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Puberdade precoce: avaliação clínica, diagnóstico diferencial e manejo

A puberdade precoce é uma condição caracterizada pelo desenvolvimento de caracteres sexuais secundário (telarca, pubarca, aumento peniano e testicular) antes do limite inferior de idade considerado para cada gênero, ou seja: antes dos 8 de idade para as meninas e 9 para os meninos.  

Estudos epidemiológicos mostram prevalência em torno de 0,2-2%, porém essa prevalência pode ser variável com diferenças étnicas importantes. Há uma forte predominância de meninas com puberdade precoce. Em uma revisão retrospectiva de 104 crianças encaminhadas para avaliação da puberdade precoce, 87% eram do sexo feminino.  É um evento raro, mas na qual é necessário excluir doenças graves que precisam ser tratadas adequadamente, como tumores ou anormalidades hormonais que precisam de tratamento precoce.  

Os principais sinais são: desenvolvimento de características sexuais secundárias, estirão de crescimento e mudanças na composição corporal. O primeiro sinal de início da puberdade é, tipicamente, a telarca nas meninas e o aumento testicular nos meninos. O aumento da secreção hormonal que leva ao desenvolvimento dos caracteres sexuais também promove a maturação óssea, o que leva à fusão epifisária precoce e possivelmente a menor estatura final do adulto. 

A puberdade precoce pode ter implicações importantes para a saúde emocional da criança. Psicologicamente, elas podem enfrentar desafios ao lidar com mudanças físicas e emocionais para as quais ainda não estão preparadas, o que pode levar a isolamento social, ansiedade e problemas de autoestima.  

Na maioria dos casos, o surgimento de caracteres sexuais secundários antes da idade esperada ocorre por variações da normalidade e a evolução da puberdade seguirá seu ritmo fisiológico. Entre as variantes da normalidade, podemos identificar a adrenarca precoce e a telarca precoce. 

Avaliação clínica da puberdade precoce
 

Abordagem clínica 
 

Deve incluir anamnese completa com avaliação dos antecedentes pessoais e familiares e exame físico detalhado. Devemos investigar a história familiar do aparecimento de caracteres sexuais secundários dos pais. No paciente, investigar idade de início e velocidade de progressão dos caracteres sexuais secundários, presença de odor axilar, aumento de oleosidade na pele e nos cabelos, acne, sinais de crescimento rápido (mudança de número de calçado, por exemplo), exposição de esteroides sexuais ou disruptores endocrinológicos e queixas de sistema nervoso central (cefaleia, trauma, infecção, alterações visuais). 

Em relação ao exame físico, devem ser realizadas inspeção e palpação de mamas (importante diferenciar telarca da lipomastia), observação de tamanho testicular e peniano e presença de pelos pubianos. 

Um dos dados mais importantes é a avaliação do padrão de crescimento através do gráfico da própria criança ao longo do tempo. Em geral, utilizamos os gráficos da OMS para sexo e idade que avaliam o peso até os 10 anos, estatura de 5 a 19 anos e IMC de 5 a 19 anos. Particularmente, o gráfico de Tanner (velocidade de crescimento) é muito importante nesses casos, pois ele ajuda a avaliar a maturidade de acordo com a velocidade de crescimento. Os gráficos de crescimento variados podem ser encontrados e baixados
neste site aqui

Com o apoio das curvas de crescimento, o pediatra pode detectar tanto a modificação de padrão, como compará-la com o canal de crescimento esperado para essa criança ou adolescente, de acordo com a estatura de seus pais biológicos. 

