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Abordagem diagnóstica de síndrome vestibular aguda (e tontura) no pronto-socorro

É impossível revisar o tema síndrome vestibular aguda (SVA) sem falar da queixa tontura, forma mais usual de expressar o sintoma. Trata-se de uma queixa comum, que perfaz entre 2-4% dos atendimentos de porta de emergência. Recomendava-se classificar os pacientes com tontura em 4 grupos com base na avaliação detalhada do sintoma: vertigem, pré-síncope, desequilíbrio e “cabeça vazia” (
lightheadedness
em inglês). Apesar disso, atualmente sabe-se que a descrição das características da tontura não é suficiente para essa diferenciação dos diagnósticos. Além disso, descritores usados pelo mesmo indivíduo mudam dentro de poucos minutos quando reavaliados; assim não são úteis do ponto de vista prático. Por outro lado, uma abordagem focando na cronologia e fatores desencadeates é mais eficaz.   

Dessa forma, utilizaremos aqui tontura e vertigem como termos equivalentes, incluindo aqui paciente com sintomas de vertigem, instabilidade e/ou comprometimento da orientação espacial, incluindo sensação de movimento quando está parado. Esta abordagem classifica os pacientes com tontura em 3 síndromes clínicas (
Tabela 1
), cada uma perfazendo de 30-40% dos pacientes que se apresentam no pronto-socorro. O foco deste texto será a abordagem diagnóstica de pacientes com SVA.   

Este é um desafio maior para quem atende em pronto-socorro: há a necessidade de diferenciar eventos periféricos (maioria dos casos, usualmente benignos e autolimitados) de doenças do sistema nervoso central (em especial acidente vascular cerebral isquêmico ou hemorrágico).  

Abordagem inicial de tontura
 

Aproximadamente metade dos pacientes nas emergências a causa da tontura é uma causa secundária (não diretamente relacionada ao sistema vestibular), 30-35% tem doenças otológicas ou do sistema vestibular periférico e 10-15% tem doenças do sistema nervoso central. Em suma, apenas 3-6% dos pacientes tem causas classificadas como graves, em especial acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico. Apesar disso, estes são os diagnósticos que não podem ser perdidos, pelo risco de sequelas e evolução desfavorável.   

Assim, antes mesmo de tentar classificar o paciente em uma das três síndromes vertiginosas apresentadas na
Tabela 1
, deve-se avaliar se existe algum sinal sugerindo evento cerebrovascular óbvio. Isso pode incluir perda de força, disartria, disfagia, diplopia, entre outros. Se houver suspeita de acidente vascular cerebral, a abordagem deve ser neste sentido.  

Após isso, o segundo passo é avaliar se existe suspeita de que o sintoma seja relacionado a alguma causa não relacionada ao sistema neurológica. Se houver causa secundária evidente e não houver ataxia, nistagmo ou dismetria, a abordagem segue no sentido da hipótese diagnóstica (por exemplo, vertigem induzida por medicamentos). Por fim, se não houver causa aparente ou o paciente apresentar algum sintoma do sistema vestibular, tenta-se classifica-lo em uma das 3 síndromes vestibulares (
Tabela 1
): 

  • Síndrome vestibular aguda (SVA):
    há quadro de tontura contínua de início súbito, durando dias a semanas, associada a náuseas, vômitos, nistagmo e instabilidade postural, que pioram com movimentos da cabeça. Usualmente o paciente está desconfortável no pronto-socorro, com sintomas mesmo em repouso. 
  • Síndrome vestibular episódica espontânea (SVEe):
    trata-se de episódios recorrentes de tontura / vertigem transitória e que duram minutos a horas. Não há gatilhos claros, mas pioram com movimentos da cabeça durante os ataques. O paciente geralmente está assintomático entre os episódios e durante o atendimento de emergência.  
  • Síndrome vestibular episódica com desencadeante (SVEd):
    ocorre em episódios (como a SVEe) de vertigem de curta duração e que são desencadeados por movimentos específicos da cabeça, como virar na cama ou olhar para cima. No pronto-socorro o paciente tende a estar sem sintomas quando parado, mas eles podem ser facilmente reproduzidos ao provocar o estímulo. 

