Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS): sintomas, diagnósticos diferenciais e abordagens terapêuticas
A atrofia de múltiplos sistemas (AMS) é uma doença da família das doenças neurodegenerativas, como a
doença de Alzheimer
,
doença de Parkinson
e a
demência por corpúsculos de Lewy
. Por ter sintomas de parkinsonismo e disfunção autonômica é diagnóstico diferencial das duas últimas. Sintomas de disfunção cerebelar e de alterações do sono fazem parte do quadro clássico e se sobrepõem a doença de Parkinson a à demência por corpúsculos de Lewy. Destaca-se que o evento histológico (inclusões de alfa-sinucleína) é semelhante nas três doenças, mas na AMS há a particularidade destas inclusões se encontrarem em células da glia. O local destas inclusões tem relação com o quadro clínico; por exemplo, parkinsonismo é esperado quando há depósito na substância negra ou no estriado.
Trata-se de uma doença rara, com prevalência de 2-5 pessoas a cada 100 mil. Não há preferência por sexo. Apesar de ter distribuição mundial, há a peculiaridade de que populações orientais tem predomínio do subtipo cerebelar, enquanto origem européia há predomínio do subtipo cerebelar. Alguns polimorfismos predisponentes são buscados, mas trata-se de uma doença esporádica e que não tem fatores de risco conhecidos. Vale destacar que o nome atual visa aglomerar algumas condições que eram descritas separadamente, como atrofia olivo-ponto-cerebelar, síndrome de Shy-Drager e degeneração estriatonigral.
Achados clínicos
O quadro da doença é dividido em três grandes grupos de manifestações: motoras, autonômicas e alterações não motoras. Quanto às alterações motoras, apesar de haver sobreposições, os pacientes tendem a ter predominância de manifestações parkinsonianas ou cerebelares.
Os pacientes com manifestações parkinsonianas tem rigidez, bradicinesia, quedas, tremor postural ou de ação; presença de mioclonia, hemibalismo ou coréia na ausência do tratamento dopaminérgico deve alertar para o diagnóstico de AMS. Já pacientes com quadros predominantemente cerebelares tem ataxias de marcha (esqueleto axial) ou de membros (apendicular), disartria atáxica e alterações nos movimentos oculares. Independentemente do predomínio da manifestação motora, alterações na posturais, com posturas distônicas, e na fala (com alterações no volume) são comuns.
Quanto às manifestações autonômicas, se destacam os sintomas urinários, sendo que hesitação urinária, noctúria, urgência e incontinência estão presentes em mais da metade dos pacientes. Estudos urodinâmicos mostram alterações na contratilidade do detrusor e dissinergia entre o detrusor e o esfincter. Além disso, a presença de resíduo pós-miccional é marcador da doença. Quanto a manifestações hemodinâmicas, se destaca a presença de hipotensão ortostática sem taquicardia reflexa. Isso pode ser determinado no exame clínico pela variação da frequência cardíaca dividido pela variação da pressão arterial após ortostatismo: (frequência cardíaca final - inicial) / (pressão arterial final - inicial) < 0,5 sugere hipotensão neurogênica.
Por fim, os sinais e sintomas não motores envolver alterações no sono, disfunção cognitiva, intolerância ao frio e sintomas de humor. A alteração do sono mais clássica é do sono REM, em que o paciente "age" durante os sonhos, com os companheiros relatando movimentos bruscos e amplos durarnte o sono; pode haver também estridor e apneia do sono. Alterações cognitivas não são típicas do quadro e devem levantar a suspeita de diagnósticos alternativos, em especial demência por corpúsculos de Lewy, apesar disso até 20% dos pacientes desenvolvem sintomas demenciais ao longo do quadro. A intolerância ao frio se manifesta com fenômeno de Raynaud. Já sintomas de humor envolvem tanto ansiedade, quanto depressão. Também deve-se estar atento a incontinência emocional (chamadas manifestações pseudobulbares) que pode ser parte do quadro, com choro e risos inapropriados.
Quanto a exames complementares, o principal é a ressonância magnética. Além de identificar diangósticos alternativos, alguns achados são necessários para o diagnóstico estabelecido (ver próxima sessão). Outros exames potencialmente úteis são avaliações da dinâmica urinária e do resíduo pós-miccional, avaliações de função autonômica, cintilografia miocárdica e testagem olfatória.
Diagnóstico
A abertura do quadro de AMS pode ser bastante variada e há um atraso de médio de quase 4 anos entre os primeiros sintomas e o diagnóstico. Os pacientes costumam ser diagnosticados entre os 50 e 60 anos. Pacientes podem procurar diversos profissionais, incluindo não só neurologistas, mas também urologistas, ginecologistas e cardiologistas. Recomenda-se considerar o diagnóstico em adultos com:
- Parkinsonismo e ataxia;
- Disfunção autnômica;
- Tremor de repouso ou ação atípico com mioclonias;
- Disfonia com hipofonia, disartria e espasticidade;
- Antecollis (flexão do pescoço) e síndrome Pisa;
- Distúrbio do sono REM.
Recentemente foram revisados e publicados novos critérios diagnósticos para a doença. Os critérios se dividem em AMS clinicamente estabelecida, clinicamente provável e possível quadro prodrômico, sendo que esta última é uma categoria para ser usada para fins de pesquisa apenas (não devem ser usados na prática clínica). Os critérios estão esquematizados na
Tabelas 1
e
2
.
Tabela 1. Critérios para atrofia de múltiplos sistemas. Ver Tabela 2 para detalhamento dos critérios. Referências 2 e 4.
Tabela 2. Informações de apoio para os critérios diagnósticos para atrofia de múltiplos sistemas. Referências 2 e 4.
Como pode-se observar pelos critérios diagnósticos (e em especial, pelos critérios de exclusão), os principais diagnósticos alternativos para AMS são doença de Parkinson, demência por corpúsculos de Lewy, e outras doenças com parkinsonismo atípico. Isso inclui paralisia supranuclear progressiva e degenerações córtico-basal. Ataxias espinhais e disfunções autonômicas primárias também entram nos diagnósticos diferenciais. Outros potenciais explicações são degeneração cerebelar por álcool, danos paraneoplásicos e doença de Creutzfeldt-Jakob.
Manejo
Assim como ocorre com diversas outras doenças neurodegenerativas, não existe tratamento para evitar progressão do quadro e, assim, o enfoque é no controle de sintomas, apoio para pacientes e familiares e controle de complicações. O prognóstico da doença é pouco favorável, com tempo estimado para comprometimento funcional moderado a grave de aproximadamente 5 anos.
Como o tratamento farmacológico para controle de sintomas motores tem eficácia limitada, tratamento não farmacológico é parte central do tratamento. Fisioterapia é importante para minimizar perda de força muscular, prevenção de quedas e manutenção da mobilidade. Tratamento fonoaudiológico e terapia ocupacional podem auxiliar para manter a capacidade de deglutição e minimizar perdas de funcionalidade, respectivamente.
Os sintomas de parkinsonismo são um desafio particular, uma vez que é parte dos critérios da doença a ausência de resposta com levodopa. Entretanto, alguns pacientes com ASM
clinicamente provável
podem responder ao tratamento com esse fármaco. Doses de pelo menos 1 g ao dia (fracionada em 3-5 administrações) devem ser utilizadas, antes de definir-se que há falha ao tratamento. Além disso, agonistas dopaminérgicos (pramipexol) tendem a piorar sintomas autonômicos e distúrbios do sono, sem clara melhor dos sintomas motores. Para os sintomas de distonia, injeção de toxina botulínica tende a ser a principal terapia farmacológica. Relaxantes musculares e anticolinérgicos podem ser tentados, com atenção à piora dos sintomas autonômicos.
O controle da disfunção autonômica depende do sistema afetado. Para hipotensão ortostática utiliza-se medidas não farmacológicas (como meias elásticas, dormir com cabeceira elevada e aumentar ingesta hídrica), além de considerar o uso de fludrocortisona e piridoxina. Para disfunção vesical, pode-se usar treinamento miccional, mirabegrona ou cloreto de trospio; casos refratários usa-se toxina botulínica.
Para sintomas depressivos e de ansiedade, tanto psicoterapia quanto terapia farmacológica podem ser tentados. Para distúrbio do sono REM, deve-se atentar para segurança ambiental (minimizar acidentes); melatonina e clonazepam são as principais alternativas farmacológicas. A depender dos achados da avaliação do padrão de sono (polissonografia), uso de ventilação não invasiva pode ser considerada.
Por fim, um aspecto muito importante do tratamento é a discussão sobre prognóstico e planejamento terapêutico. Discussão de diretivas antecipadas, responsáveis legais e desejo de vida são fundamentais. Considerando o prognóstico pouco favorável e a ausência de tratamento curativo, não se deve postergar o início de cuidados paliativos.
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