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Crise de abstinência: sintomas e manejo na Atenção Primária

As unidades de Atenção Primária de Saúde são porta de entrada para a população e, por esse motivo, recebem todos os tipos de demandas. Os profissionais que atuam nas Clínicas da Família, Centros Municipais de Saúde e Unidades Básicas de Atendimento precisam estar preparados tecnicamente para reconhecer sinais e sintomas de diversas questões de saúde, inclusive da síndrome de abstinência, que, por ter sintomas parecidos com diversas outras patologias, pode ser confundido, agravando as crises.

A síndrome de abstinência é um conjunto de sinais e sintomas físicos e psíquicos que ocorrem após a interrupção ou diminuição do consumo de uma substância que cause dependência, resultantes de reações orgânicas. As características da síndrome de abstinência variam de acordo com a droga ou substância tirada, o estado de saúde do usuário e o tempo e padrão de uso.

Os sinais e sintomas aparecem de seis horas a quatro dias após a interrupção do uso e em geral, são eles: agitação psicomotora, ansiedade, alterações de humor, confusão mental, tremores, náuseas, vômitos, taquicardia, hipertensão arterial, hipertermia e sudorese.

Síndrome de Abstinência Alcóolica (SAA)

Estudos relatam o aparecimento dos sinais e sintomas leves a moderados nas primeiras 24 horas após a última dose de álcool ingerida pelo usuário. Esse tipo de sintoma instala-se em cerca de 90% dos casos e cursa com:

  • agitação psicomotora;
  • ansiedade;
  • tremores;
  • sudorese;
  • náuseas;
  • vômitos;
  • cefaleia;
  • aumento da frequência cardíaca, pulso e temperatura (o aumento da temperatura pode ser de até 2ºC).

Ainda apresentam alterações no apetite, sono, humor e relacionamento interpessoal, como, por exemplo, alteração no estilo habitual de se relacionar, dificuldade na comunicação e, dificuldade em se responsabilizar pelos seus atos, levando a irritabilidade e angústia. Não apresenta complicações ou comorbidades clínicas ou psiquiátricas graves.

Quando não assistidos nessa fase, os sinais e sintomas da SAA podem evoluir para complicações mais graves, sendo elas:

  • convulsões;
  • Delirium Tremens (DT);
  • síndrome de WernickeKorsakoff (SWK);
  • e síndrome de Marchiava Bignami.

Essas complicações ainda podem ser acompanhadas de todos os sinais e sintomas da SAA leve a moderada.

Em ordem de prevalência e tempo, após a suspensão abrupta do consumo de álcool, acontecem as convulsões (geralmente tônico-clônicas) generalizadas, com incidência, nas primeiras 48 horas após a interrupção do uso em cerca de 40% dos casos. Estas podem complicar-se para o DT em cerca de 3% das pessoas. O DT, estado confusional breve que inicia em um a quatro dias após a interrupção do uso do álcool, pode durar, em média, 10 a 12 dias. É uma das complicações mais graves da SAA.

Os fatores que influenciam o aparecimento e a evolução desses agravos são múltiplos, como, por exemplo, gênero, padrão de consumo de álcool, características biológicas e psicológicas de cada indivíduo, vulnerabilidade genética, fatores socioculturais, entre outros.

As convulsões estão associadas à gravidade e à duração da SAA, atingindo cerca de 8% dos usuários. Já o DT acomete 5% das pessoas que relatam a SAA com frequência, independentemente do nível de gravidade.

Devido às complicações físicas e psíquicas do DT, este pode ser considerado o dano mais grave decorrente da SAA, cujas taxas de mortalidade variam entre 5 e 15% dos usuários.

Já a SWK é uma complicação de longo prazo, constituída por um conjunto de sinais e sintomas neuropsiquiátricos decorrentes de deficiência nutricional grave em tiamina (vitamina B1). Não é facilmente diagnosticada, porém, afeta diretamente a funcionalidade das pessoas e, se não tratada corretamente, pode evoluir para estupor e coma.

