade borderline, o DSM-5-TR (APA, 2023) estabelece alguns critérios de sinais e sintomas. São necessários pelo menos cinco dentre os seguintes nove critérios para se fechar o diagnóstico: 

  1. Esforços intensos para evitar abandono real ou imaginado; 
  2. Padrão de relacionamentos interpessoais intensos e instáveis, com alternância entre os pólos de idealização e desvalorização; 
  3. Senso de identidade difuso ou instável; 
  4. Impulsividade em pelo menos duas áreas da vida em que se note prejuízos significativos; 
  5. Recorrência de ameaças, gestos ou execução de comportamento suicida ou parassuicida; 
  6. Instabilidade emocional e humor volátil; 
  7. Sensações crônicas de vazio; 
  8. Raiva intensa ou dificuldade frequente em manejar a raiva; 
  9. Paranoia ocasional devido ao estresse ou sintomas dissociativos graves. 

E isso também significa que a população diagnosticada com TPB pode ser bastante heterogênea, uma vez que duas pessoas diagnosticadas podem ter poucos sintomas em comum (Crowell, Beauchain & Linehan, 2009).
Quais as características comuns então desta condição? 

O modelo biossocial da compreensão do TPB, elaborado pela psicóloga e pesquisadora Marsha M. Linehan, atribui como principal característica do transtorno
a crônica desregulação emocional.
Isso significa que a pessoa com o transtorno, frente a uma situação emocionalmente ativadora, será mais sensível a eventos e estímulos externos, tomará mais tempo para voltar aos estados emocional e de humor de base e terá uma maior dificuldade de manejo de seus comportamentos (Crowell, Beauchain & Linehan, 2009).  

Devido a esta intensa e recorrente desregulação de seu sistema emocional, há um impacto também nos outros sistemas integrados, como o cognitivo, comportamental, motivacional e fisiológico (Neufeld, dos-Anjos & Rebessi, 2023).

Desta forma, há uma dificuldade recorrente da pessoa com TPB em manejar os próprios comportamentos impulsivos, em estabelecer uma relação de
self
e de identidade estável e também em construir repertório de resolução de problemas que de fato a ajude nas situações nas quais é posta (Linehan, 2010).  

Quais seriam as causas para o desenvolvimento do TPB? 

De onde deriva tal desregulação emocional? Os modelos cognitivo-comportamentais do TPB apontam para uma interação entre dois fatores:  

  1. uma predisposição de caráter biológico (podendo ser chamado temperamento) à sensibilidade e labilidade emocional de algumas pessoas;
  2. e o contexto de desenvolvimento e aprendizagem predominantemente invalidante (Linehan, 2010; Young, Klosko & Weishaar, 2008).  

Os ambientes invalidantes são aqueles em que o indivíduo é exposto a situações em que a resposta de expressão emocional é punida recorrentemente (Melo, 2014). Muitas vezes essa punição pode vir através de violências verbal ou física, amplificando ainda mais o efeito da percepção de que sentir e expressar suas emoções pode ser algo ruim, indesejável ou perigoso (Beck, Davis & Freeman, 2017).

Assim, pessoas que vivam tais ambientes invalidantes aprendem que situações eliciadoras de emoções intensas tornam-se “gatilhos”, e podem passar a temer tanto as próprias emoções quanto às situações que possam vir a desencadeá-las (Linehan, 2010; Young, Klosko & Weishaar, 2008). Ao mesmo tempo, não aprendem repertórios de identificar, diferenciar, tolerar e manejar essas emoções que vivenciam (Crowell, Beauchain & Linehan, 2009). 

Tabela 2. Exemplos de invalidação

Dada a aprendizagem de que as emoções (e suas situações-gatilho) são intoleráveis e medonhas, com frequência a pessoa que viveu através de ambientes invalidantes busca formas indiscriminadas de fugir desses sentimentos. Dentre tais medidas, com frequência surgem estratégias como a intoxicação por uso de substâncias psicotrópicas, explosões de raiva e agressividade, comportamentos de autolesão e tentativas de tirar a própria vida (Linehan, 2010).

