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Diretriz de Perioperatório da American Heart Association (AHA): as novidades de 2024

Estima-se que sejam feitas mais de 300 milhões de cirurgias a cada ano no mundo e 85% destas são cirurgias não cardíacas. Com o envelhecimento populacional, elas tem sido realizadas em pessoas com maior número de doenças e maior risco de complicações e morte. Dentre as complicações possíveis no período perioperatório, as cardiovasculares são as principais e mais graves. Até 45% das pessoas com > 45 anos que realizam cirurgias tem múltiplos fatores de risco cardiovasculares.

Em suma, na preparação de para um procedimento cirúrgico (seja eletivo, seja urgência), deve haver uma revisão da chance de complicações cardiovasculares e, quando pertinente e possível, investigações e manejo específico deve ser realizado para minimizar o risco.   

É baseado neste racional de avaliação e minimização de riscos que a diretriz da AHA de perioperatório é escrita. Ela foca principalmente em pacientes adultos de risco elevado de complicações cardiovasculares e é uma atualização do
guideline
de 2014.

Antes de entrarmos nas principais e novas recomendações, duas questões centrais do perioperatório merecem ser relembradas e reforçadas (e estão claramente apresentadas introdução da diretriz da AHA): a primeira é que
o periodo perioperatório é um momento de cuidado multiprofissional em essência
. Cirurgião, anestesista, clínico (seja o médico da atenção primária, o hospitalista, intensivista ou cardiologista) precisam interagir da forma mais harmoniosa possível para o bem do paciente. Para isso,
comunicação efetiva (preferencialmente presencial) e constante é a base
. E a segunda questão é que a base de toda avaliação é a entrevista e exame físico, com cuidado especial para história médica pregressa.   

Os principais pontos de novidade (e que exploraremos a seguir) nesta diretriz são: 

  • Usar uma abordagem sistemática de avaliação de risco cardiovascular e, dentro desta abordagem, o uso de exames de
    stress
    (para investigação de cardiopatia isquêmica) deve ser altamente seletiva. Esta abordagem está resumida na
    Figura 1
  • Monitorar a ocorrência de dano do miocárdio relacionado a cirurgia não cardíaca (MINS) em pacientes de risco elevado com bioamarcadores. 

Figura 1.
Fluxograma para decisão de realização de investigação cardíaca  complementar no pré-operatório. Extraído de 1. 

Avaliação de risco cardiovascular pré-operatória
  

A
Figura 1
resume a proposta da AHA de avaliação pré-operatória. Nesta abordagem se destaca que os primeiros passos da avaliação são definir se o paciente possui algum fator de risco, sintoma ou diagnóstico de doença cardiovascular e a urgência do procedimento. Ou seja, deve-se realizar a cirurgia sem avaliações adicionais para situações de urgência e para pessoas sem qualquer suspeita de doença cardiológica.

De outro lado, indivíduos com condições cardíacas agudas (infarto agudo, arritmia instável, insuficiência cardíaca descompensada) deve-se realizar o manejo da doença cardiológica e avaliar outras possibilidades, como procedimento não-invasivo, tratamento paliativo, conservador ou mesmo postergar o procedimento. Como já discutido, aqui o manejo integrado entre diferentes profissionais ganha muita importância.  

Excluídas estas situações específicas (cirurgias de urgência, pacientes de baixo risco e eventos cardíacos agudos), deve-se avaliar o risco de o paciente apresentar alguma complicação no pós-operatório. Neste ponto deve-se considerar dois aspectos: o primeiro é calcular o risco de eventos com algum escore de risco validado e o segundo é revisar se o paciente tem algum modificador de risco para a cirurgia (como fragilidade em idosos, doença cardíaca prévia, uso de dispositivos cardíacos, entre outros). Quanto ao escore de risco, existem diversas opções, como o RCRI e o NSQIP; neste ponto vale lembrar que existe um escore brasileiro, chamado Ex-CARE.  

A partir desta avaliação, pacientes de baixo risco podem realizar o procedimento cirúrgico, enquanto os demais pacientes devem receber manejo específico para a sua doença, revisar necessidade de ajustes de tratamento, realizar um eletrocardiograma de repouso e considerar avaliações adicionais. Aqui, uma outra novidade é utilizar biomarcadores (troponina ultrassensível e/ou BNP) como uma forma de estratificação de risco.   

