TDAH e autismo: diferenças, semelhanças e desafios no diagnóstico

O diagnóstico preciso do Transtorno do Espectro Autista (TEA) e do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é fundamental no contexto clínico, pois afeta diretamente a qualidade de vida do paciente e de sua família. Esses transtornos podem se manifestar de várias maneiras, o que torna a identificação e o reconhecimento mais desafiadores.
Diferenças entre TDAH e TEA
Saber diferenciar esses transtornos é fundamental para o diagnóstico diferencial. No TEA, os déficits de interação social e comunicação, bem como os padrões de comportamento, interesse e atividades restritos e repetitivos, são evidentes já na primeira infância. Além disso, há sintomas sensoriais, como hipersensibilidade ou hipossensibilidade a estímulos auditivos, visuais ou táteis, prejudicando a interação com o meio (APA, 2023).
No TDAH, a procrastinação, a labilidade motivacional, a dificuldade em focalizar e sustentar a atenção, a dificuldade de alternância entre tarefas, a velocidade de processamento e o prejuízo na memória de trabalho impactam na realização das tarefas cotidianas. A cognição social manifesta-se com padrões diferenciados: no TDAH, a comunicação é prejudicada pela baixa decodificação das mensagens e pela perda de conteúdo, demonstrando um perfil mais ingênuo. Já no TEA, a dificuldade está em compreender o outro como parceiro de comunicação, o que impossibilita o diálogo (APA, 2023).
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Semelhanças entre TDAH e TEA
O TEA e o TDAH podem compartilhar muitos sintomas, o que pode acarretar demora ou equívocos no diagnóstico. Por exemplo, no TEA, o déficit de atenção está relacionado a interesses restritos, enquanto, no TDAH, a desatenção está relacionada à dificuldade em manter o foco (Antshel & Russo, 2019). Os problemas comportamentais no TEA podem estar ligados aos padrões de rigidez e à falta de flexibilidade. No TDAH, essas alterações estão relacionadas à dificuldade de inibir comportamentos inadequados e à impulsividade.
Ambos cursam com prejuízos significativos em habilidades sociais. No TDAH, as dificuldades estão ligadas à impulsividade e desatenção; no TEA, podem ser explicadas por dificuldades na percepção de pistas sociais e na cognição social. Também são observadas dificuldades na comunicação. No TEA, isso pode se manifestar como atraso na linguagem ou uso inadequado da linguagem (ecolalia). No TDAH, pode haver dificuldades em organizar pensamentos ou manter o foco na conversa (Friedman, 2019).
Indivíduos com TDAH frequentemente interrompem os outros e têm dificuldade em esperar a vez. Em alguns casos, pessoas com TEA também podem interromper, mas isso se deve, muitas vezes, à dificuldade em entender normas sociais de conversação (como a troca de turnos e déficits em cognição social). Além disso, ambos podem ter dificuldades em entender nuances da comunicação social, como expressões faciais ou tons de voz, mas por razões distintas (Silva, 2020). No TEA, isso está mais relacionado à teoria da mente; no TDAH, à desatenção.
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Desafios no diagnóstico
Um dos principais desafios no diagnóstico diferencial entre TEA e TDAH é a significativa sobreposição sintomatológica observada na prática clínica, apesar de seus critérios diagnósticos serem distintos nos sistemas de classificação (Antshel & Russo, 2019). Essa convergência pode comprometer a acurácia diagnóstica, especialmente em apresentações sutis ou em casos de comorbidades. Nos casos de TEA/TDAH, a presença ou ausência de comportamentos restritivos e repetitivos, bem como de interesses atípicos, constitui um critério diferencial relevante entre os dois transtornos (APA, 2023).
A complexidade desses transtornos — que abarcam domínios neurológicos, cognitivos, comportamentais e socioemocionais — demanda uma abordagem multidisciplinar. De acordo com o DSM-5-TR (APA, 2023), o processo avaliativo deve integrar:
- Avaliação clínica baseada em critérios diagnósticos;
- Investigação sistemática da frequência, duração e pervasividade dos sintomas em múltiplos contextos.
Os protocolos devem incluir entrevistas com pais ou cuidadores, aplicação de inventários e questionários complementares que permitam um levantamento abrangente de informações sobre o paciente. Trata-se de uma investigação que ultrapassa as queixas principais (Carreiro et al., 2014).
O processo diagnóstico consiste em uma série de procedimentos integrados realizados por uma equipe multiprofissional, iniciando-se com avaliações psicológicas e neuropsicológicas conduzidas por especialistas qualificados. Esses profissionais utilizam métodos como observação clínica sistemática, entrevistas de anamnese aprofundadas e aplicação de testes psicológicos padronizados para traçar um perfil completo do funcionamento cognitivo e comportamental do indivíduo. O objetivo desse processo abrangente é compreender profundamente as particularidades do funcionamento cognitivo, identificar dificuldades e potencialidades e fornecer subsídios para intervenções personalizadas que promovam o desenvolvimento integral do indivíduo (Wagner et al., 2016).
A identificação do TEA, do TDAH e de comorbidades frequentes permite um planejamento de intervenções mais preciso e individualizado. Como destacam Craig et al. (2020), a abordagem multidisciplinar contribui para reduzir diagnósticos inconclusivos ou equivocados, especialmente em casos com perfis clínicos complexos.
Conclusão
Em síntese, as semelhanças entre TEA e TDAH podem gerar diagnósticos equivocados ou tardios. Nesse sentido, é essencial que a avaliação seja realizada de forma interdisciplinar. A compreensão clara das características específicas de ambos os transtornos é fundamental para garantir intervenções eficazes e adequadas às necessidades de cada indivíduo.
Como citar este artigo: Augusto, J. A., Santos, M. C. C., Fornasari, R. C. C. V., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (Abr., 2025).TDAH e autismo: diferenças, semelhanças e desafios no diagnóstico.Blog da Artmed.
Autoras
- Janaína Aparecida de Oliveira Augusto
Doutoranda em Ciências do Desenvolvimento Humano pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Especialista em Neuropsicologia pelo CRP e Unicamp; Especialista em Reabilitação Cognitiva pela USP; Graduação em psicologia pela Universidade São Francisco
- Marcela Cristina Camargos dos Santos
Mestre e doutoranda em Ciências do Desenvolvimento Humano pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Graduação em Pedagogia, especialização em Psicopedagogia e neuropsicologia aplicada à neurologia infantil. Pesquisadora do grupo de Neuropsicologia infantil.
- Rita de Cássia Coutinho Vieira Fornasari
Fonoaudióloga pela Puccamp, Especialização em Fonoaudiologia Clínica- CEFAC, Especialização em Neuropsicologia Infantil aplicada à Neurologia Infantil pela Unicamp; Fonoaudióloga do Ambulatório DISAPRE/ UNICAMP; Supervisora da área da Fonoaudiologia na NeuroInclusiva.
- Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC) da Universidade de São Paulo (USP). Membro associada à Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC).
- Editora-chefe:Carmem Beatriz Neufeld.
Psicóloga. Livre docente em TCC pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora e Mestra em Psicologia pela PUCRS. Fundadora e Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Federação Latino Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO (2019-2022). Presidente-fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023). Bolsista Produtividade do CNPq.