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Transtorno de conduta: causas, diagnóstico e tratamento

Uma breve contextualização
 

A Associação  Americana  de  Psiquiatria  (APA), em sua mais atual edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR), classifica um grupo de distúrbios disruptivos, de controle de impulsos e de conduta, entre os quais se encontram diagnósticos que apresentam como principal característica uma hostilidade  e irritabilidade exacerbada, um nível maior de afeto negativo, a partir de uma conduta agressiva, desafiadora, com características antissociais (Da Silva & Bellemo, 2024).  

Dentre os transtornos deste grupo, encontra-se o transtorno de conduta (TC), sobre o qual trataremos neste artigo, buscando facilitar a compreensão sobre as causas conhecidas, como é feito o diagnóstico e quais são os tratamentos que vêm sendo indicados pela literatura. 

 
O Transtorno de Conduta
 

No TC, que é compreendido como um dos mais comuns transtornos psiquiátricos em crianças e adolescentes, encontra-se um padrão repetitivo e persistente de comportamento agressivo, desafiador ou antissocial (American Academy of Child, Adolescent Psychiatry [AACAP], 1997; Scott 1998). Os problemas de conduta também tendem a aumentar na adolescência, fase em que o indivíduo é maior demandado a responder às coisas que a sociedade, o sistema legal, os colegas e a escola demandam, necessitando funcionar de forma adaptativa fora da família (Woolfenden et al., 2001).  

O  TC é mais prevalente nos meninos (12%) do que nas meninas (7%) (Da Silva & Bellemo, 2024) e apresenta uma estabilidade ao longo do tempo. Desta forma, entende-se que, quando diagnosticado na infância, os efeitos deste transtorno podem se estender até a vida adulta, trazendo consequências negativas para o indivíduo e para a sociedade (dos Santos et al., 2022). Quando adultos, os indivíduos podem apresentar outros transtornos psiquiátricos, como transtorno de personalidade antissocial, e/ou comportamentos antissociais que não fecham diagnóstico especificamente, como roubo e violência (AACAP, 1997; Scott 1998). 

O transtorno de conduta pode estar associado ao início precoce do comportamento  sexual,  consumo de álcool, tabagismo, uso de substâncias  ilícitas e outros comportamentos de risco. De acordo com estudos já realizados, crianças e adolescentes que possuem o diagnóstico de TC tendem a apresentar também diversos comportamentos que se associam a déficits funcionais e prejuízos cognitivos (dos Santos et al., 2022; Vilhena & Paula, 2017). 

Os fatores de risco associados ao desenvolvimento do Transtorno de Conduta já mapeados pela literatura incluem:  

  • causas genéticas e biológicas, como temperamento difícil; impulsividade; baixa inteligência verbal; déficits no processamento de informações sociais; anormalidades neuroquímicas (Farrington, 2018; Frick, 2004; O' Connor 2002; Patterson, 1995). 
  • causas ambientais, como estilo parental e de apego, transtornos psiquiátricos parentais, disciplina severa e errática, abuso e negligência infantil, supervisão parental deficiente, abuso de substâncias pelos pais, rejeição parental, desarmonia parental, monoparentalidade, tamanho de família grande, pobreza,  influências desviantes de colegas (AACAP, 1997; Sheldrick, 1995). 

A interação familiar é um dos fatores que pode causar, piorar ou manter o TC. Ao mesmo tempo, caso os relacionamentos familiares se deem de maneira mais funcional, podem funcionar como um agente terapêutico, contribuindo para a redução de comportamentos desviantes e ajudando a prevenir recaídas (Diamond et al, 1996).  

Existem várias intervenções familiares que podem ser realizadas para tratar o TC, e vão desde treinamentos com pais, que visa, a partir da promoção de habilidades parentais, alterar a dinâmica das interações familiares, até a terapia multissistêmica (MST), que busca trabalhar fatores como parentalidade, escola e relacionamentos entre pares (Henggeler et al, 1992). Essa última intervenção vem sendo realizada também no contexto de adoção, como o Tratamento Multidimensional em Assistência Adotiva (Multi-dimensional Treatment Foster Care [MTFC]) (Chamberlain, 1998). 

Evidências científicas
 

A partir de estudos já consolidados na literatura, notou-se que quando as intervenções são realizadas precocemente, isto é, até os primeiros três anos de vida das crianças que apresentam problemas de conduta, faz-se possível prevenir o transtorno de conduta. O grande problema é que muitas crianças não conseguem acessar estes serviços, além daquelas que mesmo tendo acesso a serviços preventivos, acabam desenvolvendo o transtorno.  

Dessa forma, é preciso buscar intervenções que sejam eficazes para o tratamento do TC, para que o impacto negativo deste transtorno no futuro das crianças e adolescentes seja minimizado, e para que estratégias sejam utilizadas quando estes problemas aparecerem (Woolfenden et al., 2001). 

