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Reabilitação após lesão do ligamento cruzado anterior: estratégias de fisioterapia

A cada ano, aproximadamente sete milhões de estudantes do ensino médio participam de equipes de diferentes modalidades esportivas, dos quais 3–11% seguem adiante e ingressam em equipes universitárias. Infelizmente, as lesões são comuns entre esses jovens atletas. As lesões da articulação do joelho são as mais frequentes, totalizando de 10 a 25% de todas as lesões relacionadas a esportes. As práticas esportivas que envolvem saltos, pivôs ou mudanças de direção apresentam maior risco de sofrer lesões graves no joelho, incluindo rupturas do ligamento cruzado anterior (LCA). 

Anualmente, estima-se que ocorram 250.000 lesões relacionadas ao LCA nos Estados Unidos, resultando em aproximadamente 100.000 cirurgias de reconstrução. Além disso, mulheres apresentam até 8 vezes mais probabilidade de ter uma lesão de LCA quando comparados aos homens. Certas características como o ângulo aumentado do quadríceps e uma inclinação posterior aumentada do planalto tibial podem gerar maior estresse na articulação e predispor a lesões no LCA. Atletas do sexo feminino que aterrissam com os joelhos em flexão inadequada, em valgo e rotação externa aumentada têm um risco maior de lesão no ACL. 

Essas lesões graves no joelho podem causar instabilidade, danos aos meniscos ou cartilagem, necessidade de cirurgia reconstrutiva e até osteoartrite precoce. Na população de crianças e adolescentes, houve um aumento na prevalência de lesões do LCA nos últimos vinte anos. 

Durante o período de 1994 a 2006, houve um aumento em mais de 400% nas cirurgias de reconstrução do LCA em jovens menores de 15 anos. Uma das hipóteses que os profissionais levantam é o aumento no número de jovens atletas, com 38 milhões participando de esportes organizados durante o período de 2009 a 2010.

Algumas características anatômicas da articulação podem ser desfavoráveis às mulheres, como a superfície intercondilar em formato de A mais estreita. Após a reconstrução do LCA, atletas do sexo feminino têm maior probabilidade de romper o ACL contralateral em comparação com atletas do sexo masculino. No entanto, homens e mulheres têm igual probabilidade de romper o joelho reconstruído. 

Pacientes com ruptura aguda do LCA geralmente apresentam grande derrame articular, instabilidade, diminuição da amplitude de movimento e dor ao suportar peso após uma lesão aguda por torção do joelho. Pacientes com rupturas crônicas do LCA podem experimentar instabilidade periódica no joelho e dor generalizada no joelho, especialmente com movimentos de corte ou pivô.

Fases da reabilitação após lesão do ligamento cruzado anterior

Para muitos profissionais, a reabilitação para a reconstrução do LCA pode ser dividida em dois momentos: pré-operatória e pós-operatória. 

Contudo, muitos profissionais não costumam prescrever a reabilitação no período pré-operatório, também conhecida como pré-reabilitação. A reabilitação pré-operatória pode melhorar a força do quadríceps pós-operatória, a amplitude de movimento do joelho e pode diminuir o tempo para retornar ao esporte, além de educar o paciente sobre o curso da reabilitação pós-operatória. 

No entanto, exercícios não supervisionados no período pós-operatório podem ser orientados para pacientes que não podem arcar com a reabilitação supervisionada, que têm acesso reduzido à fisioterapia ou têm alta motivação e estão comprometidos em realizar sua reabilitação de forma autônoma após a reconstrução do LCA. 

Independentemente disso, os pacientes devem ter seus programas prescritos individualmente e ser monitorados quanto à execução do protocolo de reabilitação, garantindo a progressão sem eventos adversos. 

A duração do protocolo de reabilitação é específica para cada indivíduo e depende de alguns fatores: 

  • o paciente ser capaz de retornar com segurança às atividades no mesmo nível pré-lesão sem eventos adversos; 
  • clareza nos critérios para a progressão na reabilitação;
  • e questões específicas do procedimento, como o tempo para a restauração articular e cicatrização do enxerto.

