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Regulação emocional: o que é e como trabalhar na psicoterapia?

Emoções têm funções específicas e constituem uma forma importante de comunicação não-verbal (Ekman & Friesen, 1971). Elas possuem valor evolutivo inestimável, além de  terem contribuído para a sobrevivência e a adaptação da espécie humana e de outros animais (Darwin, 1965).

Emoções possuem impulsos de ​​ação correspondentes (Frijda et al., 1989). O medo, por exemplo, impulsiona à luta, à fuga ou à esquiva. A vergonha impulsiona esconder o rosto ou sair de ambientes onde existe uma possível reprovação social. Essas respostas ocorrem porque, em algum momento da história evolutiva humana, elas aumentaram as chances de manutenção da vida. Portanto, livrar-se  das emoções pode colocar os seres humanos em grande vulnerabilidade.   

Por outro lado, vivenciá-las de maneira descomedida pode comprometer a funcionalidade, a capacidade de reflexão ponderada e de tomada de decisões (Boehme et al., 2019).
A maioria das pessoas que buscam por psicoterapia relatam dificuldades de regulação emocional
  (Leahy et al., 2011). Desta forma, é essencial que psicólogos clínicos estejam capacitados para inserir, no plano de tratamento de seus pacientes, estratégias eficazes de regulação emocional.   

O que é a regulação emocional e por que ela é importante
 

A regulação emocional refere-se ao processo de modular uma resposta ou experiência afetiva (Gross, 1998; Iwakabe et al., 2023). Ela também envolve a geração de emoções, assim, o trabalho terapêutico consiste em ensinar estratégias de enfrentamento para lidar com emoções que estão ocorrendo, bem como transformar emoções aversivas em adaptativas (Greenberger, 2021). 

Emoções reguladas podem manter indivíduos dentro de uma janela de tolerância, na qual o funcionamento emocional razoável é possível (Greenberger, 2021). Portanto, a regulação emocional é intrínseca à saúde mental e ao funcionamento psicológico adaptativo (Iwakabe et al., 2023).    

Princípios comuns ao trabalho com regulação emocional em diversas modalidades terapêuticas
 

Não existe um método único diretamente associado à melhoria da capacidade de regular emoções. Diferentes estratégias, comuns a várias modalidades de tratamento psicológico, podem ser utilizadas com esse objetivo. Há 8 princípios (McMain et al., 2010) que tais estratégias englobam:

  1. avaliar periodicamente a capacidade do paciente de modular emoções;
  2. desenvolver uma relação terapêutica genuína, compassiva e de aceitação;
  3. educar os pacientes sobre as emoções e suas funções;
  4. auxiliar os pacientes a terem consciência e a aceitação das próprias emoções;
  5. ajudar os pacientes a reduzir a evitação e a inibição problemática das emoções;
  6. aumentar a capacidade de expressar adaptativamente as emoções;
  7. aumentar as experiências emocionais positivas;
  8. e facilitar mudanças nos processos emocionais provendo oportunidade para novas experiências.   

Modelos estruturados de psicoterapia como a
Terapia Cognitivo Comportamental
(TCC) (Beck, 2021), o Protocolo Unificado (UP) (Farchione et al., 2021), a
Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT)
(Hayes, 2016), a
Terapia Comportamental Dialética (DBT)
(Linehan, 1993), a
Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness
  (TCBM) (Segal et al., 2018)  e a Terapia do Esquema Emocional (TEE) (Leahy, 2015) trabalham diretamente com os princípios acima por meio do treinamento de habilidades, psicoeducação, estratégias de validação, de mudança e planos de ação para casa.   

Modelos terapêuticos para o trabalho com regulação emocional
 

Na TCC beckiana, as estratégias de reavaliação cognitiva e de resolução de problemas  constituem uma forma essencial para o trabalho com a regulação emocional. A reavaliação cognitiva mostrou-se como a habilidade de regulação emocional mais efetiva, quando comparada com a aceitação e com a supressão, tanto em medidas neurofisiológicas quanto em medidas de autorrelato (Boehme et al., 2019).

As estratégias de reavaliação cognitiva podem ser implementadas por meio de
questionamento socrático
, exame de evidências e da aprendizagem sobre viés de confirmação e
distorções cognitivas
. Já as estratégias de resolução de problemas podem ser implementadas por meio de
brainstorming​ ​
e avaliação de vantagens e desvantagens. 

O UP (Farchione et al., 2017) tem como um de seus principais objetivos ensinar habilidades de regulação emocional em um espaço de 10 a 20 sessões em um formato instrucional e didático. Quatro dos oito módulos do protocolo são direcionados à regulação da emoção:

  1. psicoeducação sobre a natureza e a função das emoções, com uma discussão sobre como a evitação do paciente reduz a emoção no curto prazo, mas reforça o ciclo disfuncional no longo prazo;
  2. ensinar os pacientes a observarem, nomearem e a deixarem ir suas emoções sem avaliá-las negativa ou positivamente;
  3. aprender a identificar as principais distorções cognitivas, mudando a avaliação de eventos externos que podem propiciar a desregulação emocional;
  4. modificar comportamentos motivados por emoções extremas e desadaptativas. 

Na DBT (Linehan, 1993), o aprimoramento da regulação emocional segue três princípios fundamentais:

  1. melhorar a capacidade de estar consciente e de aceitar a experiência emocional;
  2. cultivar a habilidade de regular as emoções e tolerar o mal-estar;
  3. e mudar as emoções negativas com novas experiências de aprendizado proporcionadas por exposições.