Vale ressaltar que pacientes com SVEe e SVEd que se apresentam no primeiro episódio no pronto-atendimento e, nestas situações, devem ser avaliados como pacientes com SVA.  

Diferenciando causas periféricas e centrais de SVA
 

Exame clínico 

Os dois principais diagnósticos na SVA são neurite vestibular e AVC isquêmico de fossa posterior. Uma das formas mais simples de identificar pacientes de maior risco de evento no sistema nervoso central é estar atento aos
“D”s de risco: diplopia, disartria, disfagia, disfonia, dismetria e disestesia
. A ausência de fatores de risco cardiovascular não é suficiente para excluir a possibilidade de AVC, mas sua presença aumenta muito a chance deste diagnóstico.  

Como (por definição) pessoas com SVA estão sintomáticas quando estão no pronto-socorro, algumas manobras do exame físico são úteis nesta diferenciação. Uma grande variedade delas já foi avaliada para este fim e, como conclusão geral, todos tem elevada especificidade (sua presença confirma o diagnóstico), mas baixa sensibilidade (sua ausência não exclui o mesmo).   

Destes, um dos achados mais importantes na avaliação da SVA é o nistagmo. Isoladamente a presença ou ausência de nistagmo não ajuda na diferenciação diagnóstica. De outro lado, o nistagmo de doenças centrais apresenta características próprias, como vertical, torcional e com mudança de sentido com a mirada (ou seja, ao olhar para direita, o batimento ocorre para direita; ao olhar para esquerda, para esquerda). A presença de qualquer uma dessas características no nistagmo deve desencadear investigação complementar para AVC de fossa posterior. Pacientes com SVA periférica (neurite vestibular) tem nistagmo unidirecional horizontal, eventualmente com leve movimento torcional, mas que não muda de sentido com alteração da mirada. Aqui vale uma pequena digressão, frequentemente esquecida: classificamos o nistagmo pelo componente rápido do batimento.   

Listamos abaixo outros testes do exame físico neurológico úteis na avaliação de pacientes com SVA: 

  • Teste do desvio do olhar:
    oclue-se de forma alternada e rápida um olho de cada vez. Em casos de doença central, o lado afetado apresenta um desvio vertical ao ser ocluído. Esse fenômeno é percebido ao tirar a oclusão e ver o olho afetado “corrigindo”  olhar.  
  • Ataxia de tronco e alteração de marcha:
    é uma das poucas avaliações realizadas a beira do leito que isoladamente tem sensibilidade moderada (60-70%). Quanto mais grave a alteração postural, maior a especificidade. Pacientes com instabilidade de marcha de grau moderado (desequilíbrio grave ao ficar parado e/ou incapacidade de caminhar sem apoio) ou grave (cai ou não consegue ficar em pé sem apoio) tem sensibilidade de mais de 90% para causa central da SVA. 
  • Ataxia de membro:
    alterações na manobra dedo-nariz, diadococinesia ou qualquer tipo de dismetria tem elevada especificidade para diagnóstico de etiologia central.  

Integrando testes: a abordagem HINTS 

Para além de testes isolados, o HINTS (
head impulse, nystagmus, test of skew
) busca combinar achados para aumentar a sensibilidade – que passa de 90% com este teste. A presença de qualquer um dos 3 testes alterados deve levantar a suspeita de doença do sistema nervoso central e deve desencadear investigação com exame de imagem (ver a seguir). 