Estes repertórios podem ser agravados ainda nos contextos em que a pessoa recebe a atenção, o acolhimento e o afeto que lhes falta no resto do tempo, aprendendo que este pode ser o único recurso para obter o que lhes é tão carecido (Melo, 2014).  

Quais os melhores tratamentos para pessoas com TPB? 

Em uma busca por revisões sistemáticas de literatura, que são importantes ferramentas de compilação de evidências para direcionamento clínico (Gough, Thomas & Oliver, 2019), surgem algumas pistas a respeito da eficácia de alguns tratamentos e intervenções para pessoas com transtorno de personalidade borderline. Até abril de 2024, estes são alguns dos principais estudos que contribuem para o tratamento do TPB. 

Em uma meta-análise a respeito da farmacoterapia, quando comparado ao placebo (Stoffers-Winterling et al, 2022b): 

  1. Considerando-se os sintomas primários de análise (severidade geral do TPB, autolesão, comportamento suicida e funcionamento psicossocial), nenhum fármaco foi significativamente vantajoso. 
  2. Dentre os sintomas secundários de análise, alguns fármacos apresentaram vantagem significativa, principalmente para redução dos sintomas de raiva (antipsicóticos, estabilizadores de humor e ácidos graxos ômega-3) e de depressão (antipsicóticos e estabilizadores de humor). 

Estes dados não apontam evidências de eficácia da farmacoterapia no tratamento dos principais sintomas do TPB, de forma que ajudam predominantemente na redução de sintomas secundários. 

Em uma meta-análise em relação à psicoterapia, quando comparado com grupos controle (Storebø, 2020; Stoffers-Winterling et al, 2022a): 

  1. Considerando-se os sintomas primários de análise, os tratamentos com
    terapia comportamental dialética (DBT)
    e
    terapia baseada na mentalização
    (MBT) apresentaram os melhores resultados dentre os significativamente vantajosos para severidade geral, autolesão e funcionamento psicossocial, com ganhos entre moderado e altos com DBT. 
  2. Os tratamentos psicoterápicos observados em geral apresentaram vantagens para os sintomas secundários de análise, e vantagens leves para os sintomas primários de análise de severidade geral e funcionamento psicossocial. 

Estes dados apontam para evidências de eficácia dos tratamentos psicoterápicos principalmente da DBT e MBT para o transtorno de personalidade borderline. 

Conclusões
 

É compreensível o sofrimento pelos quais passam as pessoas diagnosticadas com transtorno de personalidade borderline. Quando se é punido sistematicamente por uma resposta que não escolhemos ou controlamos, que são as emoções, torna-se difícil pensar o que fazer, como reagir e o que sentir. onstruir novas aprendizagens frente a vidas inteiras de invalidação não é fácil — nem para os profissionais da saúde mental mais qualificados.  

O TPB, apesar de ter sido bastante estudado em tempos recentes, ainda carece de evidências mais robustas que possam colaborar no tratamento dessas pessoas que sofrem tanto. Até o momento, a farmacoterapia solo não se apresenta como uma proposta suficiente para o quadro clínico, sendo relevante no suporte para os tratamentos psicoterápicos.  

As psicoterapias de primeira linha são a terapia comportamental dialética (DBT) e a terapia baseada na mentalização (MBT). Estas, no entanto, exigem bastante tempo e dedicação por se tratarem de terapias multimodais, compondo terapia individual, intervenções grupais e componentes adicionais tanto para os pacientes quanto para os terapeutas.   

A eficácia de tais intervenções, no entanto, recompensam o esforço da comunidade científica. Afinal, tais abordagens surgiram justamente do estudo intensivo do TPB, tanto na compreensão de sua etiologia, de sua origem e de seu tratamento. 

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Autores

  • André Takahashi Neis 

Graduado em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP-RP), Especialista em Terapia cognitivo-comportamental pelo Instituto Wainer Psicologia e Especializando em Terapia comportamental dialética pelo Instituto VilaELO.  

  • Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo 

Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Professora em cursos de Pós-Graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Cognitivo-Comportamental na Infância e Adolescência e Terapia do Esquema. Supervisora Clínica. Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Universidade de São Paulo (USP). 

SOBRE A EDITORA-CHEFE

Carmem Beatriz Neufeld: 
Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).