Ao mesmo tempo em que sobrecarrega hospitais públicos e privados, a pandemia da Covid-19 reduz o fluxo de atendimentos em pequenas clínicas e consultórios de médicos autônomos. Com a incerteza quanto ao tempo necessário de isolamento social, é impossível estimar uma data para a normalização das atividades da medicina preventiva e interna.

No médio e longo prazo, a manutenção da baixa demanda por esses serviços pode levar ao fechamento de negócios de saúde em diversos segmentos. O Instituto do Coração de São Paulo (InCor), por exemplo, registrou queda de 45% na procura de atendimentos desde março, começo da pandemia, em relação ao mesmo período do ano passado.

Em entrevista ao Correio Braziliense, o secretário-executivo da Confederação Nacional da Saúde (CNSaúde), Bruno Sobral, disse que a queda dos serviços de oncologia na rede hospitalar nacional chegava a 70%. As despesas para manutenção das atividades médicas, de estrutura e de colaboradores, no entanto, continuam existindo. Por isso, é preciso planejamento e boa gestão financeira para a sustentabilidade do empreendimento.

O problema afeta consultórios de nutrólogos, oftalmologistas, cirurgiões plásticos e dermatologistas, entre outros especialistas. Na conjuntura atual, qualquer serviço médico que não seja de urgência deixou de ser prioridade. Diante dessa realidade, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) e a Comissão Estadual de Honorários Médicos (CEHM) deram início a uma pesquisa para avaliar os impactos da Covid-19 nos negócios de saúde e no exercício da profissão. Os resultados ainda não foram divulgados.

A julgar pelo reconhecimento que os profissionais de saúde estão recebendo mundo afora, tudo indica que depois de vencida a pandemia as pessoas irão valorizar ainda mais a medicina. “Existem boas chances de haver uma demanda ainda maior depois da suspensão do isolamento, principalmente para as especialidades que não fazem atendimento a distância”, explica Felipe Lourenço, CEO da iClinic, desenvolvedora de softwares para áreas da saúde que vão da gestão à telemedicina. O desafio para médicos autônomos, portanto, é sobreviver à fase de recessão e se preparar para o mundo pós-pandemia.

Mais tecnologia, menos custos

A primeira estratégia a ser adotada para uma gestão de crise mais eficiente é extrair o máximo possível das ferramentas disponíveis. Existem no mercado sistemas capazes de gerar relatórios e gráficos de fluxo de renda em tempo real. Além disso, podem registrar todas as movimentações financeiras e organizá-las conforme centro de custo e conta.

Uma das ferramentas da iClinic, por exemplo, permite identificar o perfil dos pacientes, saber quais são os procedimentos mais realizados por eles e que convênios oferecem melhor resultado. A extração e análise de dados é essencial para a reestruturação do orçamento, pois com indicadores em mãos o gestor enxerga onde é possível cortar custos e onde é mais importante investir.

Outra frente importante é a relação com os pacientes. A estratégia ganhou novas possibilidades em março, quando o Ministério da Saúde autorizou o uso da em caráter emergencial para o atendimento à população. Além de reduzir custos, uma vez que elimina a necessidade de estrutura física, a telemedicina libera funcionários responsáveis pela recepção para outras atividades.

Mais do que estreitar a relação com a base já existente, a telemedicina contribui para a atração de novos pacientes. “A distância deixa de existir. Os médicos podem atender pessoas de qualquer lugar do mundo e seguir acompanhando aqueles que mudam de cidade, por exemplo”, diz Lourenço. Como a modalidade segue os mesmos padrões normativos e éticos do atendimento presencial, não há redução nos valores cobrados pelas consultas online.

Outra atitude essencial para garantir a manutenção do negócio é cortar gastos supérfluos e renegociar contratos. Na opinião do CEO da iClinic, trata-se de um momento oportuno para conseguir valores melhores junto a fornecedores. Além disso, é possível fazer pedidos menores de equipamentos de proteção individual (EPI). Nesse sentido, serviços de telefonia, internet e TV, por exemplo, devem ser limitados ao estritamente necessário.

Também é uma oportunidade para rever parcerias com os convênios e tentar estabelecer repasses mais vantajosos. Além disso, o Simers orienta que médicos que trabalham para redes privadas e estão com remunerações em atraso recorram às assessorias jurídicas de seus respectivos sindicatos.

Apoio à reestruturação financeira

Mesmo com corte de gastos e migração para ambiente virtual, a situação de médicos autônomos e de clínicas e consultórios sem reservas pode ficar insustentável. Diante desse contexto, tramita no Senado o Projeto de Lei 2.424/2020, que estabelece uma linha de crédito especial a profissionais liberais durante a pandemia – e que beneficia especialmente profissionais da saúde. A iniciativa prevê o repasse de até R$ 50 mil para capital de giro, com reembolso dentro de 24 meses.

Em resposta ao Secad, a assessoria de comunicação do Simers afirma que novas linhas de crédito podem significar um alento aos médicos empreendedores. Apesar de considerar positivo o surgimento de iniciativas assim, observa que é preciso adotar cautela antes de contrair qualquer recurso. “Pode ser um grande auxílio, dependendo do andamento do processo. Mas temos que considerar quanto tempo os profissionais de saúde deverão esperar por essa ajuda após a solicitação e por quanto tempo a pandemia ainda vai se estender.”

Para ele, a integração de dados da saúde no Brasil facilitaria a elaboração de estratégias de apoio à classe durante e depois da pandemia: “Se todos os profissionais e estabelecimentos médicos contassem com softwares eficientes de gestão, os gargalos do sistema de saúde seriam encontrados mais facilmente e solucionados com eficiência”.

Mercado pós-coronavírus para médicos autônomos

Clínicas e consultórios com reservas financeiras, que investiram em marketing e que se encontram mais estáveis têm agora uma oportunidade. Isso inclui, claro, os médicos autônomos. Em meio à redução das demandas, é possível aproveitar o momento para investir e se fortalecer para a retomada do mercado.

Com a ascensão do número de infectados e a possibilidade de uma segunda onda de contágio, situações inesperadas não devem ser descartadas. Segundo Lourenço, um exemplo são normas que possam eventualmente proibir atendimentos presenciais – ou que limitem as consultas a casos graves. Daí a importância de se contar com recursos de emergência.

“Primeiro, deve-se fazer uma análise do que é prioritário ao negócio na quarentena. Se a opção for por investir, aposte nisso. Na maioria dos casos, são tecnologias e equipamentos que aumentam o número de atendimentos”, complementa.

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