Em se tratando das intervenções indicadas para o tratamento do transtorno de conduta, existem algumas evidências relacionadas a intervenções familiares e treinamentos para pais. Em uma revisão sistemática com meta-análise realizada por Woolfenden et al. (2001), encontrou-se que intervenções realizadas com as famílias dos jovens com TC que se encontravam em instituições presidiárias se relacionaram a uma diminuição significativa do tempo gasto por estes jovens nestas instituições, bem como no risco de serem presos novamente, havendo uma diminuição na taxa de prisões subsequentes em 1 a 3 anos. Entre as intervenções, destacam-se a Terapia Multissistêmica (Multi-systemic Therapy) e o Cuidado de Tratamento Multidimensional em Assistência Adotiva (MTFC). No entanto, não foram encontradas diferenças significativas relacionadas a melhorias nos processos psicossociais, como no funcionamento familiar e no comportamento dos jovens (Woolfenden et al., 2001). 

Furlong et al. (2012) também conduziram uma revisão com metanálise, e encontraram resultados indicando que o treinamento de pais produziu uma redução estatisticamente significativa em problemas de conduta infantil. Também houve melhora significativa na saúde mental dos pais e nas habilidades parentais positivas. Ainda, houve uma redução estatisticamente significativa em práticas parentais negativas ou severas. Outro ponto positivo é que este tipo de intervenção possui uma boa relação custo-efetividade, sendo bem mais acessível do que outras estratégias interventivas para esta mesma questão (Furlong et al., 2012).  

Com relação ao treinamento, destacam-se as intervenções parentais comportamentais e cognitivo-comportamentais baseadas em grupo, que se mostraram eficazes e com um custo modesto para intervir em problemas de conduta infantil, melhorar a saúde mental parental e as habilidades parentais em curto prazo. Destaca-se a relevância de se realizar estas intervenções em contexto grupal, visto que os achados desta revisão sustentam evidências de que essa modalidade interventiva têm o potencial de ajudar os pais a desenvolver habilidades parentais que melhoram o comportamento de seus filhos (Furlong et al., 2012).  

Estes programas possuem um formato de aprendizagem interativo e colaborativo. Os facilitadores do grupo visam ensinar alguns conceitos comportamentais e habilidades parentais como disciplina, reforçamento, etc. aos cuidadores, para que estes pratiquem o que aprenderam no grupo em suas vidas. Alguns dos elementos-chave desses programas são, de acordo com Azar (2006), Hutchings (2004), Mihalic (2002) e Webster‐Stratton (1998):  

  • aprender como e quando usar habilidades parentais positivas 
  • observação 
  • modelagem 
  • ensaio comportamental (como a dramatização) 
  • discussão de caso 
  • tarefas de casa 
  • colegas como rede de apoio 
  • reformulação de percepções cognitivas sobre seus filhos ou sobre as crianças em geral 
  • incorporam princípios e técnicas de aprendizagem social junto de princípios da aprendizagem clássica e operante 
  • encorajamento, para que os pais sejam empáticos e solidários uns com os outros 
  • como lidar com obstáculos de frequência grupal, fornecendo, por exemplo, transporte para os pais participantes. 

Mais especificamente com relação à parte cognitiva trabalhada nestas intervenções, busca-se abordar as distorções cognitivas típicas que os pais destas crianças e adolescentes experienciam, como o pensamento "tudo ou nada", que podem levar a estresse, desesperança, baixa autoestima, e ao desamparo aprendido (Reichenberg & Seligman, 2016). O principal objetivo, assim, é auxiliar os pais a reestruturarem cognições distorcidas ou atribuições errôneas, além de treiná-los no uso de técnicas de resolução de problemas e manejo de raiva (Macdonald, 2004). 

Alguns pontos importantes observados sobre estes programas é que (Furlong et al., 2012): 

  • Variam enquanto vão incluir esses componentes;  
  • Variam em duração, que pode variar de quatro a 24 sessões semanais em grupo  
  • Existem programas que vão incorporar outros fatores para trabalhar os problemas de conduta, como fatores de estresse relacionados aos pais e apoio social 

Conclusão
 

Os fatores de risco presentes na vida das crianças e adolescentes interagem entre si e, muitas vezes, são cumulativos, ocasionando no TC. Apesar disso, crescem cada vez mais evidências de que ao promover habilidades parentais, há uma redução em comportamentos problemáticos na infância e aumento nos comportamentos sociais e positivos das crianças, além de promover a saúde mental dos pais (Osofsky, 2000; Patterson, 2002; Webster‐Stratton, 2004; Hutchings, 2007).

Dentre estas intervenções, aquelas realizadas de maneira grupal, conduzidas com os princípios da teoria comportamental, cognitiva e de aprendizagem social, parecem ter um impacto positivo na redução da intensidade dos problemas de conduta na infância (Hutchings, 2007; Sanders, 2000; Webster‐Stratton, 2004). 

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Como citar este artigo:
Rezende, A. L., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (Set., 2024).
Transtorno de conduta em crianças e adolescentes: causas, diagnóstico e tratamento?
Blog da Artmed. 

Autoras

  • Alessandra Luzia de Rezende
     

Psicóloga e mestranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Possui formação em Psicologia Baseada em Evidências pelo InPBE. Foi co-fundadora da Liga de Terapias Cognitivo-Comportamentais da USP-RP (LiTCC-USP). Atualmente é Pesquisadora Colaboradora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP).  

  • Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo 

Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Universidade de São Paulo (USP).