Na DBT, há uma diferença entre habilidades de regulação e habilidades de tolerância ao mal-estar. Os objetivos das habilidades de tolerância ao mal-estar são aceitar as emoções intensas e sobreviver às crises por meio da auto-distração e do auto-acolhimento. Já as habilidades de regulação da emoção envolvem também a mudança do ambiente.

Portanto, as habilidades de tolerância ao mal-estar podem ser aplicadas quando a mudança não é possível. Além disso, as habilidades de atenção plena (
mindfulness
) têm um papel central na regulação emocional. Os pacientes aprendem a observar e a descrever sem julgamento o presente por meio de práticas contemplativas e também a integrar a emoção e a razão desenvolvendo a mente sábia. 

Na ACT (Hayes, 2016), a desfusão cognitiva desempenha um papel importante na habilidade de regular emoções. A fusão cognitiva se dá quando os processos verbais e cognitivos são confundidos com a experiência direta momento a momento, ao ponto que o indivíduo não é capaz de discriminar o que é experiência direta e o que é linguagem.

Essa fusão impulsiona as pessoas a seguirem regras aprendidas com a história pessoal desconsiderando responder às demandas do ambiente tal qual ele se apresenta, ou seja, a pessoa é retirada do momento presente por suas regras pessoais.  Por meio da defusão cognitiva, a ACT ensina os clientes a diferenciar a linguagem das contingências. Ao vivenciar o autodiálogo como apenas mais uma manifestação cognitiva, e não a realidade em si, o cliente abre-se para um estado de maior flexibilidade psicológica e consequente regulação emocional.  

A TCBM (Segal et al., 2018) preconiza a habilidade principal das tradições contemplativas orientais:  prestar atenção intencionalmente ao momento presente, sem julgamento, observando as coisas como elas são. Ela inclui técnicas de escaneamento corporal guiadas, ​​meditar caminhando, movimentos conscientes, exercícios de respiração e atenção consciente de atividades diárias, como arrumar a casa. 

Diferentemente da TCC Clássica, a TCBM coloca menos ênfase na modificação dos conteúdos dos pensamentos e enfatiza a capacidade metacognitiva, ou seja, observar os próprios pensamentos e experimentá-los como eventos mentais ao invés de verdades absolutas sobre si mesmo e o mundo exterior.

Assim, pensamentos como “sou mau e cheio de defeitos” não são percebidos como fatos, mas apenas como atividade mental. A TCBM tem como mecanismo de ação principal tratar a ruminação, que é fortemente correlacionada à depressão (Zhou et al., 2020) . De forma semelhante, ela também visa agir nas preocupações catastróficas sobre o futuro, tão comum nos quadros ansiosos.  

A terapia do esquema emocional (TEE) (Leahy, 2015) foca nas crenças sobre as emoções e na estratégias, utilizadas pelo cliente, para o controle emocional. Essa é uma teoria acerca da crenças sobre as características que cada um acredita ter, bem como, sobre as possíveis características de outros.

Desta forma crenças como “minhas emoções são incontroláveis”, “os outros não se sentem como eu”, “sentir tanto é um sinal de que sou uma pessoa fraca” e “sentir-me assim é inadmissível” são relevantes para o trabalho com essa modalidade. O modelo pode ser definido como “metaemocional”, uma vez que avalia as teorias implícitas sobre as emoções de cada cliente. 

A expressão e a validação das emoções são as técnicas terapêuticas centrais. A validação das emoções do paciente pode levar ao reconhecimento de que elas não são únicas diminuindo sentimentos como a culpa e a vergonha. O modelo de terapia metaemocional pode ser perfeitamente integrado com as demais modalidades de TCC, quando o clínico percebe que uma das dificuldades do paciente são suas crenças sobre as próprias emoções.  

Conclusão

Não há uma forma única para se trabalhar a regulação emocional em psicoterapia. O ideal é que cada clínico lance mão de estratégias efetivas, baseadas em evidências e na conceitualização de caso, para atender as necessidades de cada paciente. Fatores comuns ao trabalho com regulação emocional em psicoterapia são:  

  • reduzir a evitação de emoções negativas; 
  • melhorar a capacidade de consciência das próprias emoções; 
  • permitir uma experiência emocional completa de emoções temidas ou evitadas; 
  • ensinar métodos de
    reestruturação cognitiva
    ; e  
  • aprender estratégias comportamentais para modular emoções negativas (Berking et al., 2008). 

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Autores

  • Mário Glória Filho
      

Psicólogo pelo Centro Universitário de Brasília e Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Católica de Brasília, Mestre em Psicologia Social pela Universidade de Brasília; Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pela PUC-RS, com treinamento no Instituto Beck, Pensilvânia, EUA. Recebeu treinamento intensivo em DBT pelo BehaviorTech/DBT Brasil. Tem experiência em pesquisa em Psicologia nas temáticas de polarização política afetiva, radicalismo político e modelos transdiagnósticos. Atende adolescentes, adultos e idosos em consultório particular nas cidades de Brasília e Manaus. 

  • Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo 

Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora Clínica no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Universidade de São Paulo (USP). 

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SOBRE A EDITORA-CHEFE

Carmem Beatriz Neufeld: 
Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).