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Obstrução intestinal: avaliação diagnóstica de emergência

Obstrução intestinal é uma das principais causas de abdômen agudo nas emergências. Ela ocorre quando a luz intestinal é bloqueada parcialmente ou completamente. Este evento pode ser mecânico (foco deste texto) ou funcional. Quando esta obstrução ocorre tanto proximal quanto distal a um segmento de intestino é diz-se que há uma obstrução em alça fechada.  

Do ponto de vista fisiopatológico, a função normal do intestino delgado (absorção de nutrientes) e grosso (absorção de água) é comprometida pela obstrução. Proximal à obstrução há dilatação do trato digestivo, que gera boa parte das manifestações (dor, vômitos); distal à obstrução temos colapso das paredes. Os vômitos, a translocação de líquidos e a perda de capacidade absortiva levam a desidratação e distúrbios eletrolíticos. Também tende a haver translocação bacteriana do trato digestivo para a circulação. Com o aumento progressivo da pressão intraluminal há primeiro edema da parede intestinal que tende a progredir para sofrimento vascular e posterior perfuração intestinal.  

A obstrução intestinal é na maioria das vezes uma emergência médica e quase na totalidade dos casos precisará internação de urgência e avaliação cirúrgica. A base para se obter melhores resultados e reduzir a morbidade e mortalidade do quadro é o reconhecimento rápido do quadro. Nesta postagem iremos revisar o quadro clínico e abordagem diagnóstica da suspeita de obstrução intestinal.   

Causas
 

As obstruções intestinais podem ocorrer tanto no intestino delgado, quanto no intestino grosso e cada um destes pontos de obstrução tem causas diferentes. Os eventos que acometem o delgado são os mais comuns, perfazendo aproximadamente 75% das obstruções. Estas podem ser intrínsecas (mais frequentes), extrínsecas ou intraluminais. As causas específicas são extremamente diversas, indo desde aderências até tumores raros como sarcomas intestinais.

Apesar desta variedade, quase a totalidade das obstruções de delgado são atribuíveis a aderências intestinais de procedimentos ou eventos intraabdominais prévios. Hérnias também são eventos relativamente comuns. Nas causas intrínsecas temos neoplasias e estreitamentos; e nas causas intraluminais o principal evento é a invaginação intestinal.   

Já no intestino grosso ocorrem os outros 25% das obstruções. Neste segmento a causa mais comum (60%) é câncer colorretal e mesmo outras neoplasias são responsáveis por outros 10% das obstruções. Quanto a causas benignas temos principalmente volvos (15-25% das causas). Hérnias, estruturas e aderências são outras potenciais causas, mas muito menos frequentemente do que encontrado no intestino delgado.   

Quadro clínico
 

Os sintomas típicos de obstrução intestinal são dor abdominal em cólicas e intensa, de instalação súbita acompanhada de náuseas, vômitos, distenção abdominal e ausência de evacuações e eliminação de flatos. Algumas características dos sintomas podem indicar a cronologia e a localização do quadro. Obstruções mais proximais tem menos espaço para tolerar volume e assim vômitos são mais marcados, enquanto dor e distenção abdominal dominam os quadros mais distais.

Sintomas vagos e leve ocorrem mais no começo do quadro, enquanto sinais de repercussão sistêmica (taquicardia, hipotensão, taquipneia) e de irritação peritoneal indicam quadros mais avançados e graves. Assim, é fundamental na avaliação estar atento a sinais de sepse. Também deve-se revisar na história indicações da possível etiologia, como cirurgia prévias, hérnias, sintomas prévios de câncer de cólon e de doença inflamatória intestinal.   

Os principais diagnósticos diferenciais são obstrução funcional, principalmente o íleo adinâmico  que ocorre em pós-operatórios, por isquemia mesentérica e por uso de medicamentos (anticolinérgicos em especial). Outra causa de obstrução funcional do delgado é pseudo-obstrução, que é distenção recorrente acompanhada de outros sintomas (náuseas, vômitos, diarréia) em que não se encontra fator obstrutivo – frequentemente o paciente tem história de múltiplas visitas a emergência e mesmo de laparotomias brancas.