O principal ponto neste grupo de pacientes é que deve-se avaliar o quanto exames adicionais tem potencial de impactar manejo e investigação. Em outras palavras, aqui há uma varidade de situações que devem ser avaliadas individualmente.

Por exemplo, mesmo em um paciente de maior risco cirúrgico, se ele já estiver com tratamento clínico otimizado e for candidato a uma cirurgia tempo-sensível (tratamento de uma neoplasia agressiva), investigação adicional não deverá ser organizada. Novamente, aqui retornamos a importância de comunicação efetiva entre cirurgião, anestesista e clínico.   

Dentro disto, as duas principais recomendações quanto a exames de
stress
cardíaco são: 

  1. Realizar
    para pacientes realizado cirurgias de alto risco, com capacidade funcional baixa ou não avaliável e alto risco de eventos cardiovasculares avaliado por alguma calculadora de risco. A diretriz não especifica qual o exame de eleição nesta situação, recomenda ajustar a seleção de acordo com fatores do paciente.  
  2. Não realizar
    em pacientes com baixo risco de eventos cardiovasculares, que tem capacidade funcional adequada (conseguem realizar pelo menos 4 METS sem sintomas) ou que irão realizar procedimentos de baixo risco.   

Dano do miocárdio relacionado a cirurgia não cardíaca
 

Esta nova diretriz reconhece formalmente a presença de um tipo específico de dano miocardico, chamado de MINS. A definição inclui infartos do tipo 1 e 2 e ele está associado com maior risco de morte – até 10% em 30 dias (sendo maior, quanto maior o pico de troponina).   

Como apresentado na
Figura 2
, o diagnóstico se dá na presença de elevação de troponina presumivelmente de etiologia isquêmica e exclusão de IAM com e sem supra, bem como de causas alternativas para o dano cardíaco (p.ex. elevação de troponina secundária à sepse).   

Figura 2.
Diagnóstico de dano do miocárdio relacionado a cirurgia não cardíaca (MINS). Extraído da referência 1. 

Com isso, há associada uma recomendação de maior atenção a esta condição e de monitorar dano no período perioperatório com o uso de troponina. Esta recomendação já aparecia em outras diretrizes (como do Canadá e da Europa) e era aguardada na da AHA. Em suma, agora recomenda-se dosar troponina em pacientes com doença cardiovascular conhecida, com sintomas ou com com fatore de risco cardiovascular e mais de 65 anos que serão submetidos a cirurgias de alto risco em 24 e 48 horas no pós-operatório para identificar dano cardíaco. Por outro lado, dosagem de troponina em pacientes submetidos a procedimentos de baixo risco não deve ser realizado como rotina.  

Para além do monitoramento de NIMS, seu manejo ainda é incerto e espera-se que pesquisas futuras elucidem o melhor cuidado a ser ofertado para esta condição. Apesar disso, algumas recomendações foram realizadas, a saber: 

  • Seguimento ambulatorial é recomendado para otimizar os fatores de risco cardiovascular; 
  • Apesar de não haver estudos específicos, considerando-se o mecanismo do dano do miocárdio, recomenda-se uso de terapia antitrombótica como prevenção secundária para evitar o risco de novos eventos.   

Outras recomendações
 

Além dos dois pontos de destaque que nos aprofundamentos, outras novidades merecem atenção, como:  

  • Suspender uso de inibidores da SGLT-2 entre 3 e 4 dias antes do procedimento e ponte de anticoagulação deve ser realizada em uma minoria de pacientes (apenas naqueles com risco muito elevado de eventos tromboembólicos); 
  • Realizar monitorização intraoperatória com ecocardiografia (seja formal, seja exame focado - FoCUS) em pacientes com instabilidade hemodinâmica; 
  • Manejar pacientes com novos diagnósticos de fibrilação atrial e fazer seguimento deles; 
  • Lembrar de reiniciar anticoagulação oral no periódo pós-operatório – tão cedo quando a situação clínico-cirúrgica permitir. Ponte de anticoagulação na maior parte das vezes não deve ser realizada, sendo reservada para pacientes de mais alto risco de eventos embólicos.  

Por fim, é importante apontar que trata-se de uma diretriz extensa e bastante detalhista. Traz várias outras recomendações e sugestões de manejo práticas, como cuidado de hipertensão no perioperatório, abordagem de pacientes com valvulopatias e com dispositivos cardíacos (marcapasso e desfibrilador implatável), entre outros. Para situações específicas, leitura de tópicos específicos dela é muito útil.  

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