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Doenças psicossomáticas: o que são e como se desenvolvem?

As doenças psicossomáticas ocupam um lugar central na interface entre psicologia e medicina, evidenciando a relação complexa entre corpo e mente. Essa categoria de distúrbios desafia o tradicional modelo biomédico, que frequentemente divide os aspectos físicos e psicológicos, deixando de lado as nuances da interação entre ambos (Fava & Sonino, 2008).

Para psicólogos, a compreensão dessas doenças amplia a capacidade de intervenção e o entendimento de como processos psíquicos podem somatizar-se no corpo (Wright,
et al.
, 2020). Neste artigo, exploraremos o conceito de doenças psicossomáticas, suas manifestações e os processos subjacentes ao seu desenvolvimento. 

O que são doenças psicossomáticas?
 

As doenças psicossomáticas são condições nas quais os fatores psicológicos desempenham um papel central na manifestação de sintomas físicos. Diferentemente de condições estritamente somáticas, como fraturas ou infecções, as
doenças psicossomáticas emergem de uma complexa interação entre fatores emocionais e físicos
. Isso não significa que os sintomas sejam “imaginários” ou meramente psicogênicos; ao contrário, esses sintomas físicos são reais, mas estão profundamente relacionados a estados psíquicos (Rief & Broadbent, 2007). 

Algumas das condições mais frequentemente associadas aos componentes psicossomáticos incluem: 

  • Síndrome do intestino irritável (SII):
    Distúrbios intestinais crônicos que, muitas vezes, são exacerbados por estresse ou ansiedade (Van Oudenhove,
    et al.
    , 2010). 
  • Fibromialgia:
    Um distúrbio caracterizado por dor generalizada e hipersensibilidade, frequentemente associado a distúrbios do humor, como depressão e ansiedade (Juruena, 2014). 
  • Enxaquecas:
    Cefaleias que podem ser desencadeadas ou agravadas por estados emocionais alterados, geralmente ligadas ao estresse e à fadiga (Martin,
    et al.
    , 2021). 
  • Doenças de pele, como psoríase e eczema:
    Apesar de serem doenças dermatológicas, costumam ser intensificadas por episódios de estresse, picos de ansiedade, crises de pânico e demais dificuldades emocionais (Picardi,
    et al.
    , 2013). 

O diagnóstico dessas condições pode ser desafiador, pois, muitas vezes, o paciente passa por uma série de exames médicos que não revelam anormalidades estruturais ou funcionais que justifiquem seus sintomas, o que tende a levar à frustração tanto do paciente quanto, frequentemente, dos profissionais de saúde envolvidos no tratamento dos sintomas físicos aparentes.  

Como as doenças psicossomáticas se desenvolvem?
 

As doenças psicossomáticas se desenvolvem a partir de uma interação complexa entre fatores emocionais, psicológicos e biológicos. A resposta ao estresse crônico é um dos principais gatilhos para o aparecimento e agravamento dos sintomas (Chrousos, 2009). É importante ressaltar que esse
estado de estresse contínuo pode resultar em sintomas físicos mesmo na ausência de causas orgânicas aparentes.
 

Além disso, processos como a somatização podem ocorrer também quando o paciente não consegue reconhecer ou expressar adequadamente seus conflitos emocionais, fazendo com que o sofrimento se manifeste em sintomas corporais. Características da personalidade de cada indivíduo, como dificuldade em impor limites, problemas para expressar o que está pensando ou sentindo, rigidez comportamental ou falta de flexibilidade para lidar com questões que fogem do planejado são fatores que podem predispor o indivíduo a somatização. Assim, o corpo acaba por "falar" aquilo que a mente não consegue processar conscientemente, criando um ciclo vicioso entre o emocional e o físico, no qual os problemas psicológicos manifestam, ou agravam, sintomas físicos que, consequentemente, piorarão o estado emocional do indivíduo. 

1. O papel do estresse crônico
 

O estresse é um dos principais fatores etiológicos das doenças psicossomáticas. O corpo humano está programado para lidar com estressores agudos por meio da ativação do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA), que leva à liberação de hormônios do estresse, como o cortisol. Em condições normais, essa resposta é adaptativa e ajuda o corpo a enfrentar desafios de curto prazo. No entanto, quando o estresse se torna crônico, o constante estado de ativação do eixo HPA começa a ter efeitos danosos sobre o organismo. 