Além disso, isquemia mesentérica e perfuração intestinal por outras etiologias devem ser consideradas na avaliação. Para quadros de obstrução colônica, megacólon tóxico no contexto de infecção por clostridiódes também faz parte dos diagnósticos alternativos.  

Exames complementares
 

Os dois principais exames de imagem são a radiografia de abdômen e a tomografia computadorizada (TC). Quanto ao primeiro, ele é frequentemente solicitado na sequência de imagens chamada de r-x de abdome agudo – em ortostatismo e decúbitos laterais. Níveis hidroaéreos, acompanhados de ausência de gás distal (cólon distal e reto) sugerem fortemente o diagnóstico de obstrução intestinal.

Apesar de identificar o diagnóstico corretamente em 60% dos casos, costuma ser reservada em pacientes instáveis, uma vez que tende a ser negativa nos quadros mais precoces e não auxilia na identificação da etiologia.  

Assim, a TC de abdômen com contraste é o principal método complementar, sendo recomendado pela sociedade americana de radiologia como primeiro recurso na avaliação de obstrução intestinal. Em alguns casos, contraste oral ou por via sonda pode ser necessário. Na maioria das vezes o exame detecta o nível da obstrução pela presença de dilatação a montante e alças de calibre reduzido distalmente.

Além disso, a TC é capaz de identificar sinais de necrose e perfuração (iminente ou já presente), como pneumatose intestinal (ar nas parede intestinal), pneumoperitônio ou infiltração da gordura mestérica.   

Quanto a exames laboratoriais, hemograma, função renal e eletrólitos, lactato e gasometria arterial são importantes para identificar gravidade e complicações associadas. Hipocalemia, alcalose metabólica com hipocloremia e leucocitose são achados mais comuns. Elevação de hemoglobina e hematócrito indicam desidratação. Hiperlactatemia e acidos emetabólica são marcadores de sepse e portanto de possível isquemia mesentérica e/ou perfuração.  

Avaliação diagnóstica e manejo
 

Todos pacientes devem ser internados em hospital com disponibilidade de cirurgião para investigação, observação e revisão frequentes. A abordagem de diagnóstico e de manejo dos pacientes com obstrução intestinal se sobrepõem e está apresentada de forma esquemática na
Figura 1
.

Isto se dá porque em pacientes com sinais clínicos de instabilidade (choque, insuficiência respiratória) ou de perfuração devem ser direcionados para cirurgia de urgência. Esta abordagem é uniforme em pacientes com obstruções de intestino delgado e grosso. De outra forma, se o paciente apresenta-se estável, avaliação diagnóstica mais detalhada e tentativa de tratamento clínico podem ser realizadas.   

Se foi optado por realização de radiografia de abdômen e esta não mostrou sinais de perfuração, a investigação deve ser complementada por tomografia. Por ser mais específica, na TC revisa-se a presença de pneumoperitôneo, bem como sinais radiológicos de isquemia ou necrose. Na presença de alta suspeita de complicação, deve-se direcionar o paciente para cirurgia imediatamente.   

Nos demais, um curso de tratamento conservador sob observação hospitalar com revisão clínica, laboratorial e radiológica frequente pode ser tentado. Até 80% das obstruções de delgado por bridas resolvem seu quadro com um período de jejum, sondagem gastrica para desobstrução (se necessário, principalmente se distenção e vômitos marcados) e uso de gastrografia (um contraste aguoso por via oral que). Na falha após observação por 3-5 dias, o paciente deve ser direcionado para tratamento cirúrgico. Quanto às obstruções colônicas, os mesmos princípios se aplicam, com a peculiaridade que alguns pacientes com neoplasias pode-se tentar manejo endoscópico como ponte para uma cirurgia oncológica mais planejada.

Por fim, antimicrobianos devem ser usados para todos os pacientes com suspeita de sepse por translocação ou perfuração e profilaxia cirúrgica varia de práticas locais, mas costuma ser utilizada 1 hora antes do início do procedimento. Antibioticoterapia rotineira para pacientes com manejo conservador não deve ser utilizada. 

Figura 1.
Abordagem esquemática da suspeita diagnóstica de obstrução intestinal. Adaptado de 2, 3 e 4.