No HINTS combina-se a avaliação do nistagmo e teste do desvio do olhar (já descritos acima) com o teste do impulso cefálico. Neste teste solicita-se que o paciente olhe fixamente para frente (nariz do examinador) e realiza-se movimentos passivos lentos e rápidos alternadamente (de 15-20 graus em relação a linha média). O exame sugere doença periférica se há uma "sacada", ou seja, uma correção do olhar com algum atraso após o movimento rápido. De outro lado, a ausência de sacada sugere doença central. Neste exame há um aspecto fundamental, ele só deve ser realizado em pacientes com nistagmo e tontura no momento da avaliação; isso se dá por que em indivíduos sem doença a resposta normal é não ter o movimento de correção. Ou seja, fazer o teste em pessoas sem nistagmo gera-se falsos positivos e investigações desnecessárias.   

Exemplificação e explicação das manobras do teste HINTS podem ser encontradas em vídeos online como esses dois. Os raros casos de falso negativo no teste HINTS são atribuíveis à AVC de artéria cerebelar inferior. Estes casos podem ser "cobertos” no exame adicoinando-se avaliação da audição simples, como teste de esfregar os dedos. Perda auditiva unilateral confirmada pelo paciente como nova no contexto de SVA deve levantar a hipótese de AVC de território posterior. O acréscimo deste teste ao HINTS é chamado de HINTS
plus
.   

Por fim, um aspecto ressaltado em uma recente diretriz sobre o assunto vale ser repetido aqui. Boa parte da acurácia destes achados para diferenciação de causas centrais e periféricas é baseada em avaliações por neurologistas. Alguns estudos empíricos sugerem que a capacidade diagnóstica de emergencistas é menor que de neurologistas. Assim, recomenda-se atenção ao treinamento adequado nas técnicas de exame físico, em especial no HINTS. Recomendamos revisar vídeos de apoio antes de realizar as manobras do exame.  

Exames de imagem: quando e qual solicitar 

É comum a solicitação de tomografia computadorizada (TC) de crânio para pacientes com tontura. Isso provavelmente é atribuível a elevada disponibilidade do exame. Entretanto é um exame com sensibilidade menor que 50% para causas centrais e assim não é útil neste contexto. Pacientes com tontura que são liberados após uma TC de crânio normal e com impressão de doença benigna, tem uma chance 2,3 vezes maior de apresentar AVC do que aqueles em que a TC não é solicitada. Isto indica que, embora o risco de AVC tenha sido corretamente identificado, a TC foi usada de forma indevida para excluí-lo.   

Apenas como exemplo, partindo-se de uma prevalência intermediária de risco de AVC (25%), uma TC negativa reduz essa chance apenas para 19%, longe de suficiente para descartar o diagnóstico. Por outro lado, ressonância magnética tem sensibilidade que variam entre 80-90%, em especial usando protocolos de difusão e se realizada precocemente. Assim,
pacientes com SVA e avaliação clínica que sugira evento periférico (HINTS ou HINTS
plus
negativo), devem ser liberados sem exame de imagem; naqueles que tem alguma alteração sugerindo doença do sistema nervoso central, a avaliação deve ser complementada com ressonância magnética
.  

Integrando tudo
 

Em suma, na avaliação de pacientes que chegam ao pronto-socorro com queixas tontura ou vertigem, deve-se iniciar a avaliação classificando o paciente em uma de três grandes síndromes, de acordo com a cronologia e desencadeantes (
Tabela 1
). Após isso, pacientes com SVA (ou com outras síndromes vertiginosas em seu primeiro episódio) devem ser avaliados atrás de sinais que definam levantem a suspeita de causa central. O exame HINTS (com avaliação de hipoacusia nova) parece ser a melhor abordagem para isso. Caso esta avaliação descarte doença do sistema nervoso central, o paciente pode ser liberado e manejado para neurite vestibular. Se houver suspeita para doença no sistema nervoso central, a avaliação deve ser complementada para a suspeita de AVC isquêmico com ressonância magnética (idealmente com protocolo de difusão).

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