A puberdade precoce pode ser classificada em dois tipos principais: 

  • Puberdade precoce central (dependente de gonadotrofinas) PPC
    : desencadeada pela ativação prematura do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, gerando aparecimento sequencial de mamas e pelos pubianos nas meninas. Nos meninos, leva ao aumento testicular bilateral, aumento peniano, além dos pelos pubianos. Nesses pacientes, as características sexuais são adequadas ao sexo da criança (isossexual). A ativação precoce do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal ocorre por uma variedade de anormalidades do sistema nervoso central (SNC), a chamada puberdade precoce central patológica ou pode ser idiopática. A puberdade precoce central é patológica em 40-75% dos casos em meninos, em comparação com 10-20% em meninas, nas quais a puberdade precoce central idiopática é muito mais comum, compreendendo aproximadamente 80-90% dos casos. Pode cursar com aumento de LH (após estímulo com GnRH), de testosterona no menino e de estrógeno na menina; avanço da idade óssea comparada com idade cronológica; aumento do volume uterino na ultrassonografia  
  • Puberdade precoce periférica (independente de gonadotrofinas) PPP
    : ocorre devido à produção autônoma de hormônios sexuais, sem ativação do eixo central. É causada pelo excesso de secreção de hormônios sexuais (estrógenos ou andrógenos) produzidos pelas gônadas ou pela suprarrenal, por exposição exógena de esteroides sexuais ou produção ectópica de gonadotropina de um tumor de células germinativas (por exemplo, gonadotropina coriônica humana [hCG]). A precocidade periférica pode ser apropriada para o sexo da criança (isossexual) ou inapropriada, com virilização de meninas e feminização de meninos (contrassexual). Na PPP em meninos, costuma ocorrer virilização sem aumento testicular ou aumento unilateral.  

Existem duas variantes benignas que merecem atenção: a telarca precoce e a pubarca precoce. Apesar de serem condições benignas, devem ser diferenciadas de puberdade precoce com uma consulta clínica completa, exames específicos e acompanhamento da evolução dos caracteres sexuais e crescimento.  

Na telarca precoce, ocorre o desenvolvimento isolado do tecido mamário. Normalmente, não há outros achados pubertários, como crescimento linear acelerado, progressão rápida do desenvolvimento mamário ou maturação esquelética avançada. É uma situação benigna que deve ser somente observada, geralmente não progride e regride após alguns meses. É mais frequente em meninas nos primeiros anos de vida, mas pode ser vista em meninas mais velhas com desenvolvimento mamário isolado. 

A pubarca precoce benigna ocorre em decorrência da adrenarca, período pré-puberal em que há concentrações levemente elevadas de andrógenos derivados das suprarrenais, em especial o DHEA-S (sulfato de dehidroepiandrosterona), que podem levar ao aparecimento de pelos pubianos e/ou axilar prematuramente, além de odor axilar. Pode cursar com testosterona elevada nos meninos; estrógeno elevado nas meninas; LH em valores pré-puberais; avanço da idade óssea.

Avaliação complementar
 

O seguimento clínico da progressão rápida dos caracteres sexuais secundários deve ser prioritário antes da decisão de realizar avaliação laboratorial e de imagem. Dosagens basais de LH, FSH, estrógeno e testosterona podem estar normais ou elevadas e têm valor variável no diagnóstico. No aparecimento de pelos, odor axilar e acne sem aumento de mamas ou testículo não é necessário dosar LH, estrógeno ou testosterona, pois são sinais de adrenarca e não de gonadarca, portanto não indicam puberdade. Caso seja necessária investigação mais detalhada, recomenda- se o teste com análogo de GnRH. 

A radiografia de idade óssea é uma ferramenta importante para avaliar a maturação esquelética, que geralmente está avançada em crianças com puberdade precoce. A ressonância magnética do cérebro é indicada para todos os meninos com PPC e para meninas com menos de seis anos de idade, ou na presença de sintomas neurológicos, para excluir patologias intracranianas. 

A ultrassonografia pélvica pode ser usada para avaliar o tamanho dos ovários e útero em meninas. 

Em casos de puberdade precoce familiar ou quando há suspeita de etiologia genética, testes genéticos podem ser realizados para identificar mutações em genes como KISS1, KISS1R, MKRN3 e DLK1. Em geral, esses exames serão solicitados pelo especialista.  

Diagnóstico diferencial da puberdade precoce
 

Causas fisiológicas e patológicas
 

Existem muitas causas e diagnósticos diferenciais da puberdade precoce. Por esse motivo, o paciente deve ser avaliado por especialista com experiência no manejo, preferencialmente endocrinologista pediátrico. Abaixo alguns possíveis diagnósticos diferenciais.  

  • Causas fisiológicas
    : incluem puberdade precoce idiopática, especialmente em meninas, que é a causa mais comum e geralmente não tem associação com patologias subjacentes. 
  • Causas patológicas
    : envolvem distúrbios como tumores hipotalâmicos, lesões do sistema nervoso central (ex., hamartomas), hipotireoidismo grave, síndromes genéticas, como a síndrome de McCune-Albright, e exposição exógena a hormônios sexuais. 

Manejo da puberdade precoce
 

A abordagem inicial e o acompanhamento da puberdade precoce dependem da causa subjacente.  

No caso de puberdade precoce central, o tratamento geralmente envolve o uso de análogos de GnRH para retardar a progressão puberal. A decisão de iniciar o tratamento depende da idade da criança, da taxa de progressão puberal e do impacto no crescimento estatural. O acompanhamento clínico deve ser realizado por endocrinologista pediátrico e deve incluir avaliações regulares de crescimento, desenvolvimento puberal e exames laboratoriais. 

Os análogos de GnRH são o tratamento de escolha para a puberdade precoce central. Essas medicações inibem a secreção de gonadotrofinas, interrompendo temporariamente o processo puberal e permitindo que a criança tenha mais tempo para crescer antes que o fechamento das placas epifisárias ocorra.  

Em casos de puberdade precoce periférica, o tratamento é direcionado à causa subjacente, como a remoção de tumores produtores de hormônios ou o controle de síndromes genéticas. 

A puberdade é um processo complexo que marca a transição da infância para a idade adulta, e seus mecanismos não são totalmente compreendidos. Atualmente, presume-se que a maioria dos casos de PPC seja idiopática, mas a recente identificação de genes envolvidos no desenvolvimento puberal mostra que os fatores genéticos desempenham um papel em sua fisiopatologia.   

A PPP é um distúrbio heterogêneo resultante de uma ampla gama de condições gonadais e extragonadais que envolvem diversas manifestações clínicas, o que exige uma investigação etiológica precisa para o tratamento correto.  

Algumas questões permanecem sem resposta, como: se o exame de imagem do SNC deve ser considerado em todas as meninas com PPC, o melhor método para monitorar a supressão hormonal e o momento ideal para a interrupção do tratamento. Estudos clínicos futuros devem comparar diferentes medicamentos e dosagens na terapia com análogos de GnRH, principalmente em meninos.   

Impacto psicossocial e suporte
 

O impacto psicossocial da puberdade precoce pode ser significativo, com desafios relacionados à maturidade emocional da criança e sua interação com os pares. O suporte psicológico pode ser necessário para ajudar a criança e a família a lidar com as mudanças físicas e emocionais. O aconselhamento familiar é fundamental para garantir que a criança receba apoio adequado durante essa fase de transição. 

Conclusão
 

A puberdade precoce é o início da puberdade antes dos 8 anos em meninas e 9 anos em meninos. Trata-se de uma condição clínica que exige avaliação e manejo cuidadosos devido às suas possíveis implicações no crescimento físico, desenvolvimento emocional e bem-estar geral da criança.  

Um diagnóstico precoce, combinado com uma abordagem terapêutica adequada, pode mitigar os efeitos negativos dessa condição e garantir que a criança tenha um desenvolvimento saudável.  

É fundamental que a criança seja acompanhada por uma equipe multidisciplinar, capaz de abordar as diversas dificuldades relacionadas à patologia. O endocrinologista pediátrico desempenha um papel essencial, pois é o profissional mais qualificado para realizar o diagnóstico e o acompanhamento, considerando a complexidade dos diagnósticos diferenciais e a necessidade de tratamentos individualizados para cada caso.