TCC para ansiedade: como nosso cérebro é afetado?
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) há tempos tem servido como base para o tratamento de diversos quadros de humor como depressão e ansiedade. Em um recente estudo de meta-análise, envolvendo 10 estudos recentes (2017-2022) e 1.250 participantes, mostrou que o tratamento em TCC para transtornos de ansiedade mostrou-se mais eficaz do que grupo placebo (Bhattacharya et. al, 2023).
No entanto, deve-se levar em consideração que os transtornos de ansiedade são heterogêneos e podem variar de apresentação sintomatológica e etiologia, trazendo a necessidade de um tratamento individualizado frente às necessidades individuais do paciente. A atual edição do
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-V-TR
(APA, 2023) inclui como transtornos de ansiedade os quadros: Transtorno de Ansiedade de Separação, Mutismo Seletivo, Fobia Específica, Transtorno de Ansiedade Social, Transtorno de pânico, Agorafobia e Transtorno de Ansiedade Generalizada. Cada um dos quadros citados apresenta características específicas além de fatores ambientais individuais que são construídos ao longo do desenvolvimento do indivíduo.
Por exemplo, sobre o modelo cognitivo-comportamental do Transtorno de Pânico e Agorafobia, Craske & Barlow (2016) apontam que o medo de sentir medo se inicia após o primeiro ataque de pânico em indivíduos que possuem maior vulnerabilidade à percepção da consciência corporal, levando à pensamentos disfuncionais e erros de lógica relacionadas à essas sensações. Esses pensamentos disfuncionais (geralmente catastróficos) podem estimular os sintomas fisiológicos. Cognições catastróficas podem ser suficientes para gerar ataques de pânico sem a apresentação obrigatória de estímulos externos.
A figura 1 apresenta um modelo cognitivo-biológico relacionado à ansiedade baseado em Hofmann (2024) e Hoffman (et al, 2012):
Fonte
: Hofmann (2024)
De modo geral, o modelo de processamento ocorre em três níveis: o nível psicológico, o nível biológico e o nível neurofisiológico. No
nível psicológico,
temos a percepção do medo, a ativação das estratégias de enfrentamento (EF) e, posteriormente, a regulação emocional. No
nível biológico
,encontramos a função central da amígdala, que transmite a percepção do medo para diversas áreas encefálicas, tais como o hipocampo, o córtex pré-Frontal (CPF) e o córtex cingulado anterior (CCA). Por fim, em um
nível neurofisiológico
, podemos encontrar a função das ativações cerebrais citadas na regulação da resposta emocional e comportamental.
Modelo Cognitivo-Comportamental da Ansiedade
De acordo com Wright e colaboradores (2012), o modelo cognitivo-comportamental de ansiedade acontece quando os pacientes evitam situações temidas, levando a cognições desadaptativas. Essas cognições desadaptativas/disfuncionais reforçam estes padrões de evitação experiencial em um ciclo vicioso de retroalimentação e perpetuação dos sintomas cognitivos e psicofisiológicos. Dessa forma, o ponto de intervenção fundamental para quadros de ansiedade, de maneira geral, é a implementação de um plano de intervenção baseado em exposição de repostas. A exposição hierárquica ao medo auxilia o paciente a romper os padrões de evitação experiencial, cognitiva e comportamental e passar a desenvolver habilidades construtivas de enfrentamento.
Considere o plano de intervenção baseado em exposição do paciente fictício com ansiedade para falar em público. Cada um dos comportamentos relacionados à ansiedade é quantificado de maneira hierárquica (de situações que exibem menor intensidade até situações que envolvem maior ansiedade) de maneira colaborativa com o paciente.
Figura 2
Exemplo de hierarquia de enfrentamento frente á uma situação de falar em público (apresentação)
O plano de hierarquia de enfrentamento pode envolver técnicas de exposição in vivo e exposição imaginária. O objetivo central é realizar uma desensibilização sistemática dos eventos temidos até o momento em que esta situação não apresenta emoções intensas. Ao construir uma hierarquia de enfrentamento é ensinar o paciente a controlar a emoção desagradável através de imagens mentais, retreino de respiração e relaxamento corporal.
Muitas destas habilidades devem ser treinadas, em um primeiro momento, dentro da sessão com o auxílio de terapeuta, e, em um segundo momento, como tarefa de casa onde o paciente vai ter a oportunidade de executar esse comportamento no mundo real. Geralmente, as estratégias iniciais envolvem técnicas imaginativas, se imaginando diante da situação emocionalmente perturbadora, seguindo por treino de controle emocional, tal como respiração diafragmática. O terapeuta pode fazer uso também de role-play para observar o comportamento do paciente ao longo da situação e assim, modelá-lo ou ainda ter mais informações de como esse comportamento acontece e quais são os fatores de manutenção desse ciclo vicioso da ansiedade.
Como a TCC modifica o cérebro de pessoas ansiosas após a intervenção?
Em uma revisão sistemática, Brooks & Stein (2015) fizeram um amplo levantamento de impactos da TCC na modificação de redes neurais após o tratamento. Os protocolos de TCC foram diversos em relação à duração e sua aplicabilidade a depender dos grupos de transtornos e especificidades do tratamento. O resultado da revisão, em termos neurobiológicos, encontra-se na Imagem 3.
Imagem 3 –
A imagem ilustra as principais áreas encefálicas antes e depois do tratamento em Terapia Cognitivo-Comportamental. A figura A (à esquerda) representa a ativação de áreas anterior ao tratamento enquanto a figura B (à direita) ilustra as áreas posterior ao tratamento em TCC. As áreas em amarelo representam áreas ativadas no Transtorno de Ansiedade Social, em vermelho, relacionadas ao Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), em verde relacionado ao Transtorno de Pânico, em azul relacionado ao Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e, em branco, áreas relacionadas ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC).
Fonte:
retirado de Francisco (2019) baseado em Brooks & Stein (2015)
Na imagem acima, pode-se observar quem após o tratamento houve um aumento substancial no funcionamento de áreas relacionadas ao lobo frontal, mais precisamente áreas do córtex-pré-frontal (CPF) em basicamente todos os quadros citados. Ainda houve uma diminuição de áreas relacionadas à ativação da amigdala ou ainda aumento de áreas relacionadas à memória associativa, desvinculando-as de eventos traumáticos e aumentando a lembrança de estratégias adequadas de enfrentamento.
Dessa forma, o estudo pode-se observar que a TCC além de fornecer melhoras de sintomas em um nível numérico, através das escalas de relato e sintomatologia, também fornece mudanças em redes neurais. Parte dessas mudanças estão relacionadas às estratégias de enfrentamento, as quais “forçam” o paciente e seu cérebro a eliciarem respostas emocionais e comportamentais mais adaptativas, modificando caminhos neurais anteriormente conhecidos que alimentariam os sintomas ansiosos.
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Francisco, G. C. P., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (Set., 2024). TCC para ansiedade: como nosso cérebro é afetado? Blog da Artmed, Artmed.
Autores
- Guilherme Carvalho de Paula Francisco
Psicólogo e neuropsicólogo. É mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Doutorando em Ciências do desenvolvimento humano pela universidade Mackenzie. Também é especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC) e tutor Cogmed (Pearson Clinical Brasil)
- Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Universidade de São Paulo (USP).