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Crenças centrais: o que são e como trabalhá-las na TCC

O movimento denominado “revolução cognitiva”, entre os anos de 1950 e 1960, emergiu em um contexto de insatisfação generalizada com o modelo psicodinâmico, e com os outros modelos exclusivamente comportamentais, que, até então, não conseguiam explicar os processos cognitivos e suas aplicações na psicoterapia.

Na tentativa de compreender os processos cognitivos que influenciam o comportamento, surge como principais representantes desse período: Aaron Beck (Terapia Cognitivo-Comportamental - TCC) e Albert Ellis (Terapia Racional Emotiva-Comportamental - TREC) (Nabuco, Roso & cols., 2012).

A partir desse panorama, entre as décadas de 1960 e 1970, nasce a Terapia Cognitiva, mais conhecida como Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) como modelo teórico, resultante de pesquisas realizadas por Aaron Beck, cujo objetivo inicial era explicar os processos psicológicos envolvidos na depressão (J. S. Beck, 2022). 

Desde então, a TCC se desenvolve e reúne um robusto corpo teórico-prático, aplicável ao contexto clínico e ao campo da pesquisa, sendo uma das mais importantes terapias baseadas em evidências.

Apesar disso, uma das críticas ainda atribuída à TCC é a de que ela seria superficial, por concentrar-se apenas no momento presente, e na superficialidade da expressão dos sintomas, deixando de considerar a história de vida na repercussão do adoecimento psíquico. Este artigo tem por objetivo, retomar esse ponto, para, de forma crítica, mobilizar um debate conceitual sobre como as crenças centrais operam no nível de produção de subjetividade e seu papel no manejo clínico, no campo da TCC, em que pese as estruturas cognitivas, bem como os resultados positivos dessas intervenções na remissão de sintomas e na manutenção da qualidade de vida do indivíduo.  

No primeiro momento, aborda-se o conceito de crenças centrais para a TCC. Em seguida, discute-se os diferentes níveis de processamento cognitivo, ao final, algumas das principais técnicas de intervenção para o manejo clínico das crenças centrais disfuncionais são apresentadas.  

O que são as crenças centrais 
 

As crenças centrais geralmente são formadas na infância e fortalecidas pelas experiências vivenciadas ao longo da vida, à medida que vamos internalizando conceitos como “Você é inútil”, mesmo que essas sejam informações incorretas (Greenberger & Padesky, 2017).

Tais crenças podem ser positivas ou negativas, sendo ativadas em dados momentos da vida, a exemplo de quando o indivíduo consegue realizar uma boa apresentação e recebe elogios dos colegas (ativação da crença positiva), ou quando uma pessoa é demitida do trabalho de forma inesperada (ativação da crença negativa). Quando ativadas, as crenças centrais negativas geram importante sofrimento e consequências comportamentais, chegando em alguns momentos, a impactar significativamente a rotina do indivíduo. 

Segundo J. S. Beck (2022), as crenças nucleares disfuncionais podem ser agrupadas em três categorias: 

DESAMPARO

Crenças de ser ineficiente - ao fazer as coisas, na autoproteção e/ou ao se equiparar a outras pessoas.  

Exemplos: “Não consigo fazer as coisas”; “Sou inútil comparado aos outros”.  

DESAMOR

Crença de ter qualidades pessoais que resultam em uma incapacidade de receber e manter amor e intimidade com os outros.  

Exemplos: “Sou alguém impossível de ser amado”; “Não serei amado porque sou diferente”.  

DESVALOR

Crença de ser um pecador imoral ou perigoso para os outros.  

Exemplos: “Sou perigoso”; “Sou desprezível”. 

É válido ressaltar que nem toda crença central diz respeito ao próprio indivíduo, considerando que ao longo das experiências infantis, aprende-se algumas regras de conduta como por exemplo: “Homens não choram”; assim como a maneira que devemos nos relacionar com as coisas ou com as pessoas ao nosso redor, como: “Ninguém merece confiança”, “As pessoas são cruéis e perigosas”.  

Diferentes níveis de processamento cognitivo
 

A TCC está amparada no modelo cognitivo de que não é a situação em si que determina o modo como as pessoas se sentem ou agem, mas as interpretações e percepções (pensamentos) que damos a tais eventos. Ou seja, é o modo como interpretamos os acontecimentos que influencia nossas emoções, nossa fisiologia e nossos comportamentos (J. S. Beck, 2022).  

A proposta clínica da TCC coloca na centralidade do cuidado terapêutico o modelo de processamento de informações. Na prática, trabalha com a maneira como os indivíduos percebem e processam a realidade, com objetivo de reestruturar e corrigir pensamentos distorcidos, de maneira colaborativa e empática, para desenvolver soluções alternativas e produzir melhora do transtorno (Knapp & Beck, 2018). 

No campo teórico, a TCC vai identificar três níveis de processamento da informação (adaptativos ou não):

  • os Pensamentos Automáticos (PAs), que são interpretações imediatas das situações - mais fáceis de serem acessados de maneira consciente por serem mais superficiais;
  • as Crenças Intermediárias (CI), que estão entre os PAs e a crenças centrais, e que se apresentam, em forma de regras, atitudes e suposições;
  • e por último, as Crenças Centrais, também chamadas de nucleares, que são mais rígidas, generalizadas, e que exercem influência no desenvolvimento das CIs, expressando conteúdo sobre si mesmo, os outros e o mundo (J. S. Beck, 2022). 

Ressalta-se que este esquema a respeito dos níveis de processamento da informação é meramente didático.

Na prática clínica, essas estruturas se relacionam entre si de maneira dinâmica, como também com as emoções, comportamentos e respostas fisiológicas. O exemplo abaixo mostra como os três níveis estão conectados e a influência que a crença central negativa exerce sobre os demais níveis de cognição quando está ativada. 

Podemos ilustrar da seguinte forma: 

  •  
    Pensamentos Automáticos
     

“Meus clientes vão ficar com raiva de mim por eu não estar disponível”. 

  •  
    Crença Intermediária ou Subjacente
     

“Eu devo estar disponível para os meus clientes em todos os momentos,  

ou eles vão escolher outro profissional”. 

“Se eu estiver sempre disponível, meus clientes ficarão satisfeitos” 

  •  
    Crenças Centrais ou Nucleares
     

“Estou vulnerável ao perigo”. 

“Sou fraca”. 

Segundo Greenberger & Padesky (2017), a terapia vai proporcionar o desenvolvimento de habilidades como: identificar os pensamentos automáticos e a influência sobre o estado de humor e sobre o comportamento, possibilitando a reavaliação de tais pensamentos, usando o exame das evidências para encontrar respostas alternativas e adaptativas, gerando assim emoções mais agradáveis. O mesmo pode ser afirmado no trabalho com as crenças. 

Neste sentido, o trabalho clínico prescinde de uma relação terapêutica segura e colaborativa, na qual o terapeuta geralmente inicia as intervenções pelo primeiro nível de processamento, e, à medida que o cliente vai adquirindo habilidade na identificação e modificação dos
pensamentos disfuncionais
, o trabalho avança para focar nos demais níveis (crenças disfuncionais), devido à grande mobilização emocional. 

Há que considerar ainda, que, no tocante aos níveis de processamento cognitivo, a compreensão sobre os conceitos de modo e esquemas na teoria Beckiana. Os esquemas são estruturas cognitivas, cujo conteúdo pode ser cognitivo (expresso em crenças), motivacional, comportamental, emocional ou fisiológico, que quando ativados, vão fortalecer a crença nuclear (J. S. Beck, 2022).

Como argumenta Waltman et al. (2023), o
modo
, representa uma constelação de ativação de uma crença, um sentimento, uma resposta comportamental e um estilo de atenção. Esse conceito nasce como uma atualização do modelo cognitivo geral na teoria.  

Trabalhando as crenças centrais na TCC
 

A conceitualização de caso é uma das principais ferramentas da TCC, e serve como um guia para ajudar o terapeuta a promover o engajamento do cliente, planejar colaborativamente o tratamento, identificar pontos fortes, assim como ajudar o cliente a entender como seus problemas se mantêm, quais são os padrões disfuncionais e como são acionadas.

Inicialmente, as intervenções propostas por essa abordagem vão proporcionar de maneira geral uma melhora dos sintomas dos transtornos psicológicos. São resultados do manejo com os PAs disfuncionais, mas a melhora durável advém do resultado das intervenções na modificação das crenças desadaptativas (A.T. Beck & B. Alford, 2000).  

De modo amplo, a partir da conceitualização do caso é possível elencar prioridades nas intervenções, facilitar o planejamento criativo na implementação de técnicas para a reestruturação cognitiva das crenças, e dessa maneira customizar o tratamento às idiossincrasias de cada indivíduo.

Segundo Waltman et al. (2023), antes de dar início ao trabalho com as crenças e os esquemas, o terapeuta já deve ter estabelecido uma
relação terapêutica
sólida, ter ensinado habilidades de regulação emocional e tolerância à angústia para lidar com temas de grande mobilização afetiva, entre outros. 

Conforme Wenzel (2018), autores com vasta experiência na TCC já desenvolveram e aprimoraram várias técnicas com a finalidade de promover intervenções com as crenças, a seguir, vamos destacar algumas delas:  

Identificar as crenças (negativas e positivas)

  • Observar os conteúdos que mais repetem ou temas centrais, nos PAs contidos no discurso dos clientes ou nos registros de pensamento disfuncional; 
  • Utilizar inventários, como por exemplo, o Questionário de Crenças Pessoais (R. L. Leahy 2006). 
  • Aplicar a técnica da Seta Descendente. 

Fortalecer crenças adaptativas

  • Construir uma lista de evidências que sustentam a nova crença mais saudável através do Registro de Dados Positivos ou de Evidências (J.S. Beck 2022); 
  • Agir “Como se” - durante a sessão o cliente é convidado a se imaginar agindo “Como se” acreditasse na crença adaptativa, e depois é combinado no plano de ação para que tente realizar uma ação durante a semana, utilizando a mesma estratégia. 
  • Examinar as vantagens da crença adaptativa; 
  • Induzir imagens de experiências atuais e históricas - fazer com que o paciente acesse memórias em que estava vivenciando a crença adaptativa, para reforçar tal crença tanto em nível intelectual como emocional. 

Modificar crenças mal-adaptativas
 

Ressaltamos também, a contribuição que outras abordagens têm oferecido para o manejo das crenças negativas como: a Terapia do Esquema, a Terapia Cognitiva Processual, a Terapia Metacognitiva, a Terapia de Aceitação e Compromisso e a Terapia Focada na Compaixão. 

Conclusão

A partir das informações descritas, concluímos que a Terapia Cognitivo-Comportamental, desde sua origem até os dias atuais, considera a relevância de intervir nos diversos níveis de processamento da cognição a fim de promover a modificação de esquemas desadaptativos e, consequentemente, das crenças negativas que são ativadas, gerando prejuízo e sofrimento importante.

Dessa maneira, e com o amparo do empirismo colaborativo e do auxílio das mais variadas técnicas, a TCC vai promover o desenvolvimento de um modo mais adaptativo de lidar com as adversidades e que se mantém ao longo do tempo. 

Destacamos, ainda, que os terapeutas precisam estar atentos para incorporar à conceitualização cognitiva, tudo que influencia a biografia do indivíduo, e que vai ganhar um sentido único na construção da sua subjetividade, ou seja, na formação do seu sistema de crenças. Por isso, torna-se relevante considerar também fatores socioculturais, como por exemplo: gênero, deficiência, classe social, etarismo e raça, a fim de promover junto com o cliente não somente a desativação de crenças negativas que geram sofrimento, mas principalmente a construção de um modo mais saudável de ser e de estar no mundo que pode se concretizar em um novo horizonte.

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Autoras

  • Ericka Marta Alves De Oliveira Dias 

Graduação em Psicologia pela Faculdade de Ciência Humanas de Olinda (2003), Especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental pela Universidade de PE (2012), Mestrado em Ciências da Saúde através de programa MINTER entre a Universidade Federal do Vale do São Francisco e a Fundação Antônio Prudente (A.C. Camargo Câncer Center) (2017). Formação em Terapia do Esquema pelo Grupo Wainer e pela International Society of Schema Therapy (ISST) (2022), Formação em Terapia Focada na Compaixão (2023), Formação em DBT (em andamento), além de ter realizado o Treinamento Online em Terapia Cognitiva Processual (2019). Atualmente é Psicóloga da UNIVASF, no Centro de Estudos e Práticas em Psicologia, e Coordenadora do Projeto de Intervenção, Pesquisa e Estudos em TCC (PIPE-TCC), atuando na área de Supervisão e Psicologia Clínica com ênfase em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental individual e em grupo (TCCG), principalmente nos seguintes temas: Transtornos de Ansiedade, Transtornos de Humor, Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Membro da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC), da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências (AESBE) e da Associação de Terapias Cognitivas do Estado de Pernambuco (ATCPE), sendo a representante de Petrolina, na comissão de interiorização.  

  • Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo 

Psicóloga e Mestra em Psicologia – área de concentração Cognição Humana pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais com Formação em Terapia do Esquema. Professora em cursos de Pós-Graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Cognitivo-Comportamental na Infância e Adolescência e Terapia do Esquema. Supervisora Clínica. Pesquisadora Colaboradora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP). 

SOBRE A EDITORA-CHEFE

Carmem Beatriz Neufeld:
 Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).