Técnicas e exercícios de fisioterapia

Os protocolos de reabilitação para o LCA apresentam variações, havendo pouco consenso entre os profissionais. No entanto, ao longo da última década, houve um movimento em direção a protocolos mais acelerados e personalizados, abandonando os antigos protocolos conservadores e padronizados. 

Atualmente, os
protocolos variam em duração e modalidade e consideram as preferências específicas de cada paciente
. Estudos anteriores demonstraram que o aumento na amplitude de movimento previamente a cirurgia reduz o risco de artrofibrose, que é uma das complicações pós-operatórias mais comuns. Além disso, uma redução de 20% ou mais na força do quadríceps é preditor de déficit de força em até dois anos após a reconstrução do LCA. Portanto, como parte do protocolo pré-operatório, é recomendada a avaliação da ADM e força da musculatura do quadríceps. 

Da mesma forma, sugere-se a medida da força dos músculos isquiotibiais, embora não haja recomendação específica na literatura. Estudos indicam que a força dos músculos isquiotibiais na perna que sofreu a cirurgia permanece reduzida em comparação com a perna não operada até dois anos após a reconstrução do ligamento. Nesse caso, o fisioterapeuta é a referência para a realização da avaliação. 

Outras medidas como a educação do paciente sobre o procedimento cirúrgico, uso de muletas, exercícios no pós-cirúrgico imediato e o processo/tempo de reabilitação são informações importantes e necessárias para o paciente.  Os achados do exame físico e a história do paciente são suficientes para diagnosticar o joelho com lesão no LCA. No entanto, exames de imagens, como a ressonância magnética, continuam sendo importantes na avaliação e planejamento cirúrgico do joelho lesionado. 

A decisão de realizar a reconstrução do LCA deve considerar o nível de atividade do paciente e de prática da modalidade esportiva, grau de instabilidade e se houve envolvimento do menisco. O tratamento conservador normalmente é a opção de escolha em idosos e para pessoas com nível de atividade física menor, em que o tratamento envolve o uso de órteses e modificação/adaptação da atividade. Embora os métodos de reabilitação tenham evoluído significativamente, os objetivos dos protocolos de reconstrução do LCA permanecem praticamente inalterados ao longo do tempo, com
foco principal na amplitude de movimento do joelho, na força e estabilidade articular

Os estudos mostraram que a força do quadríceps após a reconstrução do LCA é determinante para a estabilidade dinâmica e fator protetor para a osteoartrite. Quanto à mobilização passiva, não há vantagem para o alívio da dor, amplitude de movimento ou redução no edema quando comparado a movimentação ativa. 

A crioterapia pode ser aplicada por ser de baixo custo, fácil de usar, apresenta alto nível de satisfação por parte dos pacientes e raramente está associada a eventos adversos, sendo assim justificada na fase inicial do tratamento pós-operatório após a reconstrução do LCA. 

No entanto, os pacientes devem ser instruídos sobre a aplicação segura de gelo para evitar lesões. A crioterapia compressiva, se disponível, pode ser mais eficaz do que a crioterapia isolada. As diretrizes orientam quanto à sobrecarga precoce, mobilização imediata, progressão nas atividades, sem e com carga, na busca pela extensão total do joelho. 

O uso de
estimulação neuromuscular elétrica (NMES), restrição do fluxo sanguíneo, suporte psicossocial e condicionamento precoce da extremidade inferior contralateral
são algumas das modalidades recentes e promissoras na reabilitação pós-reconstrução do LCA que estão se tornando cada vez mais populares. 

Recomenda-se uso de estimulação neuromuscular elétrica (NMES) na fase muito inicial após a cirurgia para estimular a ativação muscular ou minimizar a atrofia por desuso esperada. Na fase inicial, o NMES pode ser utilizado durante atividades funcionais para facilitar ainda mais o ganho de força. A NMES no pós-operatório de reconstrução do LCA tem demonstrado ser efetivo na preservação e aumento da força do quadríceps através do recrutamento das fibras tipo II. Quando somado a exercícios ativos, pode aumentar em até 70% a força muscular em relação ao membro não lesionado após dois meses da cirurgia. 