Estudos (Chrousos, 2009; Christian et al., 2012; Li et al., 2023) mostram que o estresse crônico pode levar à imunossupressão, aumentando a suscetibilidade a infecções e retardando a recuperação de doenças. Além disso, ele contribui para o desenvolvimento de condições inflamatórias, como as doenças autoimunes, onde o sistema imunológico ataca os próprios tecidos do corpo. Além disso, em pacientes com predisposição genética, o estresse pode ser o gatilho que inicia o processo de doença ou agrava condições preexistentes. 

2. A somatização como mecanismo de defesa
 

A somatização nada mais é do que um processo psíquico pelo qual o sofrimento, geralmente emocional ou psicológico, se manifesta através de sintomas físicos. Muitos pacientes que sofrem de doenças psicossomáticas são incapazes de expressar suas emoções diretamente, seja por dificuldades cognitivas, barreiras culturais, estigmas em torno da saúde mental ou outra dificuldade que o impeça de se expressar de forma adequada. Nesses casos, por não ter para onde ir, o corpo se torna o “lugar” para o qual o sofrimento psíquico é canalizado. Queixas de dor difusa, fadiga extrema ou disfunções gastrointestinais, por exemplo, podem representar uma manifestação biológica do sofrimento emocional que o paciente não consegue nomear ou processar (Rief & Broadbent, 2007). 

Dentro desse contexto, o trabalho do psicólogo é essencial na ajuda ao paciente para identificar e nomear as próprias emoções. Em muitos casos, na raiz do problema, encontram-se traumas passados, perdas significativas ou medos inconscientes. A psicoterapia, dessa forma, pode oferecer um espaço seguro para que essas emoções reprimidas sejam trabalhadas (Wright et al., 2020). 

3. O contexto social e familiar
 

Não podemos ignorar o papel das interações sociais e familiares no desenvolvimento das doenças psicossomáticas. Fatores como relações interpessoais disfuncionais, conflitos familiares não resolvidos ou experiências traumáticas podem contribuir para o desenvolvimento dessas condições. Famílias em que o diálogo emocional é escasso ou nas quais o sofrimento é minimizado tendem a criar um ambiente propício à somatização, já que os indivíduos não encontram espaço para conversar sobre o que pensam ou sentem. Estudos sugerem que indivíduos que crescem em ambientes com pouca expressão emocional têm maior tendência a desenvolver doenças psicossomáticas (Fava & Sonino, 2008; Picardi, et al., 2013). O corpo, nesses casos, se torna o meio pelo qual o indivíduo “comunica” seu sofrimento.   

Conclusão
 

A compreensão das doenças psicossomáticas como resultado da interação entre mente e corpo é fundamental para a prática clínica de profissionais da saúde, especialmente para os psicólogos. Como vimos, o estresse, em especial, desempenha um papel importante no desenvolvimento dessas condições, pois é capaz de desencadear uma série de reações fisiológicas que podem resultar em supressão imunológica e na manifestação de sintomas físicos sem uma causa orgânica identificável.  

O entendimento de que fatores emocionais e psicológicos podem influenciar diretamente a saúde física nos leva a reforçar a necessidade de práticas terapêuticas que integrem corpo e mente. O manejo adequado dessas condições exige não apenas intervenções médicas, mas também acompanhamento psicoterapêutico, já que, como vimos, o tratamento de distúrbios psicossomáticos requer não apenas o manejo dos sintomas físicos, mas também estratégias para reduzir o estresse e promover melhorias na saúde mental. A prática clínica voltada ao tratamento das doenças psicossomáticas exige a colaboração entre profissionais de saúde, além de uma abordagem terapêutica que valorize o reconhecimento das próprias das emoções, proporcionando ao paciente uma melhor qualidade de vida. 

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Autores

  • Lucas Lotério
     

Mestrando pelo programa de Psicologia em Saúde e Desenvolvimento da FFCLRP-USP, pesquisando na área de Psicologia Hospitalar os temas de transplante de células-tronco hematopoéticas, qualidade de vida e doenças hematológicas. Possui graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo (2014).   

  • Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
     

Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Universidade de São Paulo (USP).