Manejo

  • Acolhimento:
    anamnese e exame físico — identificar sinais e sintomas de SAA;
  • Rastreio:
    avaliar a fase da SAA em que se encontra o usuário (leve, moderada ou grave) e qual a necessidade de cuidados (especializados, intensivos);
  • Intervenções
    : hidratação, ambiente calmo, diminuição de sons, informar usuário e/ou familiares, administrar Tiamina 300mg e Dizepam 20mg a 30mg por dia (se necessário), conforme protocolo da unidade. Implementar os cuidados de enfermagem necessários para cada caso;
  • Encaminhamento:
    transferir para a atenção hospitalar os casos moderados e graves que precisem de internação clínica. Nos casos leves, após as intervenções necessárias, garantir acompanhamento e encaminhamento adequado aos serviços da rede de atenção especializada (Caps AD) para continuidade do tratamento e, se for necessário, observação por tempo maior, encaminhar para o acolhimento noturno dos Caps Ad III.

Síndrome de Abstinência por Nicotina

Estima-se que aproximadamente um terço da população brasileira adulta fume, sendo aproximadamente 11 milhões de mulheres e 16 milhões de homens. O maior número de fumantes está concentrado na faixa etária dos 20 aos 49 anos.

Além da fissura pelo tabaco, a síndrome de abstinência à nicotina inclui:

  • bradicardia;
  • desconforto gastrintestinal;
  • aumento do apetite;
  • ganho de peso;
  • dificuldade de concentração;
  • ansiedade;
  • disforia;
  • depressão;
  • e insônia.

Um dos principais sintomas relacionados à síndrome de abstinência de várias drogas é a diminuição do interesse (ou do prazer) a estímulos recompensadores (anedonia). Anedonia é também uma das principais características da depressão.

Várias observações apontam a depressão como um componente importante da síndrome de abstinência ao tabaco, mesmo em indivíduos sem história prévia de depressão. A presença de ansiedade também é uma característica da síndrome de abstinência à nicotina. Os sintomas costumam aparecer de 1 a 4 semanas após a interrupção do uso.

A interrupção do uso de cigarro normalmente é feita com acompanhamento médico, incluindo produtos com reposição de nicotina (para diminuição gradual da substância no organismo), psicoterapia (onde serão construídas ferramentas substititutivas para os momentos de fissura, como chupar gelo, comer algo doce, entre outros) e, em casos de crises mais fortes de abstinência, pode ser indicado o uso de benzodiazepínicos prescritos pelo médico.

Síndrome de Abstinência por Cocaína e
Crack

A cocaína e o crack são consumidos por 0,3% da população mundial. No Brasil, nas salas de emergência, a cocaína é responsável por 30% a 40% das admissões relacionadas a drogas ilícitas, 10% entre todos os tipos de drogas e 0,5% das admissões totais. A população de usuários é extremamente jovem, variando dos 15 aos 45 anos, com predomínio da faixa etária dos 20 aos 30 anos.

A cocaína e o
crack
são estimulantes do SNC e, por isso, seu consumo provoca aceleração da velocidade do pensamento, inquietação psicomotora (dificuldade para permanecer parado, até quadros mais sérios de agitação), aumento do estado de alerta e inibição do apetite.

É comum o usuário relatar sensações de euforia e grandeza, lhe proporcionando grande energia. Já quando o efeito cessa, o relato mais comum é a sensação de tristeza, melancolia profunda e desesperança, o que acaba contribuindo para a recorrência do uso em um curto espaço de tempo.

Os efeitos comportamentais da cocaína são sentidos quase imediatamente e duram um tempo relativamente breve (30 a 60 minutos). Assim, os usuários necessitam de doses repetidas da droga para manter a sensação de intoxicação. Apesar dos efeitos comportamentais rápidos, os metabólitos da cocaína podem estar presentes no sangue e na urina por até 10 dias.

O
crack
é o cloridrato de cocaína processado com outras substâncias em forma de "pedras" que podem ser fumadas. Após a cachimbada, o início da ação da cocaína (
high
) acontece quase instantaneamente — em 5 a 10 segundos —, estimulando o sistema nervoso central, havendo o bloqueio da recaptação de dopamina, serotonina e noradrenalina nas sinapses.

No entanto, esses efeitos estimulantes se dissipam rapidamente — em 5 a 10 minutos -—, e o usuário passa à intensa depressão do sistema nervoso central. Nesse momento, dominado pela ansiedade e pelo
craving
(fissura), o usuário é levado à compulsão por uma nova dose. O potencial de abuso e de dependência é bem mais elevado na via pulmonar de administração da cocaína do que em outras vias (oral, nasal, intravenosa), pois a ação da droga é mais intensa e, ao mesmo tempo, possui uma reduzida duração.

A maior fonte de procura de usuários de cocaína e crack por serviços de saúde é decorrente de complicações psiquiátricas, que podem ser causadas tanto por intoxicação aguda como por sintomas de abstinência.

Quadros agudos de pânico, humor depressivo e de episódios psicóticos são os mais relatados pelos usuário e, geralmente, o encaminhamento se dá a partir de um familiar ou rede de apoio do usuário. Os principais sinais e sintomas são disforia (irritação), ansiedade, agitação, heteroagressividade, sintomas paranoides e alucinações. O prognóstico dos indivíduos portadores de comorbidades psiquiátricas é mais comprometido e aumenta a chance da procura de atendimento médico.

No caso do
crack
, tanto na fase de abstinência como na de intoxicação aguda, não é incomum os usuários experimentarem delírios paranoides persecutórios, o que, na gíria entre os usuários, se chama ‘noia’. A desintegração pessoal gerada pelo consumo do crack é evidente, sendo frequente a falta de cuidados pessoais, de higiene, má alimentação e condições precárias de moradia.

A síndrome de abstinência da cocaína e do crack é mais frequente em usuários crônicos, o que não descarta sua ocorrência naqueles usuários ocasionais, principalmente quando este é feito em um curto espaço de tempo. A síndrome de abstinência é composta por três fases:

  • Fase I - Crash
    : significa uma drástica redução no humor e na energia. Instala-se cerca de 15-30 minutos após cessado o uso da droga, persistindo por cerca de 8 horas, e podendo estender-se por até 4 dias. O usuário pode sentir depressão, ansiedade, paranoia e um intenso desejo de voltar a usar a droga, o craving ou fissura. Instala-se a hipersonia, aversão ao uso de mais cocaína, e o indivíduo desperta em algumas ocasiões para ingerir alimentos em grande quantidade. Essa última parte pode durar de 8 horas até 4 dias.
  • Fase II - Síndrome Disfórica Tardia
    : inicia de 12 a 96 horas depois de cessado o uso e pode durar de duas a 12 semanas. Nos primeiros quatro dias, há presença de sonolência e de desejo pelo consumo da droga, anedonia, irritabilidade, problemas de memória e ideação suicida. Ocorrem recaídas frequentes, como forma de tentar aliviar os sintomas disfóricos.
  • Fase III - Fase de extinção
    : os sintomas disfóricos diminuem ou cessam por completo, e o craving torna-se intermitente.

Manejo

Algumas medidas, como medicar os sintomas apresentados, dar suporte clínico e tranquilizar o paciente com abordagens voltadas para a realidade, que demonstrem segurança profissional, são as melhores condutas iniciais no que se refere aos sintomas psiquiátricos relacionados à dependência de cocaína e do crack.

Quadros de inquietação de natureza ansiosa respondem bem à administração de benzodiazepínicos por via oral. Um comprimido de diazepam 10mg ou clordiazepóxido 25mg pode ser eficaz. Casos de extrema agitação podem requerer a administração de benzodiazepínicos mais sedativos pela via intramuscular (midazolam 15mg).

A presença de sintomas psicóticos (delírios paranoides, alucinações) pode desaparecer espontaneamente após algumas horas (ao final da ação da cocaína). Agitações extremas, decorrentes desses sintomas, podem necessitar de sedação. Os benzodiazepínicos intramusculares (midazolam 15mg) são os mais indicados. O haloperidol 5mg também pode ser utilizado nessas ocasiões. Neurolépticos fenotiazínicos, tais como a clorpromazina e a levomepromazina, devem ser evitados, pela redução significativa que provocam no limiar de convulsão.

Passados os efeitos agudos da abstinência, espera-se uma melhora do quadro dos sintomas inerentes a esta fase, facilitando a inserção de estratégias que visem à mudança e reestruturação comportamental e emocional do usuário. Apesar de não existir uma abordagem específica para o tratamento da dependência da cocaína e do crack, as abordagens mais comumente usadas são a Redução de Danos, Entrevista Motivacional e a Prevenção de Recaída.

Diante do exposto, é possível dizer que é essencial um olhar mais atento de toda a equipe de saúde para as síndromes de abstinência e suas complicações. Portanto, os profissionais precisam estar preparados para identificar seus sinais e sintomas, intervir nessa condição clínica, reconhecer o melhor serviço de saúde indicado para tal manejo e prevenir os agravos.

Como parte essencial das equipes de saúde em todos os níveis de atenção, destaca-se a importância da equipe de enfermagem para atuar diante das crises, visto que provavelmente serão os profissionais que realizarão o primeiro contato com os usuários, podendo, assim, orientar as ações de cuidado nos serviços.

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