A NMES pode aumentar a circunferência muscular do quadríceps e acelerar a recuperação do membro afetado. Um ponto que deve ser considerado no uso da estimulação elétrica é a intensidade da corrente que pode ser intolerável para os pacientes, especialmente durante certos ângulos de flexão do joelho. 

A restrição do fluxo sanguíneo é outra modalidade que está sendo utilizada durante a reabilitação para acelerar a recuperação. Duas revisões sistemáticas recentes concluíram que há evidências do benefício do uso da restrição do fluxo sanguíneo na promoção da hipertrofia muscular, aumento da força e redução dos níveis de dor relatados pelos pacientes, mas novos estudos deverão ser realizados para subsidiar a recomendação clínica. O treinamento de restrição do fluxo sanguíneo com carga baixa pode ser usado, além dos cuidados padrão na fase inicial da reabilitação, para melhorar a força dos quadríceps e dos isquiotibiais, especialmente quando os pacientes apresentam aumento da dor no joelho ou não toleram cargas elevadas na articulação do joelho. 

No entanto, os profissionais devem cuidar de casos como, por exemplo, pacientes com doenças cardiovasculares, edema, irritação na pele, em que é contra-indicado o uso. Não há recomendação do uso de agulhamento seco em pontos gatilho no músculo vasto medial na fase muito inicial da reabilitação devido ao aumento do risco de hemorragia. A
vibração de corpo inteiro pode ser utilizada como uma intervenção adicional
para melhorar a força dos quadríceps e o equilíbrio estático, mas não pode substituir a reabilitação convencional. 

Devido ao custo adicional e às complicações relatadas (como dor ou inchaço) ao usar essa intervenção, sugere-se não incluí-la no protocolo de reabilitação. O uso de kinesio taping no pós-operatório imediato pode contribuir, juntamente ao tratamento padrão, para redução da percepção de dor e no edema. No entanto, as evidências ainda não suportam a indicação correta do seu uso. Para início dos movimentos, deve-se começar imediatamente após a cirurgia, levando em consideração quaisquer instruções cirúrgicas. 

A
imobilização não reduz a dor e pode levar à atrofia muscular
, o que retarda a recuperação da função. O
suporte de peso precoce já na primeira semana deve ser realizado de forma progressiva e controlada
, conforme tolerado por cada paciente e levando em consideração quaisquer instruções cirúrgicas. 

O paciente pode iniciar
exercícios de cadeia cinética aberta em uma amplitude limitada de movimento (90° a 45° de flexão do joelho) a partir da quarta semana
, após a cirurgia sem comprometer a estabilidade do joelho. Uma combinação de exercícios em cadeia cinética fechada e aberta pode levar a uma significativa melhoria na força do quadríceps e retorno mais precoce ao esporte. 

Clínicos e pacientes devem monitorar a dor anterior no joelho e ajustar a carga no joelho e a progressão do fortalecimento conforme necessário.
Exercícios isométricos para o quadríceps
, incluindo contrações estáticas do quadríceps e elevações retas da perna, podem ter um pequeno efeito na recuperação mais rápida da flexão do joelho, mas não na força do quadríceps. Eles podem ser prescritos durante as duas primeiras semanas após a cirurgia sem comprometer a integridade do enxerto. 

O
exercício de
leg press
pode ser iniciado na medida do padrão funcional semelhante a meio agachamento (0° a 45°) para melhorar a força do quadríceps e do músculo isquiotibial, atividades funcionais e função subjetiva. O
fortalecimento excêntrico precoce do quadríceps
(entre 20° e 60° de flexão do joelho) pode ser iniciado em até 3 semanas após a cirurgia, (cuidando das características da cirurgia). 

Sendo assim,
o controle motor e o treinamento de força são partes integrantes da reabilitação e devem ser combinados no protocolo de reabilitação para melhorar os resultados
. O treinamento pliométrico e de agilidade pode melhorar ainda mais a função subjetiva e as atividades funcionais em comparação com os cuidados habituais, sem aumento da lascidão ou dor. 

Exercícios de estabilidade do core podem melhorar os resultados funcionais e a função subjetiva do joelho e podem ser utilizados como complemento ao protocolo de reabilitação. 

A
terapia aquática
pode ser utilizada, além dos cuidados habituais durante a fase inicial de reabilitação, para melhorar a função subjetiva do joelho. Recomendamos que seja iniciada de 3 a 4 semanas pós-operatório, uma vez que a ferida tenha cicatrizado completamente.

Retorno às atividades esportivas

Alguns fatores vêm sendo considerados no retorno ao esporte pelo praticante como as
questões motivacionais e psicossociais
. Evidências recentes mostram que variáveis sociais e psicológicas podem explicar um atraso tanto no desempenho quanto no retorno à prática esportiva após a reconstrução do LCA. 

O medo do movimento ou medo de nova lesão, falta de confiança, percepção de fraqueza da musculatura do quadríceps, autopercepção baixa da função subjetiva do joelho e baixa adesão ao tratamento pode levar ao retorno tardio, ou a falta dele, e devem ser observados no paciente no processo de reabilitação. 

O medo, ou cinesiofobia (medo do movimento como resultado de uma sensação de susceptibilidade à dor ou medo de lesionar novamente) é um dos fatores mais determinantes no retorno ao esporte. 

Em atletas, a incapacidade de se apresentar nos níveis atléticos anteriores, falta de apoio social, falta de identidade atlética ou pressão para retornar ao esporte são as barreiras mais apontadas pelos estudos. A cinesiofobia no pré-operatório é um forte preditor de cinofobia pós-operatória, dados mostram que 53% dos pacientes retornaram ao nível de atividade pré-lesão em até 4 anos após a reconstrução do LCA, e os pacientes que não retornaram ao nível pré-lesão tinham mais medo de nova lesão. 

Em atletas de futebol americano de ensino médio e universitário, 63% e 69%, respectivamente, retornaram ao esporte, mas apenas 43% dos atletas conseguiram retornar ao desempenho no nível pré-lesão. Outro estudo acompanhou 57.770 pacientes, em média, por 41,5 meses e demonstrou que apenas 44% dos atletas retornaram a um nível competitivo do esporte. 

Em todos os exemplos, o
medo de nova lesão
foi o motivo mais comum para a interrupção da participação esportiva e redução da atividade pós-operatória. A lesão, e por consequência o procedimento cirúrgico, requer um empenho emocional e físico substancial dos atletas, o que pode resultar em alterações psicológicas e emocionais intensas que influenciam o processo de reabilitação. Ainda, os estudos apontam para a influência dos níveis de humor e prontidão psicológica no período pré-operatório para a cirurgia de reconstrução do LCA podem influenciar na adesão à fisioterapia e nos níveis de autoeficácia dos pacientes após o procedimento. 

Para isso, as recomendações são de que o paciente não tente dirigir antes 2 – 6 semanas (dependendo do joelho operado) e de poder acionar com segurança o freio em uma simulação de emergência. 

Quanto à corrida, deve-se pensar:

  • na retomada do condicionamento cardiopulmonar e considerar a amplitude de movimento (ADM) do joelho ≥ 95%; 
  • ADM completa de extensão do joelho; 
  • ausência de efusão/traço de efusão; 
  • índice de simetria de membros > 80% para a força do quadríceps e de > 80% do impulso excêntrico durante o salto de contramovimento; 
  • corrida aquática sem dor e saltos com uma perna somente repetidos sem dor. 

Para atletas, a liberação para início do treinamento deverá ser gradual e sem dor ou inchaço e incluir:

  •  ADM total de joelho; 
  • joelho estável; f
  • função subjetiva do joelho normalizada e prontidão psicológica usando resultados relatados pelo paciente; 
  • pico de torque excêntrico dos quadríceps e isquiotibiais simétricos (especialmente para esportes de pivô de alta demanda); 
  • recuperação dos valores (no mínimo) pré-operatórios (se disponíveis) ou dos valores normativos de acordo com o esporte e o nível de atividade; 
  • estabilidade biomecânica em saltos; 
  • restauração de > 90% de simetria das forças de reação do solo verticais e biomecânica do joelho durante o apoio durante a corrida de alta velocidade e mudança de direção;
  • completar um programa de treinamento específico para